O P.U.S. (Porrada Ultra Suicida) foi uma banda brasiliense surgida em 1987. Influenciados por grupos de metal extremo do naipe de Slayer, Sepultura, Celtic Frost e Death, os ainda jovens Ronan Meireles (vocais), Selvagem (baixo), o falecido Eduardo “Feijão” (bateria), Xicone (guitarras) e a na época conhecida como Simone Death (hoje a famosa Syang, guitarras) formaram aquela que seria uma das principais bandas do underground metálico brasileiro.
Com muitos shows pelo Brasil no início dos anos 90 e já formando um grupo numeroso de fãs, o P.U.S. tinha tudo para seguir pelas porteiras abertas pelo Sepultura alguns anos antes. Lançaram o EP Third World (1990), que se esgotou rapidamente no Brasil e na França, onde também foi lançado pela Maggot Records. Porém, no meio desse caminho que parecia brilhante, muitas coisas ocorreram. Mudanças de direcionamento musical, mudanças de direcionamento artístico e o início de um cenário difícil para as bandas brasileiras de heavy metal culminaram em uma pausa que se tornou definitiva em 1997, com uma tentativa de reinício em 2002, que gerou alguns shows e encerrou-se novamente em 2003. Comentarei um pouco sobre a curta trajetória do P.U.S., cujos discos ainda são muito lembrados pelo pessoal que vivenciou o heavy metal brasileiro dos anos 1990.
Com Syang, Ronan e Xicone (que já havia deixado a banda) como principais compositores, a banda lançou seu disco autointitulado em meio uma época farta de ótimas bandas de metal extremo brasileiro. O álbum é calcado em um death metal com muitas influências de hardcore. O disco não para e é porrada atrás de porrada, ora alternando riffs mais lentos, ora apostando na velocidade dos blast beats. “Blood Pact” é uma faixa carregada de peso e distorção, cortesia da loirinha Syang. A pancadaria veloz de “Die” segue já arrebentando alguns pescoços por aí demonstrando fúria típica das melhores bandas extremas noventistas. “P.U.S.” segue com os seus furiosos blast beats e com um bom gosto por riffs diferentes que é até difícil escolher o seu favorito. Dentre muitas outras canções excelentes, ainda destaco “Luxury”, com os vocais cavernosos de Ronan e novamente um trabalho fantástico de bateria por parte de Feijão, que gerou um videoclipe que passou muito na MTV (principalmente no quadro “Piores Clipes do Mundo”), e “Mosh”, a preferida dos fãs de quando a banda tocava ao vivo por motivos óbvios. As letras do P.U.S. costumam tratar dos temas típicos do metal extremo, como morte, raiva, horror e tudo mais, porém, há também temáticas relacionados a sexo, cujas principais letras vocês já imaginam quem compôs. Ninguém que ame death metal deixaria de apreciar este disco, recheado de riffs pesadíssimos de guitarra, uma cozinha de baixo e bateria estonteante, além dos urros furiosos de Ronan dando a tônica do disco. Porém, como praticamente todo ótimo disco lançado pela Cogumelo Records, a produção é bem rústica e abafada. Se bem que, para muitos, isso é até um charme e um atrativo a mais.
Pouco antes do lançamento do disco, Feijão havia deixado a banda e Rodrigão havia sido convocado para ser o novo baterista. Este inclusive participou de todas as imagens promocionais e das fotos do encarte do primeiro álbum, e como não havia nenhum crédito no disco para Feijão, que verdadeiramente gravou o instrumento, a banda acabou sendo processada pelo antigo baterista. Após um acordo amigável, o grupo também acrescentaria os créditos ao baterista no disco posterior, corrigindo a informação de que muitos achavam que Rodrigão havia gravado P.U.S. [1991]. Infelizmente, pouco tempo depois Feijão acabou falecendo devido a problemas relacionados à aids em 1996, fato que entristeceu bastante a comunidade metálica brasileira no período.
Uma característica curiosa da curta discografia do P.U.S. é que Ronan e Syang eram muito abertos a novas sonoridades e acrescentavam essas novas influências em seus discos. Dá para se dizer que cada álbum da banda é muito diferente um do outro. O segundo disco já demonstrou algumas de suas novas influências.
