quarta-feira, 10 de julho de 2024

Glockenwise – Plástico (2018)

 


Apesar do título, nada na vida nova dos Glockenwise é de plástico. Não é fingido nem é descartável. É uma nova forma de estar, a cantar na língua materna, a fazer uma música mais suave, mas guardando sempre e acima de tudo a identidade já claramente definida. E este é um álbum que vamos querer mostrar aos nossos netos.

Primeiro, chama-nos a atenção pelas letras em português. Depois notamos que a vertigem e urgência estão a começar a dar lugar a um passo mais calmo, mas firme e seguro. Depois ouvimos guitarras acústicas e saxofones, tememos que o rock tenha ficado lá atrás, mas afinal não. Somos encantados pelas melodias viciantes. Chegamos ao fim e demoramos algum tempo a perceber o que nos aconteceu. Mas rapidamente damos conta que este é um grandioso disco, um excelente álbum de rock sem medo de ser pop.

É o quarto disco de estúdio dos Glockenwise, que começaram ainda garotos, em Barcelos, trazendo toda essa energia da garotagem, num rock’n’roll despreocupado mas já com intenção de fazer uma coisa séria. Foi assim quando se estrearam em 2011, aprofundaram em Leeches – que canta sobre serem jovens vagamente desocupados longe de um grande pólo urbano – e em 2015, com Heat, já começaram a encaminhar-se mais para um rock ligeiramente mais escuro. Na garagem ou no mais fino estúdio, os Glockenwise ostentaram sempre uma enorme riqueza melódica, mas esta pérola nunca foi tão evidente como agora, em Plástico. Baixaram (um pouco, não demasiado) as batidas por minuto e esse abrandamento faz sobressair ainda mais as linhas que ficamos a trautear o dia inteiro. Ajuda, por certo, a presença mais frequente de guitarras acústicas, acompanhadas em algumas canções por um charmosíssimo saxofone (ouça-se “Dia Feliz” e tente depois tirar-se essa música da cabeça).

Podemos apelidar de maturidade, esta coisa de abrandar o passo e transferir o foco da urgência rockeira para o luxo melódico e semântico. Mas maturidade, só por si, não quer dizer nada. O bom gosto que trazem para as canções e a simplicidade com que o executam, certificam que houve de facto um salto qualitativo. Então os Glