O Planet Hemp vinha do sucesso comercial e de crítica do seu primeiro álbum de estúdio, Usuário, lançado em 1995. A banda não chamava a atenção apenas pelo seu som, mas também pela causa que defendia: a legalização da maconha. O título do seu álbum de estreia e o conteúdo das letras de algumas canções como o hit “Legaliza Já”, deixavam muito claro o posicionamento da banda carioca. É evidente que isso causou polêmica. A Planet Hemp foi alvo de críticas pesadas de setores mais conservadores da sociedade que chegaram a criar um movimento para impedir as apresentações do Planet Hemp nas cidades em que a banda passava. Mesmo com toda essa confusão, protestos e ações judiciais, o primeiro álbum da Planet Hemp vendeu mais de 150 mil cópias.
No final de 1996, após terminar a turnê do álbum Usuário, a Planet Hemp entrou em estúdio para gravar o seu segundo álbum, que contou com a produção de Mário Caldato Jr., produtor brasileiro que tinha no currículo produção e mixagem de trabalhos de artistas consagrados no exterior como Beastie Boy, Björk, The Cult, Beck entre outros.
Intitulado Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára, o segundo álbum da Planet Hemp foi batizado com esse nome em resposta àqueles que achavam que a banda não resistiria aos processos judiciais e às prisões por defender a liberação da maconha. O título do álbum seria baseado num antigo provérbio árabe.
Assim como no álbum anterior, em Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára, a Planet Hemp prossegue com o seu discurso em defesa da liberação da maconha e toca em assuntos delicados como a violência policial e os problemas sociais vividos pelas camadas mais carentes da cidade do Rio de Janeiro. O álbum traz uma soma sonora de rock, rap, funk, hardcore, jazz, bossa-nova e samba.
“Zerovinteum” abre o álbum com colagens sonoras de trechos de “Veneno da Lata”, de Fernanda Abreu. Com um balanço funk cadenciado e irresistível, o título da música faz referência ao DDD (Discagem Direta à Distância) da cidade do Rio de Janeiro, onde a banda foi formada em 1993. A letra trata sobre as mazelas sociais da cidade do Rio de Janeiro: “Rio, cidade-desespero / A vida é boa mas só vive quem não tem medo / Olho aberto malandragem não tem dó / Rio de Janeiro, cidade hardcore / Arrastão na praia não tem problema algum / Chacina de menores é aqui 021”.
A provocativa “Queimando Tudo” é a faixa mais conhecida do álbum, e nela a Planet Hemp ratifica a sua defesa da ligação da maconha. “Hip Hop Rio” ressalta a diversidade musical do Rio de Janeiro e do Planet Hemp, e como a banda assume a sua identificação com aquela cidade apesar de todos os seus problemas sociais: “A cidade, eu tenho certeza, só tem gente bamba / Lugar de rock, reggae, hip hop e samba / Na minha bocada, mermão vacilão não cola / Rio de Janeiro, cidade maravilhosa / Não entendeu, te explico em um minuto / O novo estilo carioca invadindo o mundo”.
“Bossa”, como o próprio título diz, é inspirada na bossa nova e possui uma musicalidade bastante retrô. É uma faixa curtíssima, cerca de trinta segundos, está mais para uma vinheta doque para uma música propriamente dita. “100% Hardcore” é veloz e pesada, mostra a veia punk do Planet Hemp. Com um balanço dançante e envolvente, a faixa instrumental “Biruta” traz uma linha de baixo presente e um órgão com ares de anos 1970 “forrando” a base instrumental. “Mão Na Cabeça” é um misto de rock e rap, de andamento arrastado e pesado onde a Planet Hemp discorre nos seus versos a violência policial no Rio de Janeiro: “Mão na cabeça, assalto? Não, é a polícia / Mas dá no mesmo se você não tem um pingo de malícia / São pagos pra proteger, mas te tratam como ladrão / Quem é que vão proteger, então”.
“O Bicho Tá Pegando” guarda um parentesco com “Malandragem Dá Um Tempo”, samba de grande sucesso de Bezerra da Silva nos anos 1980 ao tratar do “dedo-duro”, o sujeito que entrega a malandragem para a polícia. Além do tema, a música do Planet toma emprestado alguns versos do samba gravado por Bezerra. No entanto, diferente do samba de Bezerra que tem humor e irreverência, a música do Planet Hemp é crua, agressiva e direta.
