sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

“Pista Livre” (Deckdisc, 2005), Cachorro Grande

 


No começo dos anos 2000, uma nova geração do rock gaúcho chama a atenção da grande mídia musical brasileira. Não chegou a ter a mesma projeção e relevância como a geração do rock gaúcho dos anos 1980, que revelou Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, Os Replicantes, Garotos da Rua, TNT entre outras bandas da época. Mesmo assim, aquela nova geração trouxe bandas que ganharam alguma visibilidade nacional como Bidê ou Balde, Superguidis, Video Hits e Walverdes. Porém, daquela geração do rock gaúcho dos anos 2000, as bandas que alcançaram uma repercussão maior foram a Fresno, que virou um dos ícones do emocore brasileiro, e a banda Cachorro Grande, com seu som inspirado em Beatles e no rock de garagem dos anos 1960.

A história da Cachorro Grande começou em 1999, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, quando Beto Bruno (vocais), Marcelo Gross (guitarra), Jerônimo Bocudo (baixo), Pedro Pelotas (teclados) e Gabriel Azambuja (bateria) formaram a banda. No mesmo ano, o grupo fez os seus primeiros shows no circuito de rock alternativo de Porto Alegre, tocando covers de Beatles, The Who, Kinks e Rolling Stones.

Em 2001, a Cachorro Grande lançou o seu primeiro e homônimo álbum de estúdio pelo selo independente Stop Records. O álbum chegou a emplacar os dois primeiros hits do grupo, "Lunático" e "Sexperienced", mas teve um grande desempenho comercial. A banda gravou material para o seu segundo álbum de estúdio que seria lançado pela gravadora Universal. No entanto, a companhia rejeitou alegando que não era comercial. Mas através do apoio do cantor Lobão, o segundo álbum da Cachorro Grande, intitulado As Próximas Horas Serão Muito Boas, foi lançado e distribuído de forma independente através da revista Outra Coisa, publicação criada por Lobão e que era vendida em bandas de revista e jornais.

Apesar das adversidades pelas quais a banda passou, As Próximas Horas Serão Muito Boas emplacou dois dos primeiros sucessos da carreira da Cachorro Grande, “Hey, Amigo” e “Que Loucura”, que chamaram a atenção da gravadora Deckdisc que logo contratou a Cachorro Grande.

Em janeiro de 2005, o quinteto gaúcho entrou no estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, para gravar o seu terceiro álbum de estúdio, o Pista Livre. O disco contou com Rafael Ramos como produtor, que embora jovem, tinha uma quantidade razoável de álbuns produzidos no currículo como Admirável Chip Novo (2003), de Pitty, Kavookavala (2002), dos Raimundos, Managarroba (2002), de João Donato, entre outros álbuns. Todo o material gravado foi masterizado por Chris Blair, nos estúdios Abbey Road, em Londres, os mesmos onde os Beatles gravaram os seus discos. A escolha da gravadora em masterizar ao material e gravação de Pista Livre naqueles estúdios em Londres pegou de surpresa os membros da Cachorro Grande, pois os Beatles eram a grande influência da banda gaúcha.

Cachorro Grande, da esquerda para a direita: Marcelo Gross, Rodolfo Krieger,
Gabriel Azambuja, Beto Bruno e Pedro Pelotas. 

Enquanto seu terceiro álbum estava em processo de finalização, a banda Cachorro Grande participou em fevereiro de 2005 das gravações do programa especial da MTV Brasil, Acústico MTV-Bandas Gaúchas. Além da Cachorro Grande, participaram outras atrações gaúchas como as bandas Bidê Ou Balde, Ultramen e o cantor Wander Wildner (ex-Replicantes). O registro gravado ao vivo foi lançado em CD e DVD em junho de 2005.

Se os dois álbuns anteriores são calcados numa sonoridade mais crua, Pista Livre possui um som um pouco mais elaborado, polido e “palatável”. Ao longo do álbum, percebe-se influências do rock de garagem dos anos 1960 (Kinks, The Sonics), Beatles (safra 1965/1966) e o britpop dos anos 1960. O repertório traz uma combinação de canções leves e delicadas (“Sinceramente” e “Interligado”), rocks velozes e afiados (“Você Não Sabe O Que Perdeu” e “Agora Eu Tô Bem Louco”) e até pop rocks dançantes (“Velha Amiga” e “Desentoa”).

Pista Livre começa com “Você Não Sabe O Que Perdeu”, um rock vigoroso e irreverente, que segue bem o estilo do som de rock de garagem que consagrou a Cachorro Grande. “Agora Eu Tô Bem Louco” mantém o vigor da faixa anterior, traz um piano “martelado” e alucinante como se Jerry Lee Lewis (1935-2022) tivesse tomado o corpo do tecladista da banda. O vocal gritado de Beto Bruno conta com a participação especial e sutil de Lobão, que apenas berra a plenos pulmões a frase “E Agora, Porra!” várias vezes.

“Desentoa” é sobre aquele tipo de amigo chato e inconveniente: “Eu nunca sento do seu lado / Eu não aguento o seu papo / Você não parece comigo / E nem parece meu amigo. Para essa música, a banda fez um videoclipe inspirado no filme Hard Day’s Night, dos Beatles. A faixa seguinte, “Bom Brasileiro”, trata sobre o jeito de ser do povo brasileiro, que trabalha duro e que não perde a alegria e o bom humor, apesar das adversidades. “Longa-metragem” possui uma levada rítmica no início, depois segue para um caminho completamente diferente quando Beto Bruno começa a cantar versos que, nas entrelinhas, seria sobre alguém que parece se tratar de um assaltante de banco.

