Qual é o seu disco favorito de 2023? Em um esforço de selecionar e apresentar alguns dos melhores lançamentos deste ano, trago uma seleção com 50 obras essenciais que movimentaram a cena internacional ao longo dos últimos meses. São trabalhos que vão do pop à música eletrônica, do experimentalismo ao rock em uma criativa combinação de estilos e diferentes realizadores. Do inesperado retorno de veteranos como André 3000 e ANOHNI, passando pelo surgimento de novatos como Nourshed By Time e Model/Actriz, sobram registros de enorme valor artístico e boas composições.
#50. Troye Sivan
Something To Give Each Other (2023, Capitol / EMI)
O sorriso genuíno estampado na imagem de capa de Something To Give Each Other, terceiro e mais recente trabalho de estúdio de Troye Sivan, sintetiza de forma eficiente tudo aquilo que o sul-africano naturalizado australiano busca desenvolver ao longo do álbum. Longe do repertório soturno que marca o antecessor Bloom (2018), o artista se aventura agora na construção de um registro marcado pela celebração. São composições que passeiam pelas pistas em busca de sexo e detalham as aventuras românticas vividas por Sivan em um exercício criativo tão particular quanto íntimo do próprio ouvinte. “Você faz meu batimento cardíaco acelerar / Meu corpo está em chamas / Eu sinto a agitação / Viciado em seu toque“, confessa em Rush. Escolhida como música de abertura, a faixa não apenas destaca a força das batidas que instantaneamente arremessam o ouvinte para dentro do disco, como sustenta na construção dos versos parte dos temas e desejos que movem o trabalho. É como um delicioso exercício de libertação que ainda serve de passagem para um ambiente perfumado pelo cheiro de poppers, luzes estroboscópicas e pequenos excessos que ampliam tudo aquilo que o cantor havia testado em estúdio no registro anterior. Leia o texto completo.
#49. Purelink
Signs (2023, Peak Oil)
Purelink é um trio de Chicago, Illinois, formado pelos produtores Tommy Paslaski, Ben Paulson e Akeem Asani. Desde 2020, quando o projeto ganhou vida, o grupo tem se encontrado com relativa frequência, buscando contribuir criativamente e alcançar um resultado diferente daquilo que cada membro poderia desenvolver de forma solitária. Desse contato, vieram registros como o ainda recente Puredub (2022), apresentado no último ano, além de uma série de outros lançamentos menores. Pequenos ensaios para o que se materializa de forma ainda mais interessante e detalhista no atmosférico Signs. Segundo e mais recente trabalho de estúdio do trio, o registro de seis faixas parece ter alcançado um ponto de equilíbrio entre o minimalismo da música ambiente, as texturas do dub e as batidas do techno em sua forma mais reducionista. Instantes em que o grupo combina a essência de veteranos como Oval, Pole, Jan Jelinek e Gas, porém, preservando a própria identidade criativa. Música de abertura do disco, In Circuits funciona como uma boa representação desse resultado. Pouco mais de cinco minutos em que bases sutis, ruídos e pequenas sobreposições sintéticas são incorporadas de forma a envolver e ambientar o ouvinte. Leia o texto completo.
#48. Mandy, Indiana
I’ve Seen a Way (2023, Fire Talk)
Por mais serena e convidativa que possa parecer a imagem de capa de I’ve Seen a Way, o que se esconde por trás do primeiro álbum de estúdio do grupo Mandy, Indiana é bem diferente do esperado. Formado por Valentine Caulfield (voz), Scott Fair (voz), Simon Catling (sintetizador) e Alex MacDougall (bateria),a banda original da cidade de Manchester, na Inglaterra, parece seguir a trilha de outros nomes importantes da cena local. São composições inspiradas pela herança industrial da região, como uma sobreposição de ruídos metálicos, vozes abafadas e pequenos atravessamentos de informações. A diferença em relação a outras obras do gênero, sempre marcadas pela urgência de suas criações, está na forma como o quarteto se organiza e atua em uma medida própria de tempo. Com Love Theme (4K VHS) como faixa de abertura, o grupo mergulha na formação de sintetizadores cósmicos que convidam o ouvinte a flutuar. É como um respiro antes da inserção das batidas, fragmentos e estruturas ruidosas que invadem a canção seguinte, Drag [Crashed], música que evoca Nine Inch Nails, porém, assume novo tratamento na inserção de versos cantados em francês e temas ritualísticos que ampliam o campo de atuação da banda. Leia o texto completo.
#47. Blue Lake
Sun Arcs (2023, Tonal Union)
Em Sun Arcs, a música de Jason Dungan parece pensada de forma a transportar o ouvinte. Mais recente trabalho de estúdio do compositor estadunidense que há anos reside na região de Copenhagen, na Dinamarca, o registro apresentado sob a alcunha de Blue Lake destaca a capacidade do músico em brincar com as emoções e conduzir nossas experiência por meio da fluidez dos arranjos. São composições que começam pequenas, ganham forma aos poucos e estabelecem no encontro entre o jazz, o uso de temas atmosféricos e o cancioneiro norte-americano um precioso componente de estímulo criativo. De atmosfera matutina, como um novo dia que se inicia, Sun Arcs apresenta parte dos elementos que serão incorporados pelo artista logo na introdutória Dallas. Partindo de um dedilhado tímido, a composição aos poucos se permite adornar pelo uso calculado das batidas, instrumentos de sopro e arranjos de cordas sempre discretos, posicionando o violão em primeiro plano. É como se Dungan, que já acumula uma série de outros registros marcados pelo mesmo refinamento, como Moving (2020) e o ainda recente Stikling (2022), partisse do de uma abordagem bastante similar ao trabalho de compositores como William Tyler e Fabiano do Nascimento, porém, de forma ainda mais delicada e totalmente imersiva, envolvendo o ouvinte. Leia o texto completo.
#46. Sampha
Lahai (2023, Young)
Seis longos anos se passaram desde que Sampha deu vida ao último trabalho de estúdio, Process (2017). Entretanto, o cantor, compositor e produtor britânico nunca pareceu pressionado por isso. Do momento em que foi revelado ao público, em colaborações com Jessie Ware e SBTRKT no começo da década passada, até apresentar oficialmente o primeiro registro autoral, o instrumentista levou ainda mais tempo do que isso. Como indicado no título da obra que revelou faixas como Blood On Me e (No One Knows Me) Like the Piano, o artista inglês é um homem muito mais interessado pelo processo do que pelo resultado final em si. Essa ausência de pressa e olhar sempre atento às possibilidades em estúdio fica ainda mais evidente com a chegada de Lahai. Segundo e mais recente álbum de estúdio do artista, o registro não apenas segue em uma medida própria de tempo, como estabelece na fragmentação instrumental e rítmica de cada composição um curioso direcionamento criativo. Longe da linearidade imposta pela indústria, Sampha se concentra nos instantes. São retalhos de vozes, bases detalhistas e batidas que se entrelaçam de maneira sempre inexata, como se partilhassem do mesmo R&B torto de nomes como Blood Orange e Frank Ocean. Leia o texto completo.
#45. Feist
Multitudes (2023, Interscope / Polydor)
Multitudes é exatamente o tipo de obra que você poderia esperar de Feist. Do momento em que tem início, na já conhecida In Lightning, todos os elementos que fizeram da cantora e compositora canadense um dos nomes mais importantes das últimas duas décadas são prontamente apresentados ao ouvinte. Do uso instrumental das vozes, sempre impecáveis, passando pela percussão que surge e desaparece durante toda a execução do material, ocupando os pequenos bolsões de silêncio que crescem em momentos estratégicos, cada fragmento parece cuidadosamente planejado pela musicista. Entretanto, longe de esbarrar em um resultado previsível, tamanho esmero e uso sempre calculado das informações garante ao público um material que surpreende durante toda sua execução. Primeiro trabalho de estúdio da artista norte-americana desde Pleasure (2017), Multitudes preserva muito da sonoridade que tem sido incorporada pela cantora desde o introdutório Monarch (Lay Your Jewelled Head Down) (1999), porém, sustenta na construção dos versos seu principal componente de transformação. É como uma manifestação das diferentes personalidades, traumas e histórias que habitam o interior de cada indivíduo. Leia o texto completo.
