Começamos hoje a viagem (já bem habitual) pelos títulos mais marcantes que, na forma de disco, independentemente do suporte, nos chegaram ao longo de 2023. As escolhas hoje publicadas escutam as novas edições. Os discos com inéditos
As escolhas, tal como em anos anteriores, surgem divididas em grandes áreas. Desta vez há nacional (álbum e canção), a música do Brasil, a música clássica (na verdade quase toda contemporânea) e o jazz numa lista conjunta, arrumando depois todo o resto, no espaço internacional. Cada lista é uma vez mais apresentada por ordem alfabética, pelo que destaco apenas o “disco do ano” em cada uma delas.
INTERNACIONAL (ÁLBUM)
Zaho de Sagazan “La Symphonie des Eclairs”
Revelada na edição de 2022 dos Trens Musicales de Rennes, a jovem autora e cantora francesa apresentou em “La Symphonie das Éclairs” um disco de canções pop que fogem ao apelo da moda e traduzem um corpo de vivências que cruzam outros tempos. A coisa aqui começou nos genes. O pai é artista plástico, a mãe é professora. E a jovem Zaho de Sagazan, nascida há 23 anos em Saint Nazare, na região atlântica do Loire (França), mesmo tendo estudado gestão e encontrado primeiro emprego num lar de idosos, inevitavelmente acabou a encontrar uma forma de expressão. No seu caso, a música. O disco que a apresentou, “La Symphonie des Eclairs” foi uma agradável surpresa e tem na capa um perfeito ‘teaser’ face aos sons que depois em si encerra: Zaho apresenta-se em frente a um arsenal de sintetizadores analógicos. Os botões e osciladores sugerem desde logo que há electrónicas em jogo, o que de facto acontece, desenhando uma pop que tanto é herdeira da elegância das electrónicas made in França das últimas décadas como, mais ainda, de um clima mais arrumado e sombrio de alma electro que aponta azimutes de referências a Berlim. Porém, ao escutar a música sentimos que esta pop eletrónica, que em nada mostra vontade em seguir os sabores populares do momento, está marcada por vivências pessoais de descoberta feiras entre clássicos da chanson em língua francesa, sobretudo um Brel e uma Barbara (a cantora preferida da sua mãe). Ao invés dos caminhos mais luminosos de muita da pop atual – sobretudo nos caminhos mais descaracterizados do mais-do-mesmo – a música de Zaho de Sagazan, tal como a do belga Stromae, traduz ecos de um sentido de melancolia e um gosto em usar o texto com um peso maior na construção de canções que têm coisas para nos dizer.
Além do álbum de estreia de Zaho de Sagazan outros 19 completam a lista dos 20 eleitos na área da produção pop (e afins) internacional de 2022. Aqui fica a lista completa, ordenada alfabeticamente.
Blur “The Ballad of Darren”
Boygenius “The Record”
Caroline Polacheck “Desire, I Want To Turn Into You”
Depeche Mode “Memento Mori”
Duran Duran “Danse Macabre”
Everything But The Girl “Fuse”
Fever Ray “Radical Romantics”
Isabelle Adjani “Adjani, Bande Originale”
Lana del Rey “Did You Know There’s a Tunnel Under Ocean Boulevard”
Nation of Language “Strange Disciple”
Nick Cave + Warren Ellis “Australian Carnage”
OMD “Bauhaus Staircase”
Paul Simon “Seven Psalms”
Peter Gabriel “I/O”
Rodrigo Cuevas “Manual de Romeria”
Rolling Stones “Hackney Diamonds”
Sparks “The Girl is Crying In Her Latte”
Sufjan Stevens “Javelin”
The Kills “God Games”
Zaho de Sagazan “La Symphonie des Eclairs”
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INTERNACIONAL (CANÇÃO)
Duran Duran “Danse Macabre”
Nem um disco de versões nem um álbum de inéditos, o disco de 2023 dos Duran Duran nasceu de uma ideia de celebração do Halloween. O ponto de partida foi um concerto temático que a banda apresentou a 31 de outubro de 2022, por ocasião do Halloween, em Las Vegas, levando a palco um alinhamento de canções onde ora havia canções do repertório dos próprios Duran Duran que de certa forma se cruzavam com o tema, ora versões de canções dos Rolling Stones, Cerrone, Siouxsie and The Banshee ou dos Talking Heads, entre outros. Dessa noite em Las Vegas nasceram ideias que acabaram por se materializar num álbum de estúdio que viu nascer três originais, sim deles “Danse Macabre”, canção que cruza as vozes contadas (de Simon Le Bon e do coro) com sequências nas quais o vocalista assimila o rap (que de resto já abordara antes em versões de “White Lines” de Grand Master Melle & Mel ou “911 is a Joke” dos Public Enemy), com cenografia onde as electrónicas sugerem um ambiente assombrado, juntando-se depois a presença da guitarra (de Warren Cuccurullo) ao músculo desenhado pela secção rítmica, acentuando-a.
