terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Santana – Santana (1969)

 

O disco de estreia de Santana é um caldeirão fervilhante feito de rock, ritmos latinos, improviso e psicadelismo.

Antes de se tornar um ícone de vendas nos anos 90 e 2000 e, admita-se, um símbolo da guitarra eléctrica algo azeiteira misturada com latinadas, Carlos Santana já era uma figura de proa do rock, desde o finalzinho dos anos 60. Quem só apanhou o Santana da fase pop-rock-latino superstar nem suspeita o que se esconde lá para trás, e que ele foi uma das figuras que ajudou a moldar o som psicadélico do rock americano dos anos 60 e 70.

As origens de Carlos Santana estão no México do seu nascimento, e do seu pai, um músico mariachi, que fez questão de que os filhos aprendessem música desde tenra idade. Quando a família se muda para a Califórnia, o jovem Carlos encontrou-se inadvertidamente no centro do que viria a ser o domínio do rock dessa década. Os seus dotes na guitarra eléctrica cedo chamaram a atenção, e em 1966 é formada a Santana Blues Band, que mudaria para simplesmente Santana dois anos depois, assinando contrato com a editora Columbia.

“Acho que nós não sabíamos bem o que estávamos a fazer, e graças a deus que não sabíamos. Isso deu uma energia e uma inocência ao disco que é uma das suas forças”, afirmou recentemente o guitarrista, num podcast dedicado aos 50 anos do álbum de estreia. A banda entrou em estúdio em Janeiro de 1969, mas as sessões iniciais com o produtor escolhido pela Columbia não estavam a ser do agrado do grupo. Segundo Santana, os músicos podiam ser inexperientes em matéria de gravação, mas sabiam a energia que geravam em palco, e isso estava ausente do material gravado, demasiado polido e unidimensional. Mesmo sendo uma banda novata, exigiram à Columbia escolher o seu próprio produtor, e encontraram-no no também inexperiente Brent Dangerfield. O mérito deste era simples: não tinha ideias pré-concebidas e dava espaço à banda para fazer o que sabia fazer melhor. Dangerfield viria a repartir os créditos de produção com Santana.

O disco de estreia de Santana, homónimo, viria na prática a ser gravado em Maio e editado no final de Agosto. Graças à sugestão musculada do empresário Bill Graham, Santana foi uma das bandas escolhidas para o alinhamento de Woodstock, que decorreu de 15 a 18 de Agosto, ainda o disco não tinha chegado às lojas. Ou seja, nesse festival na costa Este dos Estados Unidos da América, praticamente ninguém conhecia Santana, nem ao vivo nem de discos. Isso não impediu uma prestação incendiária e lendária, que catapultou os rapazes para a fama imediata e fez o disco de estreia, editado logo de seguida, atingir a quarta posição nos discos mais vendidos dos EUA.

Ouvindo agora Santana, conseguimos entender a excitação. É um caldeirão fervilhante de ideias, comandado de forma dominante pelo espírito de jam session que era a especialidade do conjunto. Mesmo em disco, dividido direitinho em faixas, o espírito é de busca e de improvisação. Mike Carabello (congas e percussões), Dave Brown (baixo), José Chepito Areas (percussões), Michael Shrieve (bateria), Greg Rollie (piano, órgão e voz) e Carlos Santana (guitarra e voz) construíram um trabalho efectivamente colectivo, em que todos contribuem, muitas vezes ao mesmo tempo, para a orgia musical que podemos escutar.

Apesar de trazer o seu nome e de ser sua a co-produção, Carlos Santana não é avassalador neste disco, não tem a tentação de passar por cima dos outros músicos. Aliás, a sua sombra é tão grande como a de Greg Rollie, cujos teclados marcam tanto o som deste álbum de estreia como a guitarra de Santana. O resultado final é um grande disco de rock, ponto final. Com uma guitarra eléctrica endiabrada e enfeitiçada, ritmos latinos e africanos e uma generosa dose de psicadelismo. Na verdade, da fantástica música que se fazia então nos EUA, em qualidade e quantidade, nada soava exactamente a isto.

Surfando a onda do sucesso, os músicos – que viviam todos juntos – foram escolhidos para o festival gratuito Altamont Speedway Free Festival, que cumpre agora 50 anos e era a resposta da costa Oeste ao enorme sucesso de Woodstock, na costa oposta. O festival – que além de Santana contava com um alinhamento de Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers, The Grateful Dead (que se recusaram a tocar quando viram a confusão na plateia), Crosby, Stills, Nash & Young e Rolling Stones – tornou-se lendário pelos piores motivos, com a violência que se gerou a marcar simbolicamente o fim dos pacifistas anos 60. Coube aos Santana abrir o evento, com um set que inclui alguns dos temas do seu disco de estreia. Quando abandonaram o palco, as coisas ainda não se tinham descontrolado, com a multidão a responder bem a um concerto já mais maduro que em Woodstock, mas mantendo toda a energia e inocência que era uma das forças do grupo.

50 anos depois, Santana – que em 2012 figurou nos 500 melhores discos de sempre escolhidos pela Rolling Stone, na posição 149 – está aí para ser novamente desfrutado, uma máquina do tempo para uma era de rock febril e urgente.



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