#44. Jessy Lanza
Love Hallucination (2023, Hyperdub)
Love Hallucination é um verdadeiro sopro de frescor dentro da obra de Jessy Lanza. Mesmo que estruturalmente arquitetado em uma combinação de batidas eletrônicas e sintetizadores cuidadosamente encaixados, conceito que tem sido explorado desde o introdutório Pull My Hair Back (2013), o sucessor do pandêmico All The Time (2020) evidencia o esforço da produtora em buscar por novas temáticas e direções criativas. É como uma representação poética das transformações vividas pela artista desde que deixou a cidade de Hamilton, no Canadá, e mudou-se para Los Angeles, na Califórnia. Não por acaso, grande parte das composições reforçam a sensação de movimento, passeiam em meio a paisagens descritivas e rompem com a inércia do registro anterior de forma a transportar o ouvinte para um mundo de novas descobertas e relações românticas. “Sim, vou longe demais / Eu cruzo a linha / Eu empurro um pouco mais / Chegando, rindo nos meus lábios“, confessa em Casino Niagra, música em que sintetiza parte dessas experiências de forma bastante sensível, como a passagem para um território particular da produtora, sempre intimista, mas que a todo momento busca estreitar laços com o ouvinte. Leia o texto completo.
#43. Jess Williamson
Time Ain’t Accidental (2023, Mexican Summer)
Enquanto Jess Williamson sorri, o céu parece prestes a desabar na fotografia que ilustra a imagem de capa de Time Ain’t Accidental. É partindo justamente desse direcionamento conflitante que a cantora e compositora norte-americana abre passagem para o quinto e mais recente trabalho de estúdio da carreira. Um espaço conceitual em que sonhos e desilusões se misturam a todo instante, estrutura testada durante a apresentação do colaborativo I Walked With You a Ways (2022), parceria com Waxahatchee, no paralelo Plains, mas que alcança melhor resultado no presente disco. Produzido em parceria com o experiente Brad Cook, artista que já colaborou com nomes como Bon Iver e Snail Mail, Time Ain’t Accidental diz a que veio logo nos minutos iniciais da autointitulada composição de abertura. “Conheci você por um tempo, mas você era o amor de outra pessoa / Quando a chuva começou, nós demos uma volta, eu tinha um carro alugado / Rasgado com o tempo, mas o tempo não é acidental“, canta Williamson, destacando a temática dos encontros e desencontros que abastece o disco. Um misto de dor e libertação, dualidade que embala a experiência do ouvinte até os minutos finais do trabalho. Leia o texto completo.
#42. Water From Your Eyes
Everyone’s Crushed (2023, Matador)
Se existe um registro capaz de romper com o conhecido hermetismo do Water From Your Eyes, esse é Everyone’s Crushed. Mais recente trabalho de estúdio da dupla formada por Rachel Brown e Nate Amos, o álbum de nove composições preserva a essência provocativa dos discos que o antecedem, como Somebody Else’s Song (2019) e Structure (2021), porém, utiliza de uma abordagem parcialmente acessível, como um estranho convite da banda estadunidense a se perder em um território marcado pela permanente corrupção das ideias, uso sempre calculado das guitarras e versos altamente confessionais. Não por acaso, em fevereiro deste ano, quando a dupla anunciou o lançamento do trabalho, Barley foi a canção escolhida para marcar essa nova fase na carreira da banda. Enquanto os versos, sempre regidos pela sensação de movimento, detalham paisagens e cenas descritivas de forma cíclica, guitarras tortas surgem e desaparecem durante toda a execução da faixa. É como um aceno momentâneo para a obra de veteranos como Sonic Youth, mas que em nenhum momento perde o brilho pop, efeito do jogo de palavras que parecem projetadas de forma a grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição da faixa. Leia o texto completo.
#41. Noname
Sundial (2023, Independente)
Na contramão de parte expressiva da indústria da música, porém, intimamente conectada à ela, Noname busca discutir em Sundial os diferentes aspectos sobre o que é fazer arte em uma sociedade capitalista. Sequência ao material apresentado em Room 25 (2018), o trabalho se aprofunda na mente e nas inquietações da norte-americana na mesma medida em que pinta um retrato sobre o modelo de consumo e o esvaziamento cultural estimulado pelos próprios artistas. Um exercício crítico que aponta dedos para os mais variados personagens, mas que em nenhum momento exclui a rapper desse processo. Exemplo disso fica bastante evidente dentro da provocativa Namesake, composição em que não apenas destaca o flow inconfundível da rapper, como sintetiza parte dos temas que serão explorados ao longo do trabalho e ainda trata de figurões como Kendrick Lamar, Beyoncé, Rihanna e Jay-Z como contribuintes para os males gerados pelo capitalismo. “Vá , Kendrick, vá / Veja o avião de caça voar alto / A máquina de guerra fica glamourizada / Nós jogamos o jogo para passar o tempo“, rima. Nada que pareça isentar a artista, como ela mesma acaba disparando minutos à frente: “Vá, Noname, vá / O palco do Coachella foi higienizado / Eu disse que não iria me apresentar para eles / E de alguma forma eu ainda entrei na linha“. Leia o texto completo.
#40. PJ Harvey
I Inside the Old Year Dying (2023, Partisan)
Uma vez que você adentra o ambiente enigmático apresentado por PJ Harvey em I Inside the Old Year Dying, difícil querer sair. Livre da urgência que marca os trabalhos mais conhecidos e talvez imediatos da cantora e compositora britânica, como Rid of Me (1993) e Stories from the City, Stories from the Sea (2000), o registro produzido em parceria com Flood e John Parish, com quem a artista tem colaborado desde a década de 1990, segue uma trilha bastante particular. São canções que avançam em uma medida própria de tempo, fazendo da atmosfera misteriosa um precioso atrativo para o ouvinte. Próximo e ao mesmo tempo distante de outros trabalhos que refletem o lado contemplativo de Harvey, como White Chalk (2007) e A Woman a Man Walked By (2009), esse último, assinado em parceria com Parish, I Inside the Old Year Dying utiliza de uma abordagem singular, talvez única, dentro da extensa discografia da cantora. Seja pela escolha em investir na construção de um repertório marcado pelo reducionismo dos elementos, ou pelo hermetismo dado aos versos, cada fragmento do registro de doze composições parece pensado para ser desvendado pelo ouvinte. E as “pistas” estão por todas as partes. Leia o texto completo.
#39. Victoria Monét
Jaguar II (2023, RCA)
Mesmo em um cenário sempre movimentado como o do R&B norte-americano, o som de Victoria Monét se destaca sem grandes dificuldades. Conhecida pela série de composições produzidas para grandes figurões da indústria da música, como Ariana Grande e Chloe x Halle, a artista regressa agora com o que talvez seja sua maior criação, Jaguar II. Sequência ao material entregue no primeiro capítulo da série, iniciada há três anos, o registro não apenas reforça o trabalho de Monét como uma das personagens mais relevantes da cena estadunidense, como oferece ao gênero um amplo catálogo de novas possibilidades. Com produção caprichadíssima do nova-iorquino D’Mile, com quem Monét havia colaborado no disco anterior, Jaguar II parece pensado para seduzir não apenas a nova geração que foi embalada por nomes como Tinashe, Kehlani e SZA, mas principalmente aficionados pela música negra produzida entre os anos 1970, 1980 e 1990. Do momento em que tem início, na já conhecida Smoke, parceria com Lucky Daye, fica bastante evidente o refinamento dado aos arranjos, batidas e bases, como um aceno da cantora para a obra de veteranos como D’Angelo e Erykah Badu, mas que em nenhum momento corrompe a própria essência. Leia o texto completo.