Sin Is the Only Salvation [1994]
Com Syang assumindo as rédeas das composições, assinando seu nome em todas as letras e participando da criação de todas as músicas, Sin Is the Only Salvation apresenta uma grande evolução técnica na carreira do P.U.S.. Este disco possui uma sonoridade mais influenciada pelo thrash metal e das bandas da Bay Area norte-americana. Logo em “Dreams” já se percebe aquela atmosfera meio “Exodus com Slayer e recheio de Metallica” que apreciei muito. Mais cadenciado mas não menos pesado, o álbum prossegue com “Pale Witch”, falando de bruxaria e ocultismo, temas que Syang apreciava bastante. “Dirty Reality” mostra Ronan cantando sem gutural e apostando mais no vocal urrado típico de Max Cavalera, sendo uma canção que lembra bastante o Sepultura dos tempos do Arise (1991). Aparecem neste disco os primeiros indícios das novas influências sonoras que a banda estava desenvolvendo, tendo como exemplo a canção “Comando Vermelho”, cantada em português e com a participação do falecido músico Chico Science, que inclusive ajudou a escrever a letra. Baita canção, minha preferida deste disco. Para finalizar, há também a faixa-título, mais uma pancada com uma crítica ácida aos problemas sociais e com uma letra que diz tudo o que a humanidade sonha: “I’m gonna tell you a happy story/Where cops protect and give us security/Where money buys a list of food/And people just fuck for love and desire”. Lindo.
Antes de escrever a respeito do terceiro e último disco do P.U.S., é necessário contar alguns detalhes à parte sobre a história da banda. Após o lançamento do segundo álbum, pelo qual receberam muitas críticas positivas, Ronan e Syang (que namoravam havia anos) estavam em viagem de férias para Londres (Inglaterra), em 1995, e lá conheceram o produtor e escritor de rock Celso Barbieri, apresentado a eles por um amigo em comum na MTV. Celso morava em Londres havia algum tempo e deixou que o casal ficasse em sua residência nesse período. Barbieri estava muito interessado na sonoridade das novas bandas de rock industrial que começavam a surgir na Europa, tais como a alemã Die Krupps, e escutava esses novos sons diariamente, fato que impressionou Ronan e Syang, que não conheciam aqueles grupos tão diferentes.
De volta ao Brasil e com aquelas novas influências em mente, Ronan e Syang promoveram uma mudança radical na sonoridade, no visual e até mesmo no nome da banda que agora passaria a se chamar “Potência Ultra Sônica” (entretanto, ainda utilizando a abreviação P.U.S.). Os integrantes passariam a vestir roupas que pareciam uma mistura de tribalismo brasileiro com futurismo e alguns novos instrumentos foram adicionados, como teclados e tambores indígenas. O baixista Selvagem (que em um grave acidente teve sua perna fraturada e que tocou alguns shows sentado no chão do palco) também deixou a banda.