Além do single de avanço do mais recente álbum dos Duran Duran, outros nove temas completam a lista de dez canções que destaco entre a produção internacional de 2023. Aqui fica a lista completa, ordenada alfabeticamente.
Blanca Paloma “Eaea”
Blur “Barbaric”
Depeche Mode “Defore We Drown”
Duran Duran “Danse Macabre”
John Batiste “Calling Your Name”
Kylie Minogue “Padam Padam”
Letrux “Aranha”
Nation Of Language “Sole Obsession”
Rolling Stones + Lady Gaga “Sweet Sound of Heaven”
SZA “Kill Bill”
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NACIONAL (Álbum)
Carminho “Portuguesa”
As movimentações mais recentes em torno do fado têm mostrado como o domínio e o conhecimento sobre a tradição tem criado os melhores alicerces para a construção de novas possibilidades que se começam a manifestar cada vez mais presentes, mais seguras, mais desafiantes. E não faltam grandes discos de fadistas entre as colheitas do que de melhor escutámos em 2023. De Cristina Branco a Sara Correia, passando por Pedro Moutinho, há entre estes discos sinais seguros de um domínio sobre o espaço no qual se afirmaram, todos eles com novas canções que claramente juntam episódios significativos às respectivas obras em construção. Mas a ter de destacar um disco, a escolha recai sobre a “Portuguesa” de Carminho. De técnica, alma, voz e capacidade de desafio já falam todos os seus discos anteriores, entre os quais mora um importante ensaio sobre a música do Brasil através de canções de Tom Jobim. O álbum que editou num mesmo ano repleto de grandes momentos pessoais (nacionais e internacionais) soma tudo o que antes aconteceu a uma capacidade de marcar o tempo e a geografia de um presente com vistas largas. De pés firmes em toda uma aprendizagem. Mas com vontade de olhar adiante das linhas do horizonte. A tradição mora aqui ao evocar Alfredo Marceneiro. Mas depois, além da escrita da própria Carminho, juntamente com a de parceiros como Rita Vian, Luísa Sobral, Joana Espadinha ou Marcelo Camelo, assim como por via de arranjos com arrojo e elegância (mas sem voltar costas a tudo o que antes foi feito), Carminho fixou em 2023 um dos mais importantes títulos na história recente do fado.
Além do álbum de Carminho, outros 19 completam a lista dos 20 eleitos na área da produção nacional de 2023. Aqui fica a lista completa, ordenada alfabeticamente.
Ana Lua Caiano “Se Dançar é Só Depois”
Bandua “Bandua”
Cabrita “Umbra”
Carlos Maria Trindade “Vitral Submerso”
Carminho “Portuguesa”
Cristina Branco “Mãe”
Eu.Clides “Declive”
Expresso Transatlântico “Ressaca Bailada”
Glockenwise “Gótico Português”
Jorge Palma “Vida”
Lura “Multicolor”
Milhanas “De Sombra na Sombra”
Peculiar “Lágrimas de Pérola”
Pedro Moutinho “Casa d’Água”
Rodrigo Leão “Piano Para Piano”
Salvador Sobral “Timbre”
Sara Correia “Liberdade”
Slow J “Afro.Fado”
The Legendary Tigerman “Zeitgeist”
Tomás Wallenstein “Vida Antiga”
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NACIONAL (CANÇÃO)
Bandua “Bandeiras”
Há um ano deixei de fora da lista dos melhores do ano um disco que, na verdade, acabaria o ano em posição de merecido destaque. Trata-se do álbum que nos apresentava então os Bandua, dupla formada por Edgar Valente e Tempura The Purple Boy. Mas estavam indigitados para concorrer ao Festival da Canção e, por hábito, não coloco nestas listas quem, nos meses seguintes, pode passar pelo concurso… Editado em CD em 2023, o álbum entra então, este ano, nesta lista. Mas não coube ao álbum de estreia dos Banda (que vi depois transformado e revitalizado na estrada em várias ocasiões) o único episódio maior deste projeto que toma como matéria prima a música beirã, juntando-lhe sinais dos nossos tempos (através das electrónicas), valorizando ainda tanto no som como na cenografia a presença do adufe. Este quadro de referências moldou uma canção que passou em 2023 pelo Festival da Canção. Precisamente a que afastara os Bandua destas listas em 2022. Não que seja uma questão de justiça adiada. Mas para mim “Bandeiras” foi mesmo a canção deste ano que mais me acompanhou.