#38. MIKE
Burning Desire (2023, 10k)
Burning Desire, como tudo aquilo que tem sido revelado por MIKE nos últimos meses, nasce como um produto da mente inquieta do rapper de Nova Jersey, se projeta de maneira totalmente incerta, mas em nenhum momento deixa de encantar o ouvinte. São diferentes estudos transformados em obras que se aprofundam em crises existenciais, reflexões sobre o núcleo familiar do próprio artista e questões raciais que vão de análises historiográficas ao presente cenário de forma provocativa. Composições que partilham de uma abordagem bastante característica, porém, liricamente livres de possíveis repetições. Sequência ao material entregue no ainda recente Faith Is a Rock (2023), trabalho assinado em parceria com Wiki e The Alchemist, e primeiro lançamento em carreira solo desde Beware of the Monkey (2022), o registro de 24 composições, todas bastante curtas, evidencia uma transformação na postura de MIKE. Ainda que a voz murmurante e monocórdica se faça evidente durante toda a execução do material, o que se percebe é uma maior imposição do artista que deixa de lado a atmosfera soturna de algumas de suas principais obras, como May God Bless Your Hustle (2017) e Disco! (2021), para trilhar um novo percurso. Leia o texto completo.
#37. Liv.e
Girl In The Half Pearl (2023, In Real Life)
Como muitas das obras lançadas durante o período pandêmico, Couldn’t Wait to Tell You (2020), estreia da cantora e compositora norte-americana Hailee Olivia Williams, a Liv.e, é um registro que acabou passando despercebido por muita gente. Embora mereça uma audição minuciosa e tenha servido para atrair a atenção de nomes como Mount Kimbie e Piink Sifu, com quem veio colaborar posteriormente, você não regressar ao trabalho que revelou faixas como You the One Fish in the Sea e She’s My Brand New Crush para ser atraído pelo repertório de Girl In The Half Pearl, mais novo álbum da artista. Marcado pela fragmentação dos elementos, o sucessor de Couldn’t Wait to Tell You destaca o caráter exploratório da artista estadunidense. São canções que partem de uma abordagem bastante próxima do R&B tradicional, porém, destacam o uso de batidas tortas, vozes sempre carregadas de efeitos e bases irregulares que mudam de direção a todo instante. Contudo, para além do experimentalismo evidente, dialogando com as criações de artistas como KeiyaA e Yaya Bey, Liv.e encanta pela vulnerabilidade dos temas e versos confessionais que orientam a experiência do ouvinte até os minutos finais do registro. Leia o texto completo.
#36. Lonnie Holley
Oh Me Oh My (2023, Jagjaguwar)
Multiartista e educador conhecido pelas esculturas concebidas a partir de entulhos e objetos encontrados pelas ruas, Lonnie Holley tem investido fortemente na carreira musical desde o início da década passada. Com o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, Just Before Music (2012), e consequente contrato com a Jagjaguwar, por onde lançou o excelente MITH (2018), o poeta nascido em 1950, durante o período de forte segregação racial nos Estados Unidos, encontrou em memórias empoeiradas da infância e reflexões sobre a sociedade norte-americana um precioso e necessário componente de estímulo para as próprias criações. Vem justamente desse olhar melancólico para o próprio passado o estímulo para sua maior obra, Oh Me Oh My. Brilhantemente produzido e arranjado por Jacknife Lee (U2, R.E.M.), que assume parte expressiva dos instrumentos, o trabalho de onze faixas funciona como um passeio pela história recente dos Estados Unidos, se aprofunda em questões raciais e trata de temas ambientais, mas, acima de tudo, busca exorcizar os demônios e encontrar as raízes dos traumas mais profundos de Holley. Canções que oscilam entre a dor e a libertação, como um exercício autobiográfico que destaca a força dos versos. Leia o texto completo.
#35. Kara Jackson
Why Does the Earth Give Us People to Love? (2023, Setember)
A pergunta levantada por Kara Jackson no título do primeiro trabalho de estúdio da carreira serve para entendermos um pouco sobre o universo sentimental desbravado em estúdio pela artista. “Por que a Terra nos dá pessoas para amar?“, questiona a cantora e compositora que, há quatro anos, foi laureada como Poeta Nacional da Juventude dos Estados Unidos. Partindo dessa abordagem exploratória, como um mergulho na própria mente, traumas, dores e inquietações, Jackson discute diferentes aspectos da nossa sociedade e tensiona as relações humanas de forma a garantir um repertório essencialmente provocativo. “Quando você está afundando na lagoa de alguém / Como uma colher se afoga em um ensopado / Que tipo de refeição eles estão fazendo de você?“, pergunta em Dickhead Blues, música em que parte de uma mensagem de áudio para refletir sobre a própria identidade e a pressão exercida diariamente sobre as mulheres, principalmente figuras negras. “Eu não sou tão inútil quanto eu pensava / Eu estou no topo“, aceita minutos à frente, como se a mesma mente que indaga é a que fornece respostas. Canções que oscilam entre momentos de dor e libertação, estímulo para o desenvolvimento e maior fluidez do material. Leia o texto completo.
#34. Jamila Woods
Water Made Us (2023, Jagjaguwar)
A imagem de Jamila Woods encontrando a si mesma embaixo d’água funciona como boa representação de tudo aquilo que a cantora e compositora norte-americana busca desenvolver no fino repertório de Water Made Us. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio da artista, o registro produzido em parceria com Chris McClenney deixa de lado o universo referencial explorado no antecessor Legacy! Legacy! (2019) para se aprofundar na alma e nas experiências pessoais da musicista. É como um delicado exercício de exposição sentimental que faz de Woods o principal componente criativo da própria obra. Entretanto, para além de uma abordagem egoica, Water Made Us se revela ao público como o produto final de um longo processo de autorreflexão vivido pela artista. Trancada dentro de casa durante a pandemia de Covid-19, Woods decidiu resgatar antigas memórias, tormentos e recordações empoeiradas de forma a ressignificar velhas percepções. O resultado desse processo está entrega do que a própria cantora define como sua “obra de arte mais pessoal e vulnerável“. São canções que começam pequenas, ganham forma aos poucos e crescem em uma medida própria de tempo, destacando a sensibilidade explícita nos versos. Leia o texto completo.
#33. Alan Palomo
World of Hassle (2023, Mom+Pop)
O saxofone cafajeste que invade a introdutória The Wailing Mall, canção de abertura em World of Hassle, ajuda a entender o conceito explorado por Alan Palomo no primeiro trabalho em carreira solo. Longe de sua principal identidade criativa, Neon Indian, porém, ainda conectado com a música produzida na década de 1980, o cantor, compositor e produtor norte-americano aponta para o passado em um exercício tão caricatural quanto musicalmente provocativo. É como se o artista de ascendência mexicana emulasse a transição vivida por diferentes músicos que deixaram suas antigas bandas em busca de um repertório “adulto”, tratamento que vai da cômica imagem de capa aos versos. Hábil artesão na manufatura de faixas altamente nostálgicas, Palomo passeia em meio a sintetizadores coloridos e linhas de baixo sempre suculentas, evidenciando o mesmo capricho e refinamento técnico explícito nos antigos trabalhos como Neon Indian, como no derradeiro VEGA INTL. Night School (2015). São composições que partilham de uma atmosfera noturna, como uma série investigativa dos anos 1980 onde personagens de índole duvidosa surgem e desaparecem a todo instante. “Ela é uma assassina, ela me disse isso / Garotos caem como dominós … E eu morro de novo / E eu morro de novo“, canta na já conhecida Meutrière, deliciosa colaboração com a francesa Flore Benguigui, uma das vozes do grupo L’Imperatrice.
#32. Kali Uchis
Red Moon In Venus (2023, Geffen / EMI)
Os sentimentos afloram em Red Moon In Venus. Terceiro e mais recente álbum de estúdio de Kali Uchis, o trabalho parte da regência dos astros e diferentes manifestações cósmicas para se aprofundar nas experiências românticas vividas pela cantora e compositora norte-americana. É como um delicado exercício de exposição sentimental, pequenas reflexões sobre feminilidade e a permanente busca da artista pelo próprio conforto emocional. Canções que preservam, pervertem e potencializam tudo aquilo que Uchis já havia explorado em Isolation (2018) e Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) (2020). Com um pé na psicodelia, efeito da produção caprichosa que destaca a construção dos arranjos e uso enevoado dos vocais, Uchis convida o ouvinte a se perder em um jardim de emoções. Inaugurado em meio a cantos de pássaros, o registro se revela aos poucos, sem pressa, como se cada faixa fosse trabalhada em uma medida particular de tempo. A própria escolha de I Wish You Roses como composição de abertura funciona como uma boa representação desse resultado. Enquanto os versos tratam de forma libertadora e positiva sobre um término de relacionamento, camadas instrumentais detalham o minucioso processo de criação do material, sofisticação que se reflete até os minutos finais do disco, na ensolarada Happy Now. Leia o texto completo.
