domingo, 17 de dezembro de 2023

Ariel Pink – The Doldrums (2000)

 

Nostálgico. Ruidoso. Estranho. Bem-vindos ao mundo demente de Ariel Pink.

Ninguém conhecia Ariel então. Era apenas mais um miúdo excêntrico de belas artes, que gravava música esquisita em casa para ninguém ouvir. No lugar da dissertação de final de curso, entregou um CD-R manhoso, de baixíssima fidelidade, o disco que nos traz cá hoje. Nunca obteve qualquer diploma.

A primeira vez que ouvimos o álbum apanhamos um valente susto: ouve-se a fita do gravador de oito pistas a chiar, a guitarra arranha como palha de aço, o órgão parece do toys’r’us, a voz tem o seu quê de desenho animado louco, a linha de bateria é feita com a boca. Há o lo-fi e, abaixo dele, há The Doldrums. Deus o perdoe.

Mas as suas bonitas melodias vão ganhando forma, e a sua doce melancolia vai-nos conquistando. Ariel confessa-nos que não quer crescer, que a vida adulta é uma armadilha, e tem a sua razão. Tudo é envolto numa nuvem de reverb que nos transporta justamente para a longínqua infância. Nessa névoa de sonho, quase que conseguimos ver o pequeno Ariel sintonizando um velho rádio de feira, descobrindo pela primeira vez a magia da música, refúgio perfeito para um miúdo talvez demasiado sensível. Compreende-se assim melhor os pastiches de soft rock que por aqui passam: são saudades da infância para sempre perdida.

Ariel tem vergonha de ter canções tão belas num mundo tão feio. Por isso, faz tudo o que está ao seu alcance para as desfigurar: mau gravador, ruído a rodos, guinadas inesperadas, eco exagerado. Mas quanto mais ácido atira para a sua cara mais brilham os destroços da beleza original. A arte escreve direito por linhas tortas. E é sempre fora das linhas que Ariel desenha o seu estranho mundo. Não queremos sair dele.



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