Death metal com temática romana.
Foi assim a descrição com a qual tomei conhecimento sobre o Ex Deo. Confesso que a primeira metade dessa informação não me gerou muito interesse, já que eu não sou lá um grande fã de death metal puro, mas por ser um fã de história a segunda metade me fez procurar alguma coisa para ouvir e uma semana depois eu estava imerso em um dos meus atuais vícios musicais. Com as audições eu também compreendi que descrever o som da banda apenas como death metal é muito simplista, já que a banda utiliza elementos sinfônicos bastante marcantes e muita melodia o que justificaria a classificação de death metal melódico ou até mesmo o death metal sinfônico.
O Ex Deo surgiu como um projeto paralelo de Maurizio Iacono, um ítalo-canadense conhecido pela banda Kataklysm, em que também é o cantor. Iacono nasceu no Canadá, mas por ter essa ascendência italiana sempre teve muito orgulho da história do país e usar as narrativas do Império Romano como tema das músicas lhe pareceu ideal. A ideia era ser a primeira banda de Roman Legion Black Metal. Para completar o line-up Jean-François Dagenais e Stéphane Barbe nas guitarras, Max Duhamel na bateria, todos eles também do Kataklysm, François Mongrain no baixo e Jonathan Leduc nos teclados. O guitarrista Dagenais também ataca de produtos nos discos. O nome da banda, em uma tradução simplista de latim para o português, significa DE DEUS, no sentido de algo que VEM DE DEUS.
O heavy metal e a história sempre tiveram um excelente relacionamento com inúmeros exemplos que poderia citar. O metal utiliza muitos elementos medievais, fantásticos ou não, para ambientar suas músicas. O clima épico do combate em campos de batalha entre cavaleiros, arqueiros, nobres e reis sempre estiveram no imaginário de todos os fãs de heavy metal de várias de suas vertentes, até que o power metal acabou meio que “se apropriando” dessa temática. Daí utilizar o Império Romano como tema me parecer genial, afinal esse período histórico pode ter passagens até mais grandiosas que o período medieval por ter sido, ao meu ver, muito melhor registrada para a posteridade do que a Idade Média.
Ouça o Ex Deo com as letras em uma da mãos e reserve a outra para portar sua gladius. Aproveite a ocasião não só para curtir um som, mas também para aprender história.
Romulus (2009)
A primeira faixa, “Romullus”, aquela que exibe a banda e que dá início à sua história, coerentemente apresenta o início do império romano com a lenda dos irmãos Rômulo e Remo que teriam sido criados por uma loba. O peso das guitarras com seu riff principal que se repete ao longo de toda música tem o contraponto das orquestrações que comandam a melodias da música. Esse expediente é bastante utilizado pelo Ex Deo. “Storm the Gates of Alesia” lembra da batalha contra o exército de Vercingetorix, na Gália, que foi apresentada de alguma forma no início do filme Gladiador e também é conhecida pelos fãs de Asterix. Provavelmente a principal faixa do álbum, com a participação de Nergal do Behemoth, que tenta passar a grandiosidade de um exército de 250 mil homens. A famosa frase dita por Julio Cesar, “vim, vi e venci” ou veni, vidi, vinci aparece nesse momento. A palavra havoc em inglês significa atacar, massacrar ou saquear. Militarmente ela também pode ser entendida como destruição e caos. É curioso então quando uma música chamada “Cry Havoc” seja exatamente aquela que descreve a implantação da Pax Romana iniciada no governo de Augusto de 28 a.C. até a morte de Marco Aurélio em 180 d.C.. Em “Invictus”, outro destaque do disco, temos a coroação de Júlio César como o pai da liberdade, protetor de Roma e, por fim, imperador. Seu instrumental é mais alinhado com um heavy metal tradicional do que com o death. Já “The Final War (Battle of Actium)” descreve acontecimento que geraram o rompimento do segundo triunvirato e cita figuras hoje famosas como Otaviano, Marco Antônio e Cleópatra. Nessa faixa participa Karl Sanders do Nile. A décima terceira legião era considerada a melhor e mais poderosa de todas. Foi com ela que César atravessou o Rio Rubicão quando emitiu outra das suas famosas frases Alea Jacta Est – que em tradução literal seria algo como o dado está lançado, mas ficou para a história como a sorte está lançada – lembrando que era proibido entrar com legiões dentro da cidade de Roma e o rio citado era um dos limites estabelecidos. É esse o tema de “Legio XIII”, uma faixa mais direta em que o baterista quase não tem descanso. “Blood, Courage, and the God´s That Walk the Earth” fala sobre a escravidão que existia no império, uma faixa mais cadenciada que tenta transmitir um clima mais tenso, combinando com o tema pesado da música. Um pouco de latim é usado em “Cruor Nostri Abbas” e em “Surrender The Sun” é a vez de falar de outros famosos escravos de Roma, os gladiadores. No geral, esse primeiro álbum está abaixo dos dois seguintes, mas ainda vale muito a pena ouví-lo.