#31. Julie Byrne
The Greater Wings (2023, Ghostly International)
Quem se depara com a suavidade explícita nas canções The Greater Wings dificilmente poderia acreditar que esse talvez tenha sido o exercício criativo mais turbulento já vivido por Julie Byrne. Com parte das sessões bastante avançadas logo após o lançamento de Not Even Happiness (2017), a cantora e compositora norte-americana se viu obrigada a suspender suas atividades quando, em meados de 2021, o produtor Eric Littmann, com quem vinha trabalhando desde 2018, veio a falecer. Foi somente no ano seguinte, agora em companhia de Alex Sommers, que a musicista pode concluir o registro. Apesar de todos esses percalços, do processo de luto vivido pela artista e da mudança de produtores, The Greater Wings se apresenta como o trabalho mais completo e complexo já produzido por Byrne. Assim como no registro entregue há seis anos, a musicista continua a se aventurar na construção de uma obra marcada pelo uso de ambientações acústicas e vozes instrumentais que assentam com suavidade. É como uma nuvem de sons e sensações que se abre de forma a revelar um ambiente de emanações matutinas e versos sempre confessionais, como o ponto final de uma longa jornada sentimental, poética e pessoal. Leia o texto completo.
#30. André 3000
New Blue Sun (2023, Epic / Sony)
André 3000 não poderia ser mais claro. “Eu juro, eu realmente queria fazer um álbum de ‘Rap’, mas foi literalmente assim que o vento soprou desta vez“, afirma o artista norte-americano no título da canção que inaugura o primeiro trabalho em carreira solo, New Blue Sun. Conhecido pelas criações como um dos integrantes do Outkast, além, claro, de colaborações ao longo da última década com nomes como Frank Ocean, James Blake e Beyoncé, o compositor deixa as rimas temporariamente de lado para investir em uma obra marcada em essência pelo uso de temas atmosféricos e delicado diálogo com o jazz. Com a flauta como principal ferramenta de trabalho, André abre passagem para um ambiente marcado pelo forte aspecto contemplativo. São criações essencialmente longas, em sua maioria com mais de dez minutos de duração, como um lento desvendar de informações que se revela ao público em uma medida particular de tempo. Instantes em que o músico aponta com naturalidade para a obra de veteranos do jazz espiritual, como Pharoah Sanders e Alice Coltrane, porém, partindo de uma abordagem meditativa, por vezes íntima da suavidade que orienta as criações de Laraaji e outros idealizadores da música ambiente. Leia o texto completo
#29. Nourishd By Time
Erotic Probiotic 2 (2023, Scenic Route)
De instrumentação e acabamento diminuto, Erotic Probiotic 2 é um trabalho que cresce a cada nova audição. Estreia do cantor, compositor e produtor norte-americano Marcus Brown como Nourished By Time, o registro de nove canções destaca a capacidade do artista em utilizar do reducionismo para fortalecer os próprios sentimentos e temas incorporados dentro do material. “O caminho está embaçado, mas eu vou mesmo assim“, canta na introdutória Quantum Suicide, música que soa como um convite a se perder nesse estranho território criativo cuidadosamente planejado por Brown. Dado o primeiro passo dentro do álbum, Brown, que já colaborou com nomes como Yaeji e Dry Cleaning, se aprofunda na construção de faixas que transitam por entre estilos, diferentes épocas e referências de forma bastante particular. E isso fica ainda mais evidente com a chegada de Shed The Fear, música que evoca nomes como Arthur Russell e The Blue Nile, porém, em um enquadramento voltado ao R&B, conceito que ganha novo tratamento na canção seguinte, Daddy. Pouco mais de quatro minutos em que o produtor atravessa as pistas na mesma medida em que preserva o direcionamento econômico dado ao registro. Leia o texto completo.
#28. Avalon Emerson
& The Charm (2023, Another Dove)
Nome importante da cena eletrônica Avalon Emerson acumula uma sequência de faixas prontas para as pistas, remixes para nomes importantes como Robyn, Four Tet, Slowdive e Christine and The Queens, além de passagens em coletâneas como a série DJ-Kicks. Entretanto, ao mergulhar no primeiro álbum de estúdio da carreira, & The Charm, a produtora, cantora e compositora norte-americana decidiu investir em uma abordagem diferente. São composições que deixam as batidas em segundo plano para destacar a construção dos arranjos, melodias e vozes sempre marcadas pela força dos sentimentos. Música de abertura do trabalho, a já conhecida Sandrail Silhouette sintetiza de forma bastante eficiente esse resultado. Enquanto os versos soam como um convite (“Conte-me sobre sua vida / Eu quero ouvir sobre seus sonhos“), guitarras carregadas de efeitos, batidas e ambientações etéreas e transportam o ouvinte para um mundo mágico. É como se Emerson partilhasse do mesmo pop etéreo de veteranos como Cocteau Twins, porém, aterrizando na psicodelia dançante do Primal Scream. Um misto de passado e presente que orienta de forma sensível a experiência do público durante toda a execução do material. Leia o texto completo.
#27. Laurel Halo
Atlas (2023, Awe)
Você nunca sabe exatamente o que esperar de Laurel Halo. De um trabalho para outro, a artista norte-americana pode ir de uma interpretação retorcida do pop para a música concreta sem necessariamente parecer inconsistente ou minimamente confusa. São quase sempre registros fechados, como pequenos estudos da compositora sobre um movimento ou gênero específico, como nas experimentações com a produção eletrônica, marca de Chance of Rain (2013), ou nas paisagens instrumentais de Raw Silk Uncut Wood (2018). Uma constante reinterpretação e fina desconstrução da própria identidade artística de Halo. Mais recente trabalho de estúdio da musicista estadunidense, Atlas traz de volta uma série de elementos bastante característicos dos últimos registros de Halo, como os temas contemplativos, porém, partindo de um direcionamento totalmente reformulado. Convidada a participar de um programa nos estúdios Ina-GRM, na França, a compositora passou quase um ano imersa no estudo de pianos, design de som e experimentações com a música eletroacústica. Mais tarde, se uniu a um time formado por Bendik Giske (saxofone), James Underwood (violino), Lucy Railton (violoncelo) e Coby Sey (voz), em que se permitiu ampliar ainda mais os domínios da própria criação e finalizar o repertório do presente disco. Leia o texto completo.
#26. JPEGMAFIA & Danny Brown
Scaring The Hoes (2023, Awal / Peggy)
O caos reina em Scaring The Hoes. Primeiro registro da parceria entre os rappers JPEGMAFIA e Danny Brown, o trabalho marcado pelo delirante atravessamento de informações, vozes e quebras instrumentais é exatamente o que você poderia esperar de uma colaboração entre os dois artistas. São canções essencialmente curtas e urgentes, porém, marcadas pela inusitada combinação de elementos e riqueza de ideias, como um fluxo de pensamento quase torrencial que vai da sobreposição de ritmos aos versos que transitam por diferentes temáticas e mergulham na mente inquieta dos próprios realizadores. Parte desse processo vem da escolha de JPEGMAFIA, responsável pela produção de Scaring The Hoes, em organizar tudo em uma única estação de trabalho, uma Roland SP-404. Dessa forma, sem grandes edições, os artistas se concentram na construção das rimas que, na maioria das vezes, contrastam com a direção apontada pelas bases. Música de abertura e composição escolhida para anunciar a chegada do disco, Lean Beef Patty funciona como uma boa representação dessa imprevisível combinação de elementos que vai de um canto a outro de maneira a estimular e tensionar a experiência do ouvinte ao longo de todo o registro. Leia o texto completo.