Além da canção dos Bandua, outras nove completam a lista de dez que destaco entre a produção nacional de 2023. Aqui fica a lista completa, ordenada alfabeticamente.
Ana Lua Caiano “Se Dançar é Só Depois”
A Garota Não “422”
Bandua “Bandeiras”
Carminho “Praias Desertas”
Eu.Clides “Tê Menos Um”
Lara Li “Funâmbula”
Neon Soho “Endless World”
Salvador Sobral “Pedra Quente”
Sara Tavares “Kurtidu”
You Can’t Win Charlie Brown “Contraste Mudo”
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MÚSICA BRASILEIRA
Zé Ibarra “Marquês, 256”
Os ecos da mesma pandemia que juntou os Bala Desejo ainda marcam presença num disco cujo título lembra a rua e o número da porta do prédio, no qual Zé Ibarra, um dos elementos do quarteto, viveu a sua infância e onde, nos dias de confinamento, tocou em áreas comuns. Assim mitificado por dar um nome a um disco, o Edifício Marquês de São Vicente, no bairro da Gávea (Rio de Janeiro), tem a sua alma igualmente presente através da presença de um eco (natural, cenográfico) que abraça a voz e a discreta (mas suficiente) instrumentação que escutamos nas oito canções que, em pouco menos de meia hora, deixam bem claro que temos aqui uma carreira para continuar a acompanhar com atenção. O alinhamento reparte atenções entre composições do próprio, outras criadas em conjunto por parceiros próximos (como Dora Morelenbaum, Lucas Nunes ou Tom Veloso) e versões de peças de recorte clássico como “Olho d’Água” que Caetano Veloso e Wally Salomão deram a Maria Bethânia ou uma arrepiantemente bela leitura de “San Vicente” do histórico “Clube da Esquina” de Milton Nascimento (valendo a pena lembrar que Zé Ibarra integrou a banda deste último). Compositor, pianista, dotado de de uma bela voz que explora com segurança e delicadeza os agudos, tem neste “Marquês 256” um seguro cartão de apresentação para uma discografia a solo que certamente dará depois voz a uma mais alargada paleta de referências que o formaram como músico.
Adriana Calcanhotto “Errante”
Ana Frango Elétrico “Me Chama de Gato Que eu Sou Sua”
Ana Setton “O Futuro é Mais Bonito”
Jaloo “Mau”
Julia Mestre “Arrepiada”
Letrux “Letrux Como Mulher Girafa”
Luca Argel “Sabina”
Marisa Monte “Portas Raras (Ao Vivo)”
Zé Ibarra “Marquês, 256”
Zé Ibarra + Dora Morelenbaum + Julia Mestre “Live at Glasshaus”
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CLÁSSICA, JAZZ E POR AÍ…
Ola Gjeilo “Dreamweaver”
Ola Gjeilo, nasceu na Noruega em 1978, estuou em Oslo, Londres e Nova Iorque e reside atualmente nos Estados Unidos onde não só completou um mestrado em composição em 2006 como, depois, foi compositor residente de um coro (em Phoenix, no Arizona) entre 2009 e 2010, cargo que atualmente desempenha com o Distinguished Concerts International New York (DCINY), mais perto da sua casa, em Manhattan. “Dreamweaver” é o seu mais recente disco, no qual o compositor (que escutamos ao piano) é acompanhado por Duncan Ridell (violino solista), Roberto Sorrentino (violoncelo solista), a Royal Philharmonic Orchestra e o coro da Royal Holloway, todos sob a direção de Rupert Gough. O alinhamento inclui uma série de pequenas peças, em muitas passando marcas de invernia, frio e geografias do grande norte que já havíamos encontrado em títulos anteriores. Depois encontramos, com maior fôlego, “The Road” e, ainda, a pièce de resistence que dá título ao álbum: “Dreamweaver”, que transporta marcas de identidade bem evidentes da música coral de Olá Gjeilo, grandiosa e luminosa, mesmo se sob temática invernosa, e parte de um poema medieval norueguês (“Draumlvedet”), no qual acompanhamos o protagonista que, depois de adormecer na véspera de Natal, acorda 13 dias depois para partilhar as experiências invulgares, de fulgor épico, pelas quais passara nesse período.
Anton Bruckner / Andris Nelsons “Symphonies Nos. 0-9”
Arvo Pärt “Tractus”
Brad Mehldau “Your Mother Should Know: Brad Mehldau Plays The Beatles”
Daniel Hope “Music For a New Century”
Joe Hisaichi “A Symphonic Celebration”
John Adams / Bit 20 Ensemble “Shaker Loops”
Ola Gjeilo “Dreamweaver”
Ryuichi Sakamoto “12”
Thomas Adès “Dante”
Steve Reich / Mivos Quartet “String Quartets”
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