The Police tem uma história improvável. Banda de sotaque pop carregado, campeã das rádios nos anos de 1980, mas sempre com algo ali na sua sonoridade que incomodava o ouvinte comum e a distinguia da maçaroca pop-reggae-new wave que atulhava as ondas radiofônicas, The Police vinha de experiências bastante contrastantes com este universo da indústria do entretenimento, que, por algum tempo, veio a dominar.
Gordon Summer, mais conhecido pela alcunha de Sting, era crooner de uma banda jazz fusion em Newcastle, sua cidade natal, chamada Last Exit. Foi tocando nos bares da vida de Newcastle que, em 1976, o baterista da banda progressiva Curved Air o viu pela primeira vez. Stewart Copeland, o tal baterista, teria dito depois (aqui vale a velha frase “se a versão for melhor do que a verdade, publique-se a versão”) que, ao ouvir o jovem cantor, “sabia que ia ter vida boa para sempre”.
De fato, deste encontro, e com o rock progressivo e o jazz fusion saindo de moda, foi um pulo para Sting e Copeland se juntarem ao guitarrista Henry Padovani para formar, em 1977, o Police em sua primeira encarnação Com esta formação, gravaram um avulso com a faixa “Fall Out” que teve boas vendas no mercado inglês (70 mil cópias), mas não o suficiente para convencer Padovani de que o Police tinha futuro. Logo depois se iniciou uma transição com a banda tocando como um quarteto, com o já rodado guitarrista Andy Summers assumindo uma das guitarras. Durou pouco e Padovani finalmente partiu para outra.
Summers era macaco velho dos estúdios ingleses, tendo colaborado com o Soft Machine em seu disco de estreia (não creditado) e se juntado a uma das várias formações de Eric Burdon & The Animals. Dono de uma técnica extremamente concisa e marcada por intervenções cortantes, mais um decorador sonoro do que propriamente um solista, Summers tinha uma vida boa como músico contratado, mas aspirava um lugar de protagonista na cena musical.
É com esta formação que o grupo lança um compacto trazendo a hoje clássica “Roxxane”, que fracassa em execuções e vendas, ao contrário de “Can’t Stand Losing You” que se mantém durante algumas semanas no “TOP 50” inglês e abre as portas para um contrato com a A&M para um LP. Antes, porém, a banda se aventurou numa turnê pelos EUA sem sequer o primeiro disco para mostrar.
A partir daí, The Police engrenou uma carreira multiplatinada, de sucesso maciço, mas sempre ancorado numa música complexa no seu artesanato, cheia de bordados barrocos e filigranas instrumentais, amparados na expertise de Copeland e Summers, mas também na eficácia pop fundada na destreza de Sting como compositor e em seu carisma. De forma que a banda cultivou, ao lado da adoração midiática baseada em singles blockbusters, um grupo mais seleto de admiradores de sua musicalidade que é muito melhor apreciada em sua concisa coleção de LPs.
Com apenas cinco álbuns originais, The Police foi capaz de catalisar um amplo espectro de influências (que, diga-se, não originou nenhum seguidor relevante), da óbvia presença do reggae e do ska às complexidades do jazz fusion (devidamente integradas aos monoblocos pop com que bombardearam as ondas de rádio!), de gravar na memória popular hits eternos e de registrar em disco estupendas performances instrumentais e vocais.
O Police é sócio do selecionadíssimo grupo de bandas que nos deixaram discografias perfeitas, sem faltas nem sobras, de forma que podemos nos dá ao luxo de escrever uma discografia comentada que é, ao mesmo tempo, 5 discos para conhecer a melhor banda da inglesa da virada dos anos 70 para os 80.
Com o fim da banda, Sting partiu para uma bem-sucedida carreira solo, com pelo menos dois discos antológicos, a estreia com The Dream of the Blue Turtles e o ao vivo Bring on the Night, ambos derivados para o soul jazz, Copeland enveredou pela carreira de trilheiro e pesquisador de ritmos ancestrais, enquanto Summers alternou incursões pela vanguarda musical, como nos discos com Robert Fripp e por projetos pop sem muita repercussão, inclusive um disco com a brasileira Fernanda Takai.
Se você não gostar, don’t stand so close to me!
Outlandos d’Amour [1978]
O disco de estreia recicla os dois singles que o antecederam, “Roxxane” e “Can’t Stand Losing You”. Desta vez, a triste história da prostituta Roxxane tem guarida no rádio e estoura como um sucesso maciço nos EUA. Mas o disco é muito mais do que isso. A abertura com o proto-punk Next to You, com seu inesquecível solo slide e a faixa meio reggae, meio country “So Lonely” garantem uma das aberturas mais empolgantes da história do disco. A sofrida “Hole in My Life”, de condução pesada e soturna, contrastando com o agudo da voz de Sting, é seguida de mais um número de tom punk, “Peanuts”. Outras faixas que merecem atenção são “Born in the 50’s”, uma espécie de “My Generation” para quem nasceu nos anos 50 e a massacrante “Masoko Tanga”, uma aventura instrumental, com vocais “étnicos” que definiria toda uma corrente musical dos anos 80 e deve ter sido ouvida exaustivamente por Herbert Viana. Curiosamente, a história de Roxxane foi vetada para execução na BBC, mas a trama sobre suicídio de “Can’t Stand Losing You”, não.