Caligvla (2012)
Para a gravação do disco sai o baixista François Mongrain e entra Dano Apekian. O início em “I, Caligvla” tem um tema bastante usual em filmes ou documentários sobre Roma seguido da voz de um arauto apresentando a proclamação de Gaius Julius Caesar Augustus Germanicus imperador. Maurizio interpreta o próprio imperador se proferindo um deus e dizendo como será seu governo. A música lembra alguma faixa do Behemoth, com bastante orquestrações e peso. Aliás a banda de Nergal deve ser uma grande influência para o som do Ex Deo. A alcunha Calígula vem de umas botas militares- chamada de cáligas – que ele utilizava quando criança e era visto com graça por seu pai. Era sobrinho do imperador Tibério e entende-se que sua família foi assassinada pelo soberano, muito provavelmente por ele entender que eles eram uma ameaça ao ser governo. Calígula ficou muito conhecido por conta do filme semi-pornográfico que passava bastante na televisão na década de oitenta. A sua imagem de devassidão e bizarrices escondem sua função de ótimo gestor, pelo menos durante um bom tempo, e conquistas militares. A história volta um pouco em “The Tiberius Cliff (Exile to Capri)”, que trata da época que ele e seu tio, ainda imperador, estavam vivendo na Ilha de Capri. Apresenta um pouco mais de melodia do que a primeira faixa sem caprichar no peso. Já em “Per Oculos Aquila” um pouco de groove nas guitarras. Todas essas três faixas possuem vídeos oficiais interessantes. “Burned to Serve as Nocturnal Light” tem um riff inicial quase na linha dos habituais utilizados no black metal. Em alguns momentos do disco, além do Behemoth, bandas como Nile e Fleshgod Apocalypse vão ser lembradas, mas também podemos adicionar aí nesse caldeirão de influências o Amon Amarth. Caligvla é certamente o melhor álbum do Ex Deo e aquele que indico para se começar.
The Immortal Wars (2017)
Depois de um hiato da banda o Ex Deo volta com mais um álbum. Sai Max Duhamel e entra Olivier Beaudoin que também substituiu o outro no Kataklysm. Interessante notar que o Ex Deo é um projeto paralelo de quase todos os músicos do Kataklysm e não só de seu vocalista. The Immortal Wars está em pé de igualdade em relação à qualidade do que Caligvla. A começar pela linda capa remetendo diretamente à primeira faixa “The Rise of Hannibal”, que trata do general cartaginense que comandava um imenso exército com a presença impactante, e possivelmente amendrontadora, de elefantes. Até pelo tema desse disco a atmosfera de batalha estará presente ao longo de toda audição. Os dois álbuns anteriores podem ser chamados de conceituais por terem o Império Romano como tema, mas esse lançamento foca um dos períodos, no caso as Guerras Púnicas por volta de 217-216 a.C.. Além disso temos duas metades do disco cada um sob a perspectiva de um dos lados da guerra. O início, as três primeiras faixas focam no exército de Cartago, enquanto as quatro últimas faixas trata do exército romano. Ambas partes são separadas por um interlúdio, “Suavetaurilia (Intermezzo)”, que desta vez serve como a habitual faixa instrumental que era sempre a última faixa nos discos anteriores. Fico imaginando o público vindo abaixo na introdução de “Cato Major: Carthago Delenda Est!” sendo tocada ao vivo. Os adeptos às rodas certamente entram em êxtase. A alternância de no andamento das músicas é frequente trazendo um clima de inesperado. The Immortal Wars é mais enxuto que os outros dois discos e fica bastante claro que eles eliminaram possíveis fillers. Só essa atitude já é louvável. O disco fecha com “The Roman”, uma faixa que inicia cadenciada com uma orquestração soberba. Aliás, para quem chegou até aqui e já ouviu alguma coisa vai perceber que o trabalho de teclados é um ponto forte no Ex Deo. Jonathan Lefrancois-Leduc faz um trabalho de alto nível mudando totalmente o som de uma banda que poderia ser apenas mais uma dentro do death metal.
Como os músicos do Ex Deo são praticamente os mesmos do Kataklysm as turnês são mais frequentes do que outros projetos paralelos que conhecemos, afinal é mais simples ajustar sua agenda. Porém, os músicos entendem que a sua banda principal é mesmo o Kataklysm. Quem conheceu e gostou do Ex Deo e não conhece a banda principal indico a ir sem medo, mesmo tendo que admitir conhecer pouco. Do que ouvi não me agradou apenas algumas passagens mais próximas ao grindcore. Sugiro também que assistam aos vídeos que são muito legais. Com três discos bons discos na bagagem é natural que os fãs esperem uma sequencia. Entretanto fico pensando em quando a fórmula irá se esgotar, se é que vai se esgotar um dia.
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