Entre o último disco e o novo, Sharon Van Etten fez uma data de coisas: foi actriz, voltou à faculdade, cantou nos discos de vários amigos e foi mãe pela primeira vez. No regresso às suas próprias canções, mudou a forma mas manteve o conteúdo. Canta as mesmas dores de amor, mas agora em ambientes electrónicos bem mais escuros.
Quando estreou o primeiro single, “Comeback Kid”, e anunciou que o novo disco seria mais electrónico, pensámos que o álbum ia ser apontado à pista de dança. E esse single até se presta a isso, mas além dessa só há mais uma ou outra canção que remete para esse ambiente.
Afinal, embora tenha mudado, não mudou assim tanto. Sharon Van Etten continua a ser a cantautora que conhecemos desde 2009, quando se estreou com Because I Was In Love. Continua a cantar as suas dores de amor – agora mais dores de crescimento – continua a vasculhar as mesmas gavetas interiores de onde sempre vieram as suas canções. Continua a parecer frágil com voz forte. Mudou apenas o embrulho das canções. Na raiz, continuam a ser relatos íntimos, sussurrados ao ouvido, que sobreviveriam bem apenas com viola ou piano.
Mas agora, a meio dia trintas, com um filho nos braços e com outros quatro discos na bagagem, não quis repetir as receitas do passado. Mas também não deu uma volta de 180 graus.
Desde Are We There (2014), Sharon não esteve parada. Voltou à Universidade para estudar Psicologia; foi à televisão, como actriz na série The OA e como intérprete em Twin Peaks; compôs uma banda sonora e cantou em discos de amigos, como os Spoon, Lee Ranaldo ou Marissa Nadler. E, no final de 2017, foi mãe pela primeira vez.
Várias mudanças a acontecer na vida da autora, que quis continuar a pisar novos territórios quando foi altura de fazer um novo álbum de originais.
Embora alguns dos novos elementos deste novo disco já estivessem presentes no anterior – de forma mais ligeira – em Remind Me Tomorrow quis mergulhar a fundo em novos ambientes. As canções de sempre e o tom confessional estão agora assentes numa cama electrónica de sintetizadores graves que criam uma atmosfera bem mais negra, nocturna, assombrada.
Quando se falou em electrónica, ao início, podia pensar-se em acelerar as batidas-por-minuto mas, excepção a duas ou três músicas, o ritmo mantém-se em lume brando. Está só mais intenso. E muito por culpa de John Congleton, produtor escolhido para ajudar a criar este universo, onde as canções deixam de ser frágeis e ganham uma robustez maior do que nos quatro álbuns anteriores de Sharon Van Etten.
Remind Me Tomorrow é um disco bastante nocturno. “Comeback Kid” e “Seventeen” (que pede um dueto com Bruce Springsteen), podem ser bem ouvidas debaixo da bola de espelhos, mas as restantes oito músicas soam melhor se forem ouvidas à noite, sim, mas sozinho no quarto, enquanto Sharon remexe as entranhas dos lugares mais abandonados dentro de nós próprios, onde raramente queremos ir. Mas depois aquela voz quente torna-se boa companhia e fica menos doloroso esse exercício.
Remind Me Tomorrow não é, certamente, o melhor álbum de Sharon Van Etten mas é um disco bastante sólido, com algumas canções exímias e que revela a coragem de mudar. Saudemos isso.
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