A banda O Terno vestiu um fato diferente do que costumava vestir, e é certo que lhe assenta como uma luva. O antigo estará a aguardar uma outra e futura oportunidade? É provável, mas o de agora parece ter sido moldado ao corpo de Tim Bernardes. E, por extensão, à banda que ele próprio lidera.
O Terno é uma banda que sempre nos agradou. Esse apreço começou em 66, disco de 2012, evoluiu para o disco homónimo que fizeram dois anos depois, passou para Melhor Do Que Parece (2016) e chega agora intacto a <atrás/além>. No entanto, como é natural que aconteça, a banda evoluiu, aproximando-se cada vez mais do que Tim Bernardes, a cabeça mais pensante do grupo, vem fazendo ultimamente. É bom lembrar que o primeiro disco a solo de Tim Bernardes (Recomeçar, 2017) foi um dos melhores discos brasileiros do ano do seu lançamento, considerado por muitos, e também por nós, uma obra-prima instantânea. Esse trabalho a solo marcou definitivamente este recente quarto disco da banda paulistana. Parece não ser possível contradizer esta verdade. Algumas das canções (quase todas) que constam no álbum provam exatamente aquilo que dizemos. E, para além disso, o tom requintadamente mais roqueiro de muitas das faixas dos anteriores discos, parece estar completamente ausente deste recente <atrás/além>.
Vamos por partes: a maneira, o jeito, a dicção do canto de Tim Bernardes revelam-se cada vez mais idiossincráticos. Isso são marcas bastante importantes para a vida de um artista. Mas, como se não bastasse o que foi escrito no início deste parágrafo, também a composição, o balanço mais lento, mais melódico, mais nostálgico aqui adotados, estão bastante próximos (poderemos mesmo dizer colados) de Recomeçar, esse tremendo arranque em nome próprio do esguio e desengonçado rapaz de óculos e cabelos longos. Há, aliás, uma quadra que parece confirmar tudo isto. Diz assim: “E o que eu vou fazer? / Tenho que pensar sozinho / Não vão me ajudar / Eu vou decidir sozinho”. Poder-se-á pensar que estes versos, quando retirados do contexto dos restantes, estarão a ser usados a despropósito. Talvez seja exatamente isso o que fazemos e assumimos aqui. No entanto, a eventual verdade extrapolada da sua significação serve perfeitamente a ideia central do que afirmamos: a banda está cada vez mais dependente do seu líder, e isso nota-se bastante em <atrás/além>.
Falemos, então, das canções presentes neste quarto álbum de estúdio d’O Terno. Elas são doze, e quando ouvidas de seguida e sem interrupções, ocupam quase cinquenta minutos do nosso tempo. Algumas, uma boa mão cheia delas, merecem claro destaque, não apenas pela qualidade melódica de cada uma, como também pelas letras cantadas. São de excelência e respondem pelos nomes de “Tudo Que Eu Não Fiz”, “Pegando Leve” (talvez a maior entre as maiores), “Atrás/Além”, “Nada/Tudo”, “Volta e Meia” (tema cantado a três vozes: à de Tim Bernardes juntam-se as do japonês Shintaro Sakamoto e a do norte-americano Devendra Banhart) e ainda “Passado/Futuro”. Todas delicadas, clássicas (no sentido composicional mais restrito), mas bastante contemporâneas nos discursos poéticos produzidos. Curiosa a opção seguida em alguns dos títulos dos temas (e do próprio álbum também), todos eles formulados por expressões de significações antagónicas, talvez revelando as margens totais e opostas das modernas gerações que abarcam (ou se iludem, no sentido de poderem abarcar) a totalidade do mundo, dos desejos, das vontades, das emoções.
Parece claro que algum do rock meio psicadélico / meio MPB que a banda soube cultivar nos primeiros álbuns, em <atrás/além> foi chutado pra escanteio. E assim, em substituição dessa primeira imagem de marca, outra começa a sobressair, como já referimos anteriormente. O presente disco parece começar onde Recomeçar termina. Ou seja, de mãos e corações dados e comprometidos com um novo e mais delicado caminho, como se houvesse uma vontade (perante a descoberta e a urgência deste novo trilho?) e uma necessidade absolutas da banda (ou apenas de Tim Bernardes?) se auto-plagiar, de se auto-referir constantemente. No final, ficamos com algumas certezas, e uma maior do que as restantes: um dos mais bonitos álbuns do ano de 2019 cantados em português está definitivamente encontrado!
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