#25. Yaeji
With a Hammer (2023, XL)
Yaeji sempre teve um jeito todo especial de fazer música. Enquanto as vozes reducionistas sussurram versos ora cantados em inglês, ora em coreano, celebrando as origens da artista que nasceu na cidade de Nova Iorque, mas passou boa parte da infância da Coreia do Sul, batidas eletrônicas e ambientações sintéticas referenciam grandes exemplares do gênero na mesma medida em que preservam a identidade criativa da produtora. Uma estranha combinação marcada pelo frescor dos elementos, porém, pontuada por momentos de maior nostalgia, estímulo para o repertório apresentado em With A Hammer. Embora revelado ao público como o primeiro álbum de estúdio da produtora que hoje reside na região do Brooklyn, With A Hammar nada mais é do que o produto final de uma longa jornada que resultou em uma variedade de outras obras e composições avulsas. Desde que foi oficialmente apresentada, com os dois primeiros EPs de inéditas, ambos lançados em 2017, Yaeji tem investido em uma série de criações que vão do R&B ao techno em uma abordagem sempre característica, direcionamento reforçado durante a entrega da mixtape What We Drew 우리가 그려왔 (2020), mas que alcança melhor resultado no presente trabalho. Leia o texto completo.
#24. Hotline TNT
Cartwheel (2023, Third Man Records)
O som granulado da guitarra e a voz parcialmente submersa de Protocol, faixa de abertura em Cartwheel (2023,), funciona como um indicativo claro de tudo aquilo que o grupo encabeçado pelo guitarrista Will Anderson busca desenvolver no mais recente trabalho de estúdio apresentado pelo Hotline TNT. São canções que buscam inspiração na sonoridade ruidosa que marca a produção dos anos 1990, porém, sustentam no lirismo atormentado e completa falta de perspectiva um criativo diálogo com o presente. É como um turbulento exercício sentimental e lírico que instantaneamente se conecta ao ouvinte. A exemplo de tudo aquilo que a banda havia incorporado ao trabalho anterior, Nineteen in Love (2021), o presente disco gira em torno de romances tortuosos, momentos de maior vulnerabilidade emocional e tormentos pessoais que escancaram as incertezas da vida adulta. “Há muita coisa nesta música / Que não está no meu diário“, canta Anderson em History Channel, música que sintetiza parte das angústias que consomem o registro. Composições que se passam nas brechas da vida, sempre na iminência de um novo amor ou na antecipação de uma possível tragédia, reforçando o caráter melancólico que orienta o material. Leia o texto completo.
#23. Joanna Sternberg
I’ve Got Me (2023, Fat Possum)
Multi-instrumentista autodidata e hoje graduada pela Escola de Jazz e Música Contemporânea de Nova Iorque, Joanna Sternberg é o típico caso de uma artista com amplo domínio técnico, mas que encontrou no reducionismo de um violão e uso de parcos pianos o estímulo para a própria obra. Depois de uma estreia tímida com Then I Try Some More (2019), a cantora e compositora norte-americana reaparece agora com I’ve Got Me, trabalho em que segue exatamente de onde parou há quatro anos, porém, de forma melhor estruturada e liricamente capaz de dialogar com uma parcela ainda maior de ouvintes. “Eu tenho a mim pela manhã / Eu tenho a mim à noite / Eu vou deixar que você seja / Porque eu tenho a mim“, canta logo nos minutos iniciais, na própria faixa-título. Mais do que um exercício de apresentação e síntese poética de tudo aquilo que será incorporado no decorrer do trabalho, a faixa de apenas dois minutos evidencia o que parece único da obra de Sternberg: a atmosfera. São canções que, mesmo captadas com maior polidez e contando com a produção do veterano Matt Sweeney (Adele, Jake Bug), parecem replicar a ambientação caseira típica das criações de Daniel Johnston e outros nomes do gênero. Leia o texto completo.
#22. Feeble Little Horse
Girl With Fish (2023, Saddle Creek)
Entre camadas de guitarras, texturas e ruídos, a voz doce de Lydia Slocum, sempre contrastante, repete: “Eu sei que você me quer louca / Eu sei que você me quer louca“. É partindo justamente desse cenário caótico, onde bases altamente distorcidas se completam pela força dos sentimentos, que os membros do Feeble Little Horse apresentam o segundo álbum de estúdio da carreira, Girl With Fish. Sequência ao material entregue em Hayday (2021), o trabalho preserva a essência do registro que o antecede, porém, potencializa tudo aquilo que existe de mais turbulento no som da banda de Pittsburgh. Concebido em meio a momentos de calmaria e delirante experimentação, o registro de onze faixas utiliza dessas pequenas oscilações como estímulo para o fortalecimento do álbum. São canções que parecem resgatadas de antigas fitas cassete, estabelecem diálogos com a produção dos anos 1990 e encontram no permanente atravessamento de informações um precioso componente criativo para tensionar e manipular a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. É como uma soma do que existe de mais insano na mente de Slocum e seus parceiros de banda, Ryan Walchonski, Sebastian Kinsler e Jacob Kelley. Leia o texto completo.
#21. Olivia Rodrigo
Guts (2023, Geffen)
Guts é o tipo de obra que provavelmente deixaria marcas na minha cabeça adolescente de 15 anos. Do momento em que tem início, em All-American Bitch, somos bombardeados por histórias de amores incertos, inseguranças com o próprio corpo, términos e recomeços. Tudo isso enquanto uma soma considerável de guitarras altamente ruidosas surgem e desaparecem a cada novo movimento, como um complemento aos versos. Mas sabe o que é o mais fascinante: tem pelo menos 15 anos que eu não tenho mais 15 anos e o novo álbum de Olivia Rodrigo continua a mexer com a minha cabeça do mesmo jeito. Segundo registro da parceria entre a cantora e compositora norte-americana e o produtor Dan Nigro, o sucessor de Sour (2021) segue de onde a autora de Drives License e Deja Vu parou há dois anos, porém, amplia consideravelmente o próprio campo de atuação. Onde antes brotavam criações típicas de uma garota no ensino médio, agora surgem composições ancoradas nos dramas de uma jovem adulta. São canções ainda inspiradas pelas vivências de Rodrigo, porém, dotadas de uma poética tão universal que é difícil não sei deixar conduzir pelas experiências e pequenas narrativas sentimentais que invadem o disco. Leia o texto completo.
#20. Model/Actriz
Dogsbody (2023, True Panther)
Conceitualmente ambientado entre o fim de tarde e o alvorecer, Dogsbody, estreia do quarteto nova-iorquino Model/Actriz, é uma delirante aventura poética que atravessa as ruas de uma grande metrópole em busca de libertação sexual, novas descobertas e pequenos excessos. Exemplo disso isso fica bastante evidente na introdutória Donkey Show, música que parte das experiências do vocalista Cole Haden em aplicativos como Grindr, mas que se completa pelo insano cruzamento de informações proposto pelos parceiros Jack Wetmore (guitarra), Ruben Radlauer (bateria) e Aaron Shapiro (baixo). Com a direção apontada logo nos minutos iniciais do trabalho, cada composição parece servir de base para a música seguinte. São ruídos metálicos, guitarras sempre invasivas e batidas que se orientam a experiência do ouvinte de maneira totalmente frenética. É como um regresso ao mesmo território criativo explorado por veteranos como Liars e outros nomes importantes da cena nova-iorquina dos anos 2000, porém, partindo por um precioso senso de atualização que vai da urgência dos arranjos à construção das letras. “Eu quero esta vida, eu quero esta vida“, repete Haden em Mosquito, canção que passeia em meio a paisagens descritivas e versos que funcionam como um mergulho na mente inquieta do protagonista. Leia o texto completo.