Planet Hemp, da direita para a esquerda: Formigão, Ricardo Crespo, Marcelo D2, Black Alien e Bacalhau. |
Na próxima faixa, o Planet Hemp surpreende o ouvinte com “Adoled”, que é na verdade uma versão veloz, pesada e insana de “The Ocean”, do Led Zeppelin. Para a versão em português, os membros da Planet Hemp adaptaram a letra para tratar da violência policial nas favelas cariocas. O hardcore “Sem Amigos” é um cover da banda Serial Killer, do Rio de Janeiro, e fala das falsas amizades, enquanto que “Paga Pau” alerta sobre o perigo de brigas por motivos banais terminar em tragédia.
Com participação do rapper Skunk (1967-1994), “Rappers Reais” é um recado de Marcelo D2 e seus companheiros de Planet Hemp aos fãs de rap que ouvem apenas rap americano, mas desprezam os artistas de rap brasileiro que retratam a dura realidade brasileira nas suas músicas. Composta nos anos 1940 por Rubens Soares e David Nasser, “Nega do Cabelo Duro” foi regravado pelos mais diversos artistas, desde o Bando da Lua a Emicida. O Planet Hemp fez uma versão samba-rock de “Nega do Cabelo Duro”, com direito a vocal cheio de malandragem imitando o saudoso Noriel Vilela (1936-1975).
“Hemp Family” é um tributo do Planet Hemp às bandas da cena musical brasileira daquele momento, cuja letra cita nomes de algumas delas como Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, The Funk Fuckers entre outras. O Planet Hemp volta a acelerar alucinadamente no hardcore “Quem Me Cobrou?”, mais uma faixa que tem a maconha como tema e traz versos em português e espanhol.
Fechando o disco, “Se Liga”, uma faixa que tem uma base rítmica lenta e que remete à capoeira sobre a qual Marcelo D2 faz o seu canto cheio de marra e autoconfiança. Curiosamente, assim que “Se Liga” termina, ouve-se o som de telefone tocando e alguém falando a frase: “Eu já disse que não quero você nesses lugares”. A partir daí começa uma música instrumental interessante que não aparece na lista de faixas do disco.
O lançamento de Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára foi sucedido por uma turnê que percorreu o Brasil, e contou com uma apresentação especial do Planet Hemp em conjunto com os Raimundos como atrações de abertura para os Beastie Boys e Cypress Hill no Metropolitan, no Rio de Janeiro, para um público estimado em sete mil pessoas.
Porém, nem tudo foi alegria após o lançamento de Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára. Em novembro de 1997, os integrantes do Planet Hemp voltaram a ter problemas com a Justiça ao serem presos após uma apresentação em Brasília. A prisão da banda motivou o protesto de fãs e de alguns artistas em apoio ao Planet Hemp. Toda a repercussão da prisão do Planet Hemp despertou setores da sociedade para a discussão sobre a despenalização dos consumidores de drogas leves como a maconha. Depois de cinco dias na cadeia, os membros do Planet Hemp foram libertados através de uma habeas corpus.
Faixas
01 - “Zerovinteum” (Marcelo D2/BNegão/Black Alien/Formiga) Participação: Fernanda Abreu
02 - “Queimando Tudo” (Marcelo D2/Black Alien/Zé Gonzalez)
03 - “Hip Hop Rio” (Marcelo D2/Rafael Crespo)
04 - “Bossa” (Marcelo D2/Rafael/Appolo/Formigão/Ronaldo Caldas)
05 - “100% Hardcore” (Marcelo D2/BNegão/Rafael)
06 - “Biruta” (Formigão)
07 - “Mão Na Cabeça” (Marcelo D2/Ulisses Cappelletti)
08 - “O Bicho Tá Pegando” (Marcelo D2/BNegão/Zé Gonzalez)
09 - “Adoled (The Ocean)” (Jimmy Page/Robert Plant/John Paul Jones/John Bonham/Vrs. Marcelo D2/Vrs. BNegão)
10 - “Seus Amigos” (Katinha/Fábio Barreto)
11 - “Paga Pau” (Marcelo D2/Marcelo Lobato)
12 - “Rappers Reais” (Marcelo D2/S. Kunk)
13 - “Nega do Cabelo Duro” (Rubens Soares/David Nasser)
14 - “Hemp Family” (Marcelo D2/Rafael/Zé Gonzalez)
15 - “Quem Me Cobrou?” (Marcelo D2/Rafael)
16 - “Se Liga” (Marcelo D2/Zé Gonzalez)
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