“Interligado” é a faixa mais elaborada do álbum e a mais destoante de todas as faixas, mas que ao mesmo tempo, não se mostra deslocada do disco como um todo. A canção é um pop barroco em que os vocais de Beto Bruno são acompanhados por um belo quarteto de cordas que remetem à fase psicodélica dos Beatles. O próprio vocalista chegou a dizer que “Interligado” seria a “Eleanor Rigby da Cachorro Grande”.

A influência dos Beatles prossegue em “Eu Pensei”, desta vez a fase do período de 1965 da banda inglesa, e contém versos curiosos como “Porque eu não sei quem vai partir / Também não sei quem vai fugir / Só sei que eu não quero mais saber”. Em “Novo Super-herói”, a Cachorro Grande trata sobre aquele tipo de banda ou cantor de rock que passa por sucessíveis mudanças visuais ao longo da carreira, muito mais para “surfar” nos modismos de cada época do que por uma proposta artística e estética. Chama a atenção a semelhança do riff de guitarra de “Novo Super-herói” com o riff de guitarra de “Desentoa”.

Beatles: referência importante na musicalidade da banda Cachorro Grande. 

O rock “Super-amigo” tem um piano hipnótico e inquieto, e uma guitarra, baixo e bateria que juntos, produzem um som que beira o hard rock. O clima fica mais calmo com a ótima balada “Sinceramente”, uma canção acessível, radiofônica e que guarda influências de britpop (sobretudo, Oasis) e de Beatles (safra 1968/1969) um dos maiores sucessos da banda Cachorro Grande. 

“Situação Dramática” é um pop rock bem ao estilo pop bubblegam dos anos 1960, com direito a teclados que produzem um som hipnótico e repetitivo que simulam o som de órgão Farfisa. Pista Livre chega ao fim com “Velha Amiga”, uma canção agradável, harmonização vocal simples, e um piano melódico que dá um toque especial a esta canção que trata sobre a vida de uma banda de rock na estrada, que percorre todo o país para apresentações.

Lançado em 15 de maio de 2005, Pista Livre foi bem recebido pelo público e pela crítica. “Você Não Sabe O Que Perdeu”, “Bom Brasileiro” e “Sinceramente” foram as faixas do álbum que alcançaram maior sucesso. Porém, em meio à boa receptividade de Pista Livre, em maio de 2005 Jerônimo Bocudo anunciou que estava deixando a Cachorro Grande. Jerônimo foi substituído por Rodolfo Krieger, ex-baixista da banda Efervecentes.

Cachorro Grande prosseguiu a sua existência firmando-se como uma das mais importantes bandas do rock brasileiro deste começo de século XXI. Em 2013, lançou Ao Vivo No Circo Voador, álbum gravado ao vivo no Circo Voador, no Rio de Janeiro. A banda alcançou o ápice da carreira em março de 2016, quando foi a atração abertura de um show dos Rolling Stones no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. A passagem da banda britânica pela capital gaúcha fazia parte da America Latina Olé Tour 2016.

Apesar da grande proeza da Cachorro Grande em abrir um concerto dos Rolling Stones, a situação dentro da banda era turbulenta. Os desentendimentos eram sucessivos, e o fim da banda era questão de tempo. Em maio de 2018, o guitarrista Marcelo Gross, um dos membros fundadores da Cachorro Grande, deixou a banda, e foi substituído por Gustavo X. No final de 2018, a banda anunciou uma turnê de despedida que ocorreu em 2019, ano em que a trajetória de 20 anos de carreira do grupo chegou ao fim.

Cachorro Grande: Beto Bruno (vocais), Marcelo Gross (guitarra e vocais de apoio), Pedro Pelotas (piano), Jerônimo Bocudo (baixo) e Gabriel Azambuja (bateria).

Faixas

1. “Você Não Sabe O Que Perdeu” (Beto Bruno)

2. “Agora Eu Tô Bem Louco” (Beto Bruno e Marcelo Gross)

3. “Desentoa” (Beto Bruno e Gabriel Azambuja)

4. “Bom Brasileiro” (Beto Bruno)

5. “Longa-Metragem” (Beto Bruno)

6. “Interligado” (Beto Bruno)

7. “Eu Pensei” (Beto Bruno e Marcelo Gross)

8. “Novo Super-Herói” (Beto Bruno e Marcelo Gross)

9. “Super Amigo” (Beto Bruno e Marcelo Gross)

10. “Sinceramente” (Beto Bruno)

11. “Situação Dramática” (Beto Bruno)

12. “Velha Amiga” (Beto Bruno e Marcelo Gross)

  

“Você Não Sabe O Que Perdeu” 
(vídeoclipe original)

“Agora Eu Tô Bem Louco”

“Desentoa” (videoclipe original)

“Bom Brasileiro” (videoclipe original)

“Longa-Metragem”

“Interligado”

“Eu Pensei”

“Novo Super-Herói”

“Super Amigo”

“Sinceramente”
(videoclipe original)

“Situação Dramática”

“Velha Amiga”


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