#19. Carly Rae Jepsen
The Loveliest Time (2023, 604 / Schoolboy / Interscope)
Como manda a tradição, sempre que um novo trabalho é entregue por Carly Rae Jepsen, meses depois somos agraciados com um registro-irmão. Entretanto, enquanto Emotion Side B (2016) vinha como uma imposição da gravadora após o lançamento do bem recebido Emotion (2015), a partir de Dedicated Side B (2020), a cantora canadense passou a tratar da escolha do repertório com maior atenção. Um minucioso exercício criativo que alcança melhor resultado com a chegada de The Loveliest Time, obra que não apenas serve de complemento ao material apresentado no ainda recente The Loneliest Time (2022), como abre passagem para um universo de novas possibilidades. Diametralmente oposto ao material entregue no último ano, The Loveliest Time substitui a melancolia do registro que o antecede e as dores acumuladas durante o período pandêmico em favor de um repertório que celebra o amor e as relações humanas. “Depois de uma estação de hibernação, vem a estação do florescimento. Conheci a solidão e descobri a beleza dela. Mas agora o mundo se abriu novamente e, por sua vez, nós também“, escreveu a artista em uma publicação no próprio Instagram. E esse sentimento de libertação pode ser percebido durante toda a execução do trabalho, indo da imagem de capa aos versos. Leia o texto completo.
#18. Yves Tumor
Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds) (2023, Warp)
A mudança de direção iniciada em Safe in the Hands of Love (2018) continua a estimular criativamente o trabalho de Yves Tumor. Em Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds), o cantor, compositor e produtor norte-americano continua a testar os limites da própria obra na mesma medida em que potencializa uma série de elementos incorporados durante a entrega do disco anterior, Heaven to a Tortured Mind (2020). São canções que evocam o som de veteranos como Prince e David Bowie, porém, partindo de uma interpretação retorcida, própria do artista. Composição de abertura, God Is A Circle sintetiza de forma bastante eficiente esse resultado. Inaugurada em meio a vozes berradas, a canção cresce em uma combinação de guitarras carregadas de efeitos, batidas e sobreposições que rompem com qualquer traço de conforto. Instantes em que Tumor tende ao experimentalismo dos primeiros trabalhos, porém, estreita relações com o pop, estrutura que ainda abre passagem para a música seguinte, Lovely Sewer, um pós-punk reducionista em que usa trechos de One Hundred Years, do The Cure, e destaca o uso das vozes femininas, conceito apresentado no disco anterior. Leia o texto completo.
#17. Boygenius
The Album (2023, Interscope)
Um espaço para compartilhar memórias traumáticas, momentos de maior vulnerabilidade e sentimentos. Essa tem sido a principal função do Boygenius desde que Phoebe Bridgers, Lucy Dacus e Julien Baker entraram em estúdio pela primeira vez para investir em um projeto colaborativo. Depois de um processo de experimentação que resultou em um autointitulado EP de estreia, o trio norte-americano volta a se encontrar em The Record, trabalho que preserva o lirismo confessional incorporado ao registro anterior, porém, potencializa o caráter emocional e evidente entrega de cada integrante da banda. “Fale comigo / Até que sua história não seja nenhum mistério para mim“, cresce o delicado coro de vozes na introdutória Without You Without Them, composição que não apenas reforça o caráter acolhedor do registro, como prepara o terreno para tudo aquilo que será apresentado pelo trio ao longo da obra. São canções que partem de experiências particulares vividas durante o período de isolamento social, resgatam lembranças empoeiradas e sustentam na permanente sobreposição de vozes um componente que parece alavancar os sentimentos, temas e diferentes narrativas incorporadas pelo trio no decorrer do trabalho. Leia o texto completo.
#16. Amaarae
Fountain Baby (2023, Interscope)
De Kali Uchis ao rapper Stormzy, de Janelle Monáe a Kaytranada, não foram poucos os artistas que nos últimos anos buscaram estreitar laços com Amaarae. E não poderia ser diferente. Com o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, The Angel You Don’t Know (2020), a cantora nova-iorquina que cresceu em Acra, capital de Gana, se transformou um dos nomes mais interessantes e cobiçados do cenário cultural africano. Dona de uma voz única e utilizando de uma colorida combinação de ritmos, a jovem parece ter conquistado um espaço que pertence somente à ela, feito reforçado em Fountain Baby. Marcado pelo frescor das batidas e riqueza de detalhes durante toda a execução do material, Fountain Baby se revela aos poucos, porém, captura a atenção do ouvinte sem grandes dificuldades. Inaugurado em meio a arranjos de cordas que embalam a introdutória All My Love, o trabalho logo desemboca em uma doce combinação de elementos percussivos e versos sempre provocativos. “Me coma de um jeito lento e sutil / Você não quer provar? / Só para começar, paciência virtuística / Pegue porque você merece“, atiça em Angels in Tibet, composição que prepara o terreno para o que será entregue no restante da obra. Leia o texto completo.
#15. Parannoul
After The Magic (2023, Longinus / Topshelf / Poclanos)
After the Magic, como tudo aquilo que Parannoul tem produzido desde os primeiros registros, é um trabalho que se apresenta por completo logo em uma primeira audição, mas que carrega segredos e revela diferentes camadas a cada novo regresso. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio do multi-instrumentista sul-coreano, o sucessor de To See the Next Part of the Dream (2021) segue de onde o compositor de Seoul parou há dois anos, porém, de forma ainda mais sensível, estruturalmente complexa e colaborativa, como uma expansão natural do som incorporado pelo artista. Não por acaso, nas semanas que antecedem o lançamento do trabalho, o músico decidiu presentear o público com We Shine At Night. Quarta faixa do disco, a canção funciona como uma síntese de tudo aquilo que Parannoul busca desenvolver ao longo da obra. São pouco mais de seis minutos em que somos convidados a flutuar em meio a camadas de guitarras e sintetizadores entrecortados por vocais berradas. Entretanto, são os arranjos de cordas assinados por Rei Miyamoto, membro da banda japonesa Vampillia, e as harmonias de vozes da conterrânea Della Zyr, que chamam a atenção e ampliam os limites do álbum. Leia o texto completo.
#14. Sofia Kourtesis
Madres (2023, Ninja Tune)
Uma celebração à vida. Assim pode ser definido o primeiro trabalho de estúdio da cantora, compositora e produtora peruana Sofia Kourtesis, Madres. Concebido em um processo de dor, durante o período em que a mãe da artista passou por um tratamento experimental para se tratar de um câncer, o registro parte desse momento de forte vulnerabilidade emocional, porém, vai além de um único tema. “É sobre minha mãe, a mãe dela, minhas irmãs que são mães, meus irmãos que são mães e todas as pessoas LGBTQIA+ que são mães em suas comunidades“, revelou Kourtesis, no texto que acompanha o material.Vem justamente desse intenso cruzamento de informações, angústias e conquistas pessoais o estímulo para a montagem de um repertório marcado pela riqueza dos elementos. São composições que apontam para as pistas, como uma extensão natural daquilo a produtora havia incorporado em registros como o EP Fresia Magdalena (2021), porém, partindo de uma abordagem ainda mais sensível e detalhista. Exemplo disso pode ser percebido na autointitulada canção de abertura. Enquanto os versos funcionam como um doce convite ao regresso (“Venha, criança, você que está aí, volte para casa“), camadas de sintetizadores, batidas e texturas ocasionais ampliam os horizontes do álbum que encanta pelo uso de pequenas sobreposições. Leia o texto completo.
#13. Fever Ray
Radical Romantics (2023, Rabid / Mute)
Mais de duas décadas depois de estrear como integrante do The Knife, Karin Dreijer segue como uma das figuras mais provocativas, estranhas e originais da música recente. Dotada de um delirante senso estético, a multiartista de origem sueca continua a se aventurar na produção de obras marcadas por uma série de elementos bastante característicos, principalmente na escolha dos timbres e estruturas das composições, mas que encantam pela completa imprevisibilidade dos temas. É como a passagem para um mundo torto, conceito que volta a se repetir com a chegada do exploratório Radical Romantics. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio sob o título de Fever Ray, o registro de dez faixas segue uma abordagem parcialmente distinta em relação ao material entregue em Plunge (2017). Longe da aceleração explícita no álbum anterior, estimulando a sensação de queda livre durante toda a execução da obra, Dreijer investe na construção de um repertório atmosférico, como um regresso aos temas incorporados no autointitulado disco de estreia, de 2009. São composições que se revelam aos poucos, convidando o ouvinte a se perder em um labirinto de sensações que parece desvendado em essência apenas por Karin. Leia o texto completo.
