domingo, 17 de dezembro de 2023

Boards of Canada – Music Has the Right to Children (1998)


 

Volvidos vinte anos, Music Has the Right to Children permanece praticamente intemporal pelo simples facto de existir fora do seu tempo e do nosso.

A casa antiga, os desenhos animados de fim-de-semana que já não passam na televisão, os velhos amigos da primária: memórias de infância destinadas a tornarem-se semi-lembradas e quase esquecidas ao longo de uma vida inteira. É nesse universo de falsas memórias e pedaços descontextualizados de nostalgia que os Boards of Canada operam. Oriundos da Escócia (e não do Canadá como o nome poderia sugerir apesar de lá terem passado a juventude), os irmãos Michael Sandison e Marcus Eoin começaram a fazer música no final dos anos oitenta, eventualmente formando o coletivo Hexagon Sun no início da década seguinte.

As cassetes amadoras, partilhadas por amigos e fabricadas em quantidades muito reduzidas foram crescendo em popularidade e maturidade musical, culminando com um contrato pela Warp, a editora que, nos anos noventa, ditava o que era bom e o que era mau no mundo da música eletrónica. Music Has the Right to Children, que completou no ano passado vinte anos de existência, continua a soar tão fresco e intemporal como em 1998. As suas texturas continuam a sugerir um período temporal difícil de localizar, graças ao uso exclusivo de sintetizadores analógicos e samplers primitivos.

Em termos de atmosfera, é um disco mais sombrio do que o seu título soalheiro possa sugerir. Após uma breve introdução, cujo nome “Wildlife Analysis” é de uma precisão e transparência a que o grupo raramente se permitiria utilizar no futuro, a primeira música a sério “An Eagle in Your Mind” é desconcertante na sua dissonância; a bateria industrial e os samples de voz corrompidos até se tornarem fantasmas sugerem um sentimento de reexperiência de traumas passados que foram até agora reprimidos. Esta mesma atmosfera melancólica permeia a maior parte das canções, como na impressionista “Pete Standing Alone” ou na Aphexiana “Happy Cycling”.

É nos interlúdios e nas canções mais curtas que o sol brilha com maior intensidade. “Roygbiv” (red, orange, yellow, green, blue, indigo, violet para os mais distraídos) é, justificadamente uma das músicas mais conhecidas do grupo. A sua linha de sintetizador desliza com inocência infantil por cima de uma linha de baixo sinistra. “Bocuma” que lhe precede, parece a representação auditiva de um sonho em que o familiar e o desconhecido se misturam até deixarmos de perceber onde um começa e o outro acaba. É também impossível não mencionar “Olson” que extrai de um passeio nocturno pela cidade a sua atmosfera misteriosa.

A música de Music Has the Right to Children lembra-nos que o passado nem sempre é tão bom ou tão mau como o imaginávamos. Lembra-nos também que, por mais que tentemos regressar a ele, nas palavras de Thomas Wolfe, “You Can’t Go Home Again”. E está tudo bem. Há um presente a ser vivido lá fora. Aproveitemo-lo!



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