Ao terceiro tomo, Joanna traz-nos 3 discos de uma só assentada: excêntricos e barrocos, é certo, mas também surpreendentemente acessíveis. Pelos seus retorcidos padrões, é claro.

Se lhe chamarmos filha de Kate Bush e mãe de Julia Holter, Joanna Newsom franzirá o sobrolho, resmungando que nunca quis ser outra coisa que não ela própria. Mas na sua erudição arcaica, voz excêntrica de mulher-criança e experimentalismo sonhador, a linha genealógica existe e Newsom deve orgulhar-se dela. É sempre sobre os ombros dos gigantes que tudo começa outra vez.

O seu primeiro disco, de 2004, é ainda um diamante por lapidar, quase só harpa e uma voz de desenho animado psicótico que ou se ama ou se odeia, impossível qualquer meio-termo. Uma sofisticação já assoma, porém, em Milk-Eyed Mender: o recurso a polirritmos africanos, onde a mão esquerda e a mão direita desenham na harpa ritmos independentes, à maneira dos tocadores de kora que tanto admira. Pela sua subversão da folk, Joanna foi então associada à New Weird America, vendida como irmã espiritual de Devendra Banhart e demais neo-hippies de barba farfalhuda. Ferozmente individualista (e com a depilação sempre em dia), Joanna recusou o simplismo do rótulo.

Em 2006, Joanna sobe a parada com Ys, a sua incontestável obra-prima. Tudo agora é mais épico e vanguardista: a orquestração densa e dissonante de Van Dyke Park, as inesperadas guinadas melódicas, o extravasar demente de imagens e emoções.

Só em 2010 chega Have One on Me, desmedido na sua condição de disco triplo mas com uma linguagem mais acessível do que a do tomo anterior: orquestração mais depurada, melodias mais instantâneas, voz mais grave e rigorosa. Não obstante a sua total inaptidão para fazer canções passáveis na rádio, o primeiro CD da trilogia – de longe o nosso favorito – tem uma sensibilidade quase pop (para os seus idiossincráticos padrões, é claro: à quarta audição já estamos a trautear um ou outro refrão).

É difícil decifrar a poesia literata de Joanna mas tudo leva a crer que no disco I uma bonita paixão floresce e que nos discos II e III esse lindo amor definha. A história de sempre, portanto. Daí os arranjos cheios e soalheiros do primeiro capítulo e a sobriedade gelada, a roçar o suicídio, das rodelas seguintes. Não queiram acabar uma relação com a sentimental Joanna Newsom…

A revisitação do passado musical é aqui uma constante, desde os sabores trovadorescos até às baladas britânicas,  passando por alguns inesperados acordes jazzy e muitos salpicos psicadélicos da folk dos anos 60, tudo reinventado pela sua transbordante criatividade. Um combustível inesgotável alimenta todo o processo: um ódio espumoso ao moderno e ao sintético.

Faz parte da nossa condição de modernos não conseguirmos ouvir um disco do princípio ao fim. Joanna sabe bem disso por isso nos oferece não um disco inteiro mas logo três. Que se lixe a contemporaneidade é o que Joanna no fundo nos diz. Na sua sempre requintada maneira, é certo…