quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Morrissey – California Son (2019)


Morrissey deixa-se de parvoíces e dá-nos um disco de covers, mas a sua personalidade e o seu carisma acaba por desaparecer por entre as músicas dos outros

Morrissey continua nas notícias. Mesmo aqueles que acham que o cantor morreu com o fim dos Smiths não conseguem ignorar a sua presença mediática, e quase sempre pelos piores motivos.

A juntar às já costumeiras lutas com as editoras com as quais vai assinando contrato e aos concertos cancelados por motivos vários, Morrissey tem andado numa senda política que faz os seus fãs mais fiéis desistirem ou, no mínimo, olharem para o lado. Não nos enganemos, Morrissey sempre foi político. A questão é que construiu o seu nome e a sua base de apaixonados seguidores com declarações bombásticas de esquerda, atacando à vez Margaret Thatcher e a família real, algo que qualquer pessoa de bem pode e deve aplaudir. Agora, há muitos anos a viver nos EUA, apoia movimentos de extrema-direita britânicos, defende o Brexit e profere declarações próximas de um racismo que ninguém adivinharia há uns anos. É difícil ser da Team Moz em 2019.

É claro que não ajuda o facto de os seus últimos discos, tal como a sua postura, terem confundido os seus fãs e descido em qualidade. O seu último grande álbum é o fabuloso You Are the Quarry, editado no já longínquo ano de 2004, embora Ringleader of the Tormentors (2006) e Years of Refusal (2009) tenham alguns momentos bem interessantes. Desde então, a coisa tem decaído, com dois discos que apostaram nalguma complexidade de composição e de arranjos mas não contando com aquelas malhas maiores que a vida de colossos como Vauxhall and I (1994), por exemplo.

Chegados a 2019, Morrissey presenteia-nos com um disco… de covers. O que, na verdade, apesar de surpreendente, não é assim tão má ideia. Ele continua um extraordinário e expressivo vocalista, e talvez cantando músicas de outros pudesse fugir às suas politiquices e ao excesso de arranjos que tem marcado os seus últimos discos. Mas Morrissey, sendo Morrissey, não podia fazer um simples disco de covers. Mas já lá vamos.

Quem conhece a sua vida sabe que, além de músico, sempre foi um apaixonado por música, desde os tempos de pré-adolescente, em Manchester. Fundou e presidiu ao clube fãs britânico dos New York Dolls, viu os Sex Pistols ao vivo, sonhou com uma carreira ao som dos Mott the Hoople, de Lou Reed ou de Patti Smith. Daí que tenha decidido, agora, homenagear alguns dos temas de outros artistas que o tenham marcado. Chamou a este trabalho California Son.

E há gente muito recomendável por aqui. Roy Orbison, a enigmática e injustamente esquecida Laura Nyro, Bob Dylan ou Joni Mitchell, entre muitos outros. No entanto, não há aqui nada de greatest hits: Morrissey escolheu músicas de que gosta particularmente, e a esmagadora maioria dos temas será desconhecido para o grande público.

E há boas e más notícias neste California Son. Comecemos pelas boas. “Don’t Interrupt the Sorrow”, de Joni Mitchell, é uma bela canção e recebe um tratamento inteligente; “Days of Decision”, de Phil Ochs é abordada de forma simples e genuína, acústica e depurada; e a seriedade austera de “Lenny’s Tune”, praticamente só voz e piano, é um ponto alto. Os arranjos são mais contidos do que tem sido habitual; a voz de Moz continua carismática e impecável; e este afastamento dos seus próprios métodos de criação consegue, de facto, colocar em segundo plano o Morrissey resmungão desta década, ao serviço de músicas de outros.

Agora as más notícias. Há alguns temas mauzitos, como a pirosíssima “Lady Willpower”, que parece um pastiche de uma música da Eurovisão, o que diz tudo; e “Loneliness Remembers What Happiness Forgets”, de Bacharach/David e que foi celebrizada por Diane Warwick é de uma leveza pop quase apatetada que deixa Morrissey sem pé, sendo simplesmente um vocalista numa música que não tem nada a ver com o que é enquanto autor ou intérprete.

Pior que tudo, e isso passa por praticamente todo o disco, o carisma interpretativo de Moz está praticamente ausente. Em vez de optar por transformar estas músicas em coisas suas, com a sua personalidade, o cantor foi demasiado respeitador dos originais, acabando California Son por soar ao disco de uma banda qualquer, que teria o britânico como vocalista.

Se nos queixávamos de “too much Moz” e de demasiada complicação nos seus discos anteriores, damos connosco agora a querer um bocadinho dele de volta. California Son é um disco que, na sua maior parte, se ouve bem e está habitado por alguma luz que acaba por ser bem-vinda; e como melómanos temos de aplaudir esta celebração das suas influências e do trabalho de outros artistas.

Mas é também um disco que não incomoda nem entusiasma, não aquece nem arrefece. E isso Morrissey nunca nos tinha feito.

Fica a questão: será que o nosso velho Moz ainda tem um grande disco dentro de si?


 

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