#12. Mitski
The Land Is Inhospitable and So Are We (2023, Dead Oceans)
The Land Is Inhospitable and So Are We é uma evidência incontestável do talento de Mitski. Longe dos sintetizadores eufóricos que marcam o registro anterior, Laurel Hell (2022), e livre de canções minimamente acessíveis, como Nobody e todo o repertório de Be The Cowboy (2018), obra que apresentou o trabalho da nipo-americana à uma parcela ainda maior de ouvintes, a cantora se concentra agora na entrega de um material marcado pelo reducionismo dos elementos. São canções em que limita a construção dos arranjos, porém, estabelece na força dos sentimentos o principal componente criativo. Composição de abertura do trabalho, Bug Like an Angel sintetiza de forma bastante eficiente tudo aquilo que a cantora busca desenvolver ao longo da obra. Enquanto a guitarra econômico do produtor Patrick Hyland avança em uma captação crua, versos que alternam entre a embriaguez e a sobriedade refletem sobre vícios e as pequenas maldições que herdamos de nossos pais. “À medida em que fui crescendo, aprendi que bebo / Às vezes, uma bebida parece uma família“, confessa Mitski em tom entristecido, mas que em nenhum momento tende ao melodrama, indicativo do completo domínio e equilíbrio da musicista. Leia o texto completo.
#11. Yo La Tengo
This Stupid World (2023, Matador)
Mesmo perto de completar quatro décadas de carreira, o Yo La Tengo segue como um dos projetos mais influentes e musicalmente relevantes da cena norte-americana. E isso fica bastante evidente com a chegada de This Stupid World. Sequência ao material entregue em There’s A Riot Going On (2018) e os experimentos testados durante o pandêmico We Have Amnesia Sometimes (2020), o trabalho de nove faixas destaca o que há de melhor no som produzido pelo grupo de Hoboken, Nova Jersey. São canções que reforçam o uso ruidoso e potência das guitarras, porém, entrecortadas pela contrastante leveza dos vocais. Escolhida como composição de abertura do trabalho, Sinatra Avenue Drive sintetiza de forma eficiente tudo aquilo que o trio formado por Ira Kaplan, Georgia Hubley e James McNew busca desenvolver ao longo da obra. Inaugurada em meio a camadas de guitarras que apontam para registros como Painful (1993) e Electr-O-Pura (1995), a música aos poucos se completa pela sutileza das vozes e versos que destacam o aspecto contemplativo do material. “Vejo momentos que desejei, recuperei e perdi de novo“, cresce a letra da canção, como um mantra que ainda abre passagem para a criação seguinte, a já conhecida Fallout. Leia o texto completo.
#10. Kelela
Raven (2023, Warp)
Em meados de 2019, durante as comemorações de três décadas de fundação da gravadora inglesa Warp Records, diferentes artistas foram convidados a produzir compilações inspiradas pelo catálogo do selo. Na ocasião, Kelela decidiu investir em uma abordagem diferente, cantando em cima de bases produzidas por veteranos como Autechre, porém, mergulhando de cabeça no uso de ambientações etéreas e canções assinadas por compositores historicamente marcados pelo caráter atmosférico de suas obras, caso de Takashi Kokubo e Susumu Yokota. Na época, ninguém desconfiava, mas tudo não passava de um ensaio para o que se revela de forma ainda mais complexa e musicalmente interessante em Raven. Com o corpo e parte do rosto submersos logo na imagem de capa do disco, o sucessor do expositivo Take Me Apart (2017) segue uma trilha parcialmente distinta quando próximo do registro que o antecede. Trata-se de uma obra imersiva. Composições que ganham forma e crescem em uma medida própria de tempo, como um espaço aberto à contemplação e ao lento desvendar de Kelela sobre os próprios sentimentos. “Seguindo em frente, em uma mudança de ritmo, eu estou distante“, detalha na introdutória Washed Away, música que não apenas indica a mudança de direção adotada pela cantora em estúdio, como apresenta uma série de componentes, timbres e vozes que acabam se refletindo até os minutos finais, em Far Away. Leia o texto completo.
#9. Lana Del Rey
Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd (2023, Interscope / Polydor)
Longe do pop compactado e formulaico que marca os primeiros álbuns de estúdio, Lana Del Rey tem investido em obras cada vez mais extensas, densas e imersivas. “É como se eu estivesse digitando em minha mente“, disse a artista em entrevista à W Magazine, em maio do último ano, quando se preparava para entrar em estúdio para a produção do nono trabalho de inéditas da carreira, Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd. Dotado de um ritmo próprio e versos que externalizam sentimentos, o registro de essência contemplativa mostra a artista em sua melhor forma. Sequência ao material entregue na dobradinha composta por Chemtrails Over The Country Club (2021) e Blue Banisters (2021), o trabalho de 16 faixas exige tempo até se revelar por completo, porém, gratifica a experiência do ouvinte durante toda sua execução. Trata-se um registro concebido entre duas elevações que dialogam com o material entregue em Norman Fucking Rockwell (2019) e um vale fluvial que abre passagem para uma nova fase na carreira da artista. Um exercício em três atos bem delimitados, mas que sustenta na observação isolada de suas canções um indicativo do completo domínio criativo da cantora. Leia o texto completo.
#8. L’Rain
I Killed Your Dog (2023, Mexica Summer)
O que você espera musicalmente de uma mulher preta? Independente da resposta, a direção percorrida por Taja Cheek em estúdio está longe de seguir prováveis padrões, estruturas ou gêneros historicamente atrelados à comunidade negra. Utilizando da identidade de L’Rain, a cantora, compositora, produtora e multi-instrumentista continuamente busca testar os limites da própria obra. São perversões estéticas e estilísticas que desafiam a interpretação do ouvinte, sempre transportado para dentro de um ambiente marcado pelas possibilidades. Sob a controle criativo da musicista há espaço para tudo, menos o óbvio. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio de Cheek, I Killed Your Dog funciona como uma boa representação desse resultado. Sequência ao material apresentado no também provocativo Fatigue (2021), o registro não apenas destaca a força criativa e domínio da artista, como leva o ouvinte para direções totalmente inimagináveis. São ecos de música psicodélica, jazz, soul e pop, porém, partindo de um direcionamento torto. Mesmo os diferentes interlúdios, tão diminutos, concentram décadas de referências em um intervalo de poucos segundos, evidenciando a riqueza de ideias e atenção de L’Rain aos detalhes. Leia o texto completo.
#7. Yeule
Softscars (2023, Ninja Tune)
Softscars é a etapa final de um lento processo de amadurecimento pessoal e criativo vivido pela singapurense Nat Ćmiel. Utilizando da identidade de Yeule, a artista passou os últimos anos imersa nos próprios sentimentos, estímulo para o fino repertório que marca as canções do introdutório Serotonin II (2019), ganha novo tratamento no posterior e ainda recente Glitch Princess (2022), mas que alcança melhor resultado no presente trabalho. É como uma combinação do que há de mais doloroso e libertador nas experiências emocionais acumuladas por Ćmiel e agora materializadas em composições. “No jardim da sua mente / É escuro e espinhoso, doce e pegajoso / E assim como o mel, transborda“, canta na agridoce faixa-título, uma delicada representação poética das angústias e temas incorporados por Yeule durante toda a execução do disco. São canções que funcionam como janelas para o passado, resgatando memórias empoeiradas ou mesmo acontecimentos ainda recentes vividos por Ćmiel. “Estou olhando para você do penhasco / Estou olhando para baixo e sinto a felicidade“, confessa na já conhecida Sulky Baby, música que não apenas destaca a força criativa e sensibilidade dos versos, como a potência dos arranjos. Leia o texto completo.