Reggatta de Blanc [1979]
Um dia, alguém (não lembro quem) comparou o riff de “Message in a Bottle”, que abre o segundo álbum do Police, ao de “(I Can’t Get No) Satifaction”, em termos de importância histórica. Na época, dei meu melhor riso de desprezo à opinião. Hoje, pensando bem, não sei não, viu? Mas para além do riff famoso, a faixa traz uma das conduções de baixo mais espetaculares já gravadas, tudo a serviço de uma melodia cativante e inesquecível. O disco parece refinar as ideias e inventos sonoros do disco de estreia. Não é ainda a consolidação do som do Police, mas abre a porteira para o que iria se estabelecer como marca registrada no LP seguinte. A faixa título mostra isso, assim como a antológica “Bring on the Night” (que guitarradas, meu amigo!) e um punhado de gemas do repertório, como a pérola de minimalismo e intensidade de “Walking on the Moon” e a contundente “Contact”.
Zenyattà Mondatta [1980]
Estabelecida como banda grande, o Police registra neste disco duas de suas faixas mais marcantes, motivo de amor, no caso de “Don’t Stand So Close to Me”, um dos números em que melhor se entrelaçam o melodismo virtuose de Sting e a espetacular cama instrumental provida por Copeland e Summers, e de ódio, com a inclusão da enjoativa, mas super popular “De Do Do Do, De Da Da Da”. Mas o álbum ousa por um caminho que marcarão os discos seguintes, a presença cada vez mais marcante do virtuosismo instrumental gravado sobre uma tela de sonoridades rarefeitas, plenas de silêncios, que Summers exercitaria nos álbuns que compartilhou alguns anos depois com Robert Fripp. Vá direto a “Driven to Tears”, “Voices Inside my Head” (um show de produção, com seus efeitos e câmaras de eco), “Behide my Camel” (Summers arrebentando, numa melodia jamesbondiana) ou ao reggae avant garde de “Shadows in the Rain”. Um Police com tudo pelo o que seria lembrado nas décadas seguintes!
Ghost in the Machine [1981]
O Police voltou ao estúdio em 1981 para gravar Ghost in the Machine, agora sob assistência do famoso produtor Hugh Padgham. As sessões foram filmadas para um programa de TV da BBC apresentado por Jools Hollandde onde se extraiu alguns clips, já com uma identidade visual que viria a marcar a banda. “Ghost in the Machine”, a faixa, tornou-se um hit imediato, alcançando o primeiro lugar no Reino Unido e o segundo nos EUA, mas nada que se comparasse ao hit de proporções eternas que foi “Every Little Thing She Does is Magic”. As duas faixas, com elementos progressivos e irresistível fluência pop, além de veicularem melodias muito inspiradas, formam uma das melhoras sequências de abertura de um LP de que se tem notícia. Mas o disco é uma usina de hits que são lindas canções: “Invisible Sun” (algo com jeitão dos primeiros discos do Pink Floyd, mas apontando para o futuro), “Demolition Man”, a fronteiriça rock-soul “To Much Information”, a ensolarada e politizada “One World (No Three)”, a pesada “Omegaman”, uma volta aos tempos quase punks, e a faixa de encerramento, “Darkness” que nos faz pensar, e muito, no King Crimson dos anos 80.
Synchronicity [1983]
Fico aqui pensando em quantas bandas encerraram seus trabalhos em nível tão alto! Só me vem à cabeça Abbey Road. Synchronicity é um prodígio. Alta elaboração instrumental em arranjos intrincados, cornucópia de sonoridades, execução nas nuvens e um rol de canções que poucos artistas reuniram em um só álbum. Se a primeira metade do disco é dedicado a faixas mais, vamos dizer, experimentais, com momentos de real estranhamento com a fusão de primitivismo rítmico (thanks, Mr. Copeland) e minimalismo eletrônico, nem tão evidente na faixa-título, mas predominante em “Walking in your Footsteps”. E depois da relativa volta ao chão em “O My God”, nos deparamos com “Mother”, uma “tour de force” experimental e, aí sim, fortemente aparentada com o coisas como Beat, do já lembrado King Crimson. Coisa de Summers, com certeza. Mas creia, você não sai da audição de “Mother” do jeito que entrou. A partir daí, o disco se dedica a nos esbofetear com uma sequência de hits antológicos que fazem deste disco o último e mais inesquecível da espetacular discografia: “Miss Gradenko” (uma espécie de transição entre os lados experimental e hit maker da banda), “Synchronicity II”, “Every Breath You Take”, “King of Pain”, “Wrapped Around your Finger”, “Tea in the Sahara”, para fechar com a bluesística “Murder by Numbers”. Se você não está convencido da ideia de ouvir a discografia da banda, ouça este!
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