Naquele começo de década de 1970, George Harrison (1943-2001) desfrutava de grande prestígio mundial. O ex-beatle vinha de uma aclamação pelo sucesso do seu álbum All Thing Must Pass, elogiado pela crítica e muito bem recebido pelo público. Harrison finalmente conseguiu mostrar que poderia ter o seu valor como artista e fugir da sombra de John Lennon e Paul McCartney nos Beatles.
Além de provar o seu valor como artista, Harrison mostrou também o seu valor como humanista ao lidera o projeto beneficente Concerto para Bangladesh, evento que reuniu em duas noites no Madison Square Garden, em agosto de 1971, em Nova York, alguns dos maiores astros da música como Bob Dylan, Ravi Shankar (1920-2012), Eric Clapton, Ringo Starr entre outros artistas que se apresentaram para um público total de 40 mil pessoas. A arrecadação foi destinada para ajudar as vítimas de um ciclone que devastou aquela região em 1970, matando mais meio milhão de pessoas e levando outras milhares de vítimas a passarem fome, a perderem suas casas com as inundações e a serem contaminadas por cólera. O concerto foi filmado, gravado e lançado como filme-documentário e como um álbum triplo.
O envolvimento de Harrison com a causa de Bangladesh deixou o artista afastado da carreira artística por cerca de dois anos desde o lançamento de All Thing Must Pass. Já estava na hora do cantor lançar um novo álbum. Em 30 de maio de 1973, era lançado Living In The Material World, um álbum simples, composto por 14 canções.
George Harrison e Bob Dylan em apresentação no Concerto para Bangladesh. |
Gravado entre outubro de 1972 e março de 1973, Harrison queria que o seu novo álbum tivesse uma produção mais discreta, “enxuta”, ao contrário de All Thing Must Pass, cuja produção musical foi mais robusta por causa do emprego da técnica do “wall of sound”, de Phil Spector (1939-2021), produtor daquele álbum triplo. Spector chegou a ser cogitado a ser o produtor do novo álbum, mas Harrison não só desistiu dessa opção por causa do que tinha em mente quanto à sonoridade do disco, como também quanto ao desentendimento do ex-beatle com Phil Spector muito por conta dos problemas do produtor com a bebida alcoólica.
Para as gravações de Living In The Material World, Harrison contou com o apoio de vários amigos como o seu ex-companheiro de Beatles, o baterista Ringo Starr, o pianista Nicky Hopkins, o baixista Klaus Voorman e o tecladista Gary Wright.
Três semanas antes do lançamento do álbum, era lançado o single de “Give Me Love (Give Me Peace On Earth)”. O single desbancou nada menos que “My Love”, de Paul McCartney & Wings, do 1° lugar na parada Billboard Hot 100, nos Estados Unidos. Foi o único momento em que dois singles de ex-Beatles ocuparam as duas primeiras colocações de uma parada de singles nos Estados Unidos.
Living In The Material World começa com “Give Me Love (Give Me Peace On Earth)”, canção que havia sido lançada antes do álbum como single. Principal faixa do álbum, “Give Me Love (Give Me Peace On Earth)” é uma canção que traz mensagens de amor e paz mundial em seus versos. Além de cantar os versos pacifistas, George Harrison faz os seus inconfundíveis solos de guitarra slide. “Sue Me, Sue You Blues” faz referência aos conflitos judiciais travados entre os ex-membros dos Beatles após a dissolução da banda, sobretudo os que envolveram George Harrison, John Lennon e Ringo Starr contra Paul McCartney.
Em “The Light That Has Lighted The World”, George Harrison expressa o seu incômodo com as acusações que vinha sofrendo e que afirmavam que ele havia mudado, que estava diferente do que ele era no auge dos Beatles. Por meio da canção, o cantor se defendia dizendo que as pessoas mudam, amadurecem. Além do mais, após ter abraçado a religiosidade hindu, Harrison passou a ter uma visão diferente da fama, a não ser um subordinado a ela. A canção possui é uma linda balada, mas que guarda uma melancolia nos voais de George Harrison. Destaque para a performance de Nicky Hopkins no piano.