#6. Wednesday
Rat Saw God (2023, Dead Oceans)
Poucas coisas são tão satisfatórias quanto um disco que não te deixa respirar. Um golpe rápido e você é prontamente arremessado para a canção seguinte. Quinto e mais recente trabalho de inéditas da banda norte-americana Wednesday, o intenso Rat Saw God é exatamente esse tipo de obra. Inaugurado pela urgência de Hot Rotten Grass Smell, com pouco mais de um minuto de duração, o registro transporta sem dificuldades o ouvinte para dentro do barulhento território criativo que Karly Hartzman e seus parceiros, Xandy Chelmis (guitarras), Margo Schultz (baixo), Alan Miller (bateria) e MJ Lenderman (guitarras), buscam desenvolver em estúdio até os momentos finais do material, em TV In The Gas Pump. E se a já citada faixa de abertura for insuficiente para capturar a sua atenção, Bull Believer, vinda logo em sequência, dá conta disso sem dificuldades. Com pouco mais de oito minutos, a composição não apenas evidencia a potência criativa do Wednesday ao longo da obra, como transporta o som produzido pela banda para um ambiente completamente inesperado e caótico. Enquanto os versos tratam sobre vícios, personagens decadentes e memórias empoeiradas da adolescência, batidas tortas mudam de direção a todo instante, soterrando o ouvinte em meio a camadas de guitarras, distorções e vozes sempre berradas. Leia o texto completo.
#5. Jessie Ware
That! Feels Good! (2023, EMI / Universal Music)
Jessie Ware parece ter se encontrado nas pistas. Não por acaso, ao mergulhar no quinto e mais recente trabalho de estúdio da carreira, That! Feels Good!, a cantora e compositora britânica não apenas segue de onde parou no álbum anterior, What’s Your Pleasure? (2020), como ainda mergulha de forma consciente em busca de um repertório dançante. “Isso é bom! Faça de novo! Faça de novo! Faça de novo!“, repete logo nos minutos iniciais, na introdutória faixa-título, música que serve de ponte para o registro passado e ainda prepara o terreno para o que será incorporada no presente disco. Ainda inspirada pelo som de veteranas como Chaka Khan, Donna Summer e Diana Ross, a artista parte de um necessário senso de atualização em que amplia os limites da própria obra. São composições que continuam a vagar pelas pistas, detalhando linhas de baixo sempre suculentas e batidas que convidam o ouvinte a dançar, mas que buscam explorar diferentes propostas criativas. Canções que vão da cultura Ballroom ao som empoeirado da Italo Disco, do repertório de RuPaul à efervescência da cena nu-disco que movimentou Nova Iorque nos anos 2000. Uma abordagem tão referencial quanto hoje íntima de Ware. Leia o texto completo.
#4. Billy Woods & Kenny Segal
Maps (2023, Backwoodz Studioz)
Mesmo com o recente anúncio da Organização Mundial da Saúde sobre o fim do estado de emergência envolvendo a Pandemia de Covid-19 e a normalização vivida no último ano, o mundo e a forma como nos relacionamos em sociedade mudou. Vem justamente desse olhar crítico para um novo modelo de vida e as emoções experienciados durante o período de reabertura o estímulo para o rico repertório de Maps. Segundo registro da parceria entre o rapper Billy Woods e o produtor Kenny Segal, o trabalho combina cenas, personagens, histórias e sentimentos enquanto passeia por diferentes cenários. “Crianças, você e seus amigos vão ter que começar de novo / Não há nada que você possa fazer com a gente, estamos fodidos“, rima em Year Zero, música em que parte desse cenário pós-apocalíptico para refletir sobre a vida em comunidade, violência, evolução e negritude, conceitos anteriormente testados por Woods em Aethiopes (2022), porém, partindo de um precioso senso de renovação. São Frações poéticas marcadas pela forte sensação de movimento, como um delirante fluxo de pensamento que busca detalhar parte das inquietações do artista desde que botou o pé na estrada para excursionar nos últimos meses. Leia o texto completo.
#3. ANOHNI and The Johnsons
My Back Was a Bridge for You to Cross (2023, Backwoodz Studioz)
No verão de 1992, enquanto estudava teatro experimental na Universidade de Nova Iorque, ANOHNI conheceu a ativista pelos direitos das pessoas LGBTQIAP+ Marsha P. Johnson. Mulher trans e um dos símbolos da Revolta de Stonewall, a drag queen seria encontrada morta seis dias após esse encontro nas águas do Rio Hudson, impactando fortemente a vida pessoal e artística da jovem inglesa que, ao formar sua banda no final da década de 1990, adotaria o nome “The Johnsons”. Mais de três décadas após a morte de Marsha, essa relação continua a orientar as criações da musicista, direcionamento que volta a se repetir e cresce significativamente com a chegada My Back Was a Bridge for You to Cross. Como indicado no título da obra, em português, “minhas costas eram uma ponte para você atravessar“, o registro que tem produção assinada por Jimmy Hogarth (Amy Winehouse, Suzanne Vega) e arranjos em parceria com Leo Abrahams, Chris Vatalaro, Sam Dixon e Rob Moose, busca inspiração na vida e nas experiências de personagens que abriram caminho para que membros de grupos minorizados pudessem viver melhor. São canções que celebram conquistas, mas em nenhum momento rompem com o caráter político e forte sentimento de contestação, conceito reforçado logo na música de abertura, It Must Change. Leia o texto completo.
#2. Sufjan Stevens
Javelin (2023, Asthmatic Kitty)
Os últimos tempos não foram nada agradáveis para o cantor e compositor Sufjan Stevens. Além de sofrer com a morte do próprio pai, Rasjid, e passar por um período de hospitalização para lidar com a síndrome de Guillain–Barré, uma doença rara que ataca os nervos, em abril deste ano, o músico norte-americano se despediu do parceiro de longa data, Evans Richardson. Vem justamente desse doloroso processo vivido pelo artista o estímulo para o fino repertório de Javelin, trabalho que contrasta a melancolia explícita nos versos com uma instrumentação suntuosa que se projeta de forma transcendental. Consumido pela dor, porém, movido pela necessidade de seguir em frente, Stevens se aprofunda em um repertório tão particular quanto íntimo do ouvinte. “Adeus, Evergreen / Você sabe que eu te amo / Mas tudo que o céu enviou / Deve queimar no final“, canta na introdutória Goodbye Evergreen, música que resgata uma série de elementos bastante característicos do artista, como a forte religiosidade e a dor da partida. É como uma extensão do mesmo lirismo entristecido que marca os versos de Carrie & Lowell (2015), porém, substituindo memórias empoeiradas do passado por recordações ainda recentes e dolorosamente frescas. Leia o texto completo.
#1. Caroline Polachek
Desire, I Want To Turn Into You (2023, Perpetual Novice)
Embora tratada como iniciante por aqueles que descobriram seu trabalho no lançamento de Pang (2019) ou mesmo durante a turnê de divulgação de Future Nostalgia (2020), Caroline Polachek está longe de parecer uma novata. Perto de completar duas décadas de carreira, a cantora, compositora e produtora norte-americana acumula três ótimos registros com a extinta banda Chairlift – Does You Inspire You (2008), Something (2012) e Moth (2016) –, um álbum com sob o pseudônimo de Ramona Lisa, Arcadia (2014), o experimental Drawing the Target Around the Arrow (2017), lançado com o nome de CEP, além de boas colaborações com Beyoncé, Charli XCX, Flume e Christine and The Queens. Um vasto e invejável currículo que parece desembocar no fino repertório de Desire, I Want To Turn Into You. Segundo e mais recente trabalho de estúdio da artista em carreira solo, o registro de doze faixas soa como um acumulo natural do que há de mais provocativo no som produzido por Polachek. São composições que estreitam relações com diferentes colaboradores, estilos e tendências, porém, de forma pouco usual, tencionando os limites do pop tradicional. Da música flamenca ao colorido tropical que serve de base para Sunset, passando pela gaita de fole às guitarras que surgem de maneira nada discreta em Blood and Butter, cada fragmento parece pensado e encaixado pela artista para brincar com a interpretação do ouvinte. Leia o texto completo.
Sem comentários:
Enviar um comentário