sexta-feira, 15 de setembro de 2023

The Mothers of Invention – Freak Out! (1966)

Logo ao primeiro disco, Zappa anuncia ao que vem: derrubar todas as estúpidas hierarquias que separam a boa música dela própria.

Quando Zappa se apresenta ao mundo em 1966 fá-lo com o estrondo de Freak Out!: um disco-duplo, conceptual e vanguardista que mudou a face da pop. Até os Beatles, que são os Beatles, assumem a sua dívida, reconhecendo-o como uma influência para Sgt. Peppers. Cremos não ser necessárias mais credenciais.

Mais tarde, Zappa dar-nos-ia obras superiores mas o projecto estético de toda uma vida já é anunciado neste disco-manifesto: valorizar toda a mixórdia de sensibilidades diferentes, desde que… soem bem. Tudo vale, por mais incongruente que possa parecer: pop e música erudita, alta e baixa cultura, o rigor da composição e a espontaneidade da improvisação, o gosto duvidoso e a beleza depurada, a inocência do doo-wop e a lascívia do blues.

Se estas tensões se sentem em cada canção, elas são mais evidentes na divisão do álbum em dois: o primeiro disco com uma toada mais pop e o segundo com a fritaria atonal mais desbragada. Não digam nada aos vossos amigos hipsters mas confessamos a nossa preferência pelo disco I. Nele encontramos algumas das melodias mais acessíveis e memoráveis de todo o seu cancioneiro, o que nunca foi nenhum pecado, antes pelo contrário.

O disco II, menos interessante porque demasiado cacafónico, redime-se, porém, através da canção mais emblemática do álbum: o blues rock dylanesco de “Trouble Every Day”. Sendo o tema sério – os motins raciais de Watts -, Zappa suspende a sua habitual paródia de tudo e de todos, descrevendo com uma gravidade inesperada os tumultos que então assolavam a América.

Por amar o experimentalismo, Zappa nunca foi compreendido pelas massas, mantendo-se sempre um autor de culto. Por amar a pop e a parvoíce, nunca foi aceite pelas elites como o compositor genial que era. Pela sua contestação freak da cultura dominante, sempre foi desprezado pelos conservadores. Por ridicularizar os dogmas da própria contracultura, nunca foi aceite como um igual pelos outros rebeldes. É sempre esse o preço a pagar por uma arte inteiramente livre: viver à margem, do lado de fora, numa superior solidão.



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