Harrison escreveu a balada “Don’t Let Me Wait Too Long” quando sua vida passava por uma transformação. O cantor estava cada vez mais envolvido com a sua devoção à espiritualidade hindu e, ao mesmo tempo, o seu casamento com a modelo Patti Boyd estava em crise. Nos versos, Harrison se mostra como um homem apaixonado, que sofre e sente a falta da mulher que ama. “Don’t Let Me Wait Too Long” é a única faixa do disco produzida por Phil Spector, na qual foi empregada a técnica do “wall of sound”, com várias camadas de instrumentos, inclusive o uso de duas baterias.
O lado 1 do álbum termina com a faixa-título, uma canção em que George Harrison faz uma reflexão sobre a vida em uma sociedade consumista e materialista, e de como esses valorizar podem prejudicar a vida espiritual.
Foto interna da capa do álbum Living In The Material World. |
“The Lord Loves The One (That Loves The Lord)” abre o lado 2 de Living In The Material World, e é mais uma canção presente no álbum que traz uma mensagem espiritualista. Inspirada na filosofia hindu, esta canção tece uma crítica aos poderosos e aos materialistas, a pessoas que valorizam extremamente fama, poder e dinheiro em detrimento da espiritualidade. A balada folk “Be Here Now” ressalta a importância de se viver intensamente o tempo presente, o aqui e agora.
A faixa seguinte, “Try Some Buy Some”, foi composta por George Harrison, mas quem a gravou primeiro foi a cantora Ronnie Spector (1941-2009), ex-vocalista das Ronettes, em 1971, e somente dois anos depois, o ex-beatle gravou a sua versão. “Try Some Buy Some” é uma canção sobre o poder sedutor da fama e da riqueza. Os versos mostram como Harrison conseguiu superar as amarras do materialismo e da fama após entregar-se à espiritualidade.
“The Day The World Gets Round” nasceu da experiência de George Harrison com o projeto do Concerto de Bangladesh. Nos versos, Harrison se mostra esperançoso por um mundo melhor e mais solidário. No entanto, a letra traz outros versos dotados de uma crítica às lideranças políticas mundiais e às guerras que acabam arrastando milhões de inocentes para a fome e a morte.
O álbum chega ao seu final com o rock balada “That Is All”, que traz nos uma mensagem um tanto quanto dúbia nos seus versos, que tanto pode ser dirigida a uma mulher amada do eu lírico da canção como também a alguma divindade espiritual. A interpretação vocal de George Harrison é carregada de sentimento e melancolia nesta canção.
Lançado em 30 de maio de 1973, Living In The Material World chegou ao 1° lugar da parada de álbuns da Billboard, nos Estados Unidos, duas semanas depois de lançado, desbancando do topo da parada o álbum Red Rose Speedway, de Paul McCartney & Wings, lançado em abril daquele mesmo ano.
Assim como seu antecessor, All Thing Must Pass, primeiro álbum de Harrison após o fim dos Beatles, Living In The Material World foi um marco na carreira do ex-beatle ao se tornar um ponto de virada não apenas na carreira profissional do artista, mas também na sua vida pessoal. Living In The Material World foi um trabalho que ratificou a qualidade de Harrison como artista solo, podendo assim alçar voos mais longos e distanciar-se da sombra da antiga e antológica banda de rock que integrou.
Faixas
Todas as faixas compostas por George Harrison.
Lado 1
- "Give Me Love (Give Me Peace on Earth)"
- "Sue Me, Sue You Blues"
- "The Light That Has Lighted the World"
- "Don't Let Me Wait Too Long"
- "Who Can See It"
- "Living in the Material World"
Lado 2
- "The Lord Loves the One (That Loves the Lord)"
- "Be Here Now"
- "Try Some, Buy Some"
- "The Day the World Gets 'Round"
- "That Is All"
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