terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Madvillain – Madvillainy (2004)


 

Lançado em 2004, Madvillainy é um milagre, não só pela sua génese precária, mas também pela magnitude da sua influência no hip-hop alternativo

A história de como Madvillainy veio ao mundo é quase tão interessante como o disco. Depois de se ter reinventado como o super-vilão absoluto do hip-hop, Daniel Dumile, alter ego de MF DOOM (“Just remember ALL CAPS when you spell the man name”), começou o seu plano para dominar o planeta Terra e usou a sua lírica cáustica como arma, deixando as suas impressões digitais em Operation Doomsday em 1997. Por sua vez, Madlib, o menino prodígio da editora californiana Stones Throw (que já tinha alcançado algum sucesso com The Unseen) afirmou numa entrevista que desejava trabalhar com MC. As sementes foram lançadas quando uma beat tape de Madlib foi parar às mãos de DOOM, que quis trabalhar imediatamente com o produtor de Oxnard, começando assim a sua colaboração maquiavélica.

Segundo testemunhos de ambos os intervenientes, a produção foi feita de forma alternada. Enquanto DOOM dormia, Madlib produzia beats a uma velocidade tão frenética como o seu consumo de cannabis. Quando adormecia no sofá do estúdio, o vilão acordava e gravava os seus versos. O desfasamento dos fusos horários alinhava-se ocasionalmente e ambos passavam o tempo a ouvir beats ou a consumir cogumelos mágicos. Nem tudo foi idílico no entanto. Numa fatídica viagem ao Brasil, na qual vários instrumentais para o disco foram criados, um CD contendo demos das canções foi roubado e foi logo parar à internet. O leak obrigou os músicos a abandonarem o álbum e a focarem-se noutros projetos (DOOM gravou Take Me to Your Leader e Madlib colaborou finalmente com o seu irmão musical, J Dilla, em Champion Sound).

É um pequeno milagre (ou um testemunho do talento destes dois titãs) que, no meio deste turbilhão de contratempos e projetos paralelos, pudesse surgir um disco tão singular. É, sem dúvida, o disco mais citável de DOOM (linhas como “Got more soul than a sock with a hole” foram desenhadas para ficarem para sempre na memória de quem as ouve) e talvez o mais esquizofrénico de Madlib. Desde Zappa, a pianos desafinados, passando pelo jazz de fusão que forma a sua matéria prima, o alquimista esculpe beats tão minimalistas que poderiam ser facilmente replicados por um leigo. “Figaro”, por exemplo, é exclusivamente constituída por uma linha de baixo, atingindo a perfeição na sua simplicidade. E o que se pode dizer de “Accordion”, cuja melodia romântica contrasta com a performance ácida de DOOM?

O álbum acabou por ser vítima da sua própria qualidade. Apesar de um disco de remisturas ter sido lançado quatro anos mais tarde, e de uma música nova ter surgido há uns anos, ainda não vimos uma verdadeira sequela apesar dos seus dois intervenientes continuarem a produzir ao ritmo a que nos habituaram. De qualquer modo, Madvillainy continua a ser um monumento do hip-hop alternativo que continuará a influenciar gerações de produtores e MCs enquanto existirem samplers e microfones.



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