Ano: 2023
Selo: Independente
Gênero: R&B
Para quem gosta de: Tássia Reis e Luedji Luna
Ouça: Expectativa, Confissão e Cardume
Karen Francis não poderia ter pensado em um título melhor para o primeiro trabalho de estúdio do que Anos Luz (2023, Independente). Marcado pela sensibilidade dos versos e minucioso tratamento dado aos arranjos, o registro de oito canções parece estar a anos-luz de outros exemplares do gênero. É como se Francis rompesse com o caráter exploratório de um típico disco de estreia para mergulhar em uma obra marcada pela consistência dos elementos. Um jogo de vozes, batidas e sentimentos que se entrelaçam de forma a potencializar a forte vulnerabilidade emocional e entrega da cantora e compositora amazonense.
Com produção assinada pela própria artista em parceria com Tico Pro, Guilherme Bonates, Ethos e Wzy, Anos Luz é um desses discos que descem macio, porém, desbloqueiam memórias e tocam em feridas sentimentais de forma a estreitar laços com o ouvinte. “Mas você não esquece do meu celular / Liga toda noite só pra me lembrar / Como foi tão fácil esquecer de mim / Você foi embora e ainda tá aqui“, canta em Fala, composição que não apenas destaca o peso das lembranças e o lirismo angustiado que consome a obra, como evidencia a fina tapeçaria instrumental que se revela aos poucos, engrandecendo os versos.
São composições talvez monotemáticas, quase sempre centradas em relacionamentos instáveis, amores desfeitos e desejos compartilhados pela cantora amazonense, porém, tão sensíveis e detalhistas que é praticamente impossível resistir aos encantos de Francis. E isso fica bastante evidente logo nos minutos iniciais do trabalho, quando a artista, em colaboração com a convidada Nayra Lays, faz da introdutória Linha do Tempo uma síntese deliciosa de tudo aquilo que será apresentado ao longo do registro. Do uso calculado das batidas à suavidade dos vocais, cada mínimo componente parece pensado em detalhe.
Embora marcado pela sutileza dos arranjos, batidas e vozes, Anos Luz está longe de parecer uma obra arrastada. Na contramão de outros exemplares do gênero, em geral consumidos pela própria atmosfera, a estreia de Francis encanta justamente pela combinação entre momentos de maior calmaria e canções que funcionam como pequenos respiros. É o caso de Confissão. Completa pela participação de Anna Suav, a faixa se revela aos poucos, porém, cresce na aceleração dos elementos e uso destacado dos arranjos que evocam nomes como Sade na mesma medida em que preservam a essência criativa da amazonense.
Vem desse esforço em estabelecer a própria identidade que Francis abre passagem para algumas das melhores composições do trabalho. Em Expectativa, por exemplo, enquanto os versos destacam a forte sensibilidade da artista amazonense, guitarras timbrísticas e a percussão marcada pela riqueza dos elementos atravessam o território nacional para mirar na música além-mar, bebendo dos ritmos e da cultura africana. A mesma pluralidade de ideias pode ser percebida em Cardume, faixa que posiciona as batidas em primeiro plano e revela na construção dos versos um lirismo transformador, quase existencial.
Dessa forma, mais do que uma plataforma de apresentação para Francis, Anos Luz entrega uma série de pistas do que ainda está por vir, como um produto da versatilidade da amazonense. O mais interessante talvez seja perceber como todos esses elementos, mesmo tão díspares, em nenhum momento ecoam em discordância do restante do trabalho. Seja pelo direcionamento dado aos vocais ou pela escolha dos temas, cada nova canção contribui para o caráter homogêneo da obra. São fragmentos sentimentais, poéticos e rítmicos que, aos serem organizados, revelam uma das estreias mais sensíveis da música brasileira recente.
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