Já era de se imaginar a reação dos fãs ao ouvirem este álbum pela primeira vez. Apesar das influências hardcore continuarem lá, o death/thrash dos discos anteriores foi praticamente todo limado. O registro é praticamente uma mistura do rock industrial que eles ouviram na Europa dando a tonalidade futurista com o trip hop brasileiro dando uma tonalidade tribal, influência que curiosamente o Sepultura estava demonstrando na mesma época com o disco Roots (1996). Barbieri havia escrito duas letras na época, que Syang levou consigo, e acabou sendo creditado por elas, “Presets” e “Hopeless Man”. “Presets” inicia de forma bem industrial, com guitarras e sintetizadores dando a tônica em uma faixa que lembra bastante o que o Rammstein faria pouco tempo depois. A segunda canção do álbum, que inclusive gerou um videoclipe, chama-se “Seu Verino”, com a participação de alguns convidados, é uma música bem trip hop típica de bandas como O Rappa, que inclusive conta com as primeiras participações vocais da própria Syang (e o tema da letra é, aparentemente, uma alusão ao ex-baixista Selvagem). “Unreal” é praticamente um darkwave de Syang apresentando atmosferas e vocais típicas do eletrônico enquanto Ronan faz o contraponto do metal industrial em algumas partes. A maior decepção presente em Presets é a nova versão do clássico “Mosh”, modificada totalmente para o dito metal industrial, com vocalizações cheias de efeitos e um instrumental não menos do que vergonhoso. Lamento muito ter que dizer isso sobre uma banda que gosto muito, mas essa foi a pior bola fora que o P.U.S. deu em sua curta carreira. O restante do disco aponta para diversas direções, soando muitas vezes confuso e sem foco. Parece que estamos ouvindo um punhado de faixas aleatórias de bandas diferentes. Até encontro algumas qualidades neste álbum e elogio a iniciativa da banda em criar algo bastante diferenciado dos demais e muito diferente do que se ouvia e do que se ouve no Brasil até os dias de hoje, mas a execução das ideias através de suas composições foram, na maioria das vezes, bem fracas. Não sou daqueles fanáticos que desejam que as bandas façam tudo igual até o fim de suas vidas, mas, se for para mudar, que dominem bem o gênero pelo qual pretendem transitar. As guitarras soam todas idênticas, o baixo fica escondido em meio aos sintetizadores e as letras perderam muito da crítica social ácida anterior para uma abordagem simplória e sem graça como na letra de “Desempregados”.
Por razões óbvias, as coisas não iam bem e a banda parou no ano seguinte. Os integrantes seguiram por caminhos próprios. Rodrigão passou a tocar bateria para diversos projetos e atualmente executa essa tarefa ao lado do Rioclaro, grupo cuja sonoridade é calcada no country rock norte-americano, porém cantando em português. A banda, inclusive, está gravando um novo álbum chamado Gringo, que deve sair em breve. Ronan chegou a compor material para um disco solo que não chegou a ver a luz do dia. Ronan passou então a trabalhar como produtor de shows de rock em Brasília, a cidade natal da banda. É um profissional muito conhecido e conceituado na região, sempre promovendo diversos espetáculos aos brasilienses. Infelizmente, não consegui encontrar informações sobre o que tem feito o baixista Selvagem.
No caso de Syang, esta merece um parágrafo à parte. A cantora e guitarrista, após o término do P.U.S., fez de tudo um pouco nessa vida. Lançou três discos solo de pop rock com algumas guitarras um pouco mais pesadas do que de costume, alcançando uma fama razoável com o clipe “Olha Pra Mim” tocando durante um tempo na MTV. Participou do programa “Casa dos Artistas 2″, do SBT, onde alcançou fama nacional; posou nua na Playboy; escreveu livros de Contos Eróticos; promove eventos com uma empresa própria chamada Mercenas; toca guitarra com uma dupla sertaneja chamada Deuber e Leandro, que se intitula “a dupla sertaneja mais roqueira do Brasil”, misturando riffs de rock a músicas como “Camaro Amarelo”; e pratica jiu-jitsu, até mesmo participando de algumas competições e ganhando títulos, como em um torneio recente na Europa.
Partindo mais para a opinião pessoal, posso afirmar que o P.U.S. tinha potencial para estar hoje no mesmo patamar das grandes bandas do metal nacional, no mesmo nível de Sepultura e Angra. Ronan cantava muito, a cozinha de Rodrigão e Selvagem era afiada e isto até pode soar polêmico e exagerado para muitos, mas Syang é (ou foi) uma baita guitarrista no metal extremo brasileiro. Ao menos em seu período de maior atividade, no início do P.U.S., eu a colocaria entre os cinco melhores guitarristas brasileiros dos anos 1990. Ouçam os dois primeiros discos e sintam aqueles riffs cortantes e pesados, sem soarem cansativos ou repetitivos. Não é exagero. É difícil imaginar uma volta do P.U.S. com sua formação clássica, ainda mais devido aos caminhos escolhidos por Syang, mas quem sabe Ronan, Rodrigão e Selvagem não se juntam qualquer dia desses para tirar um som? Esperamos que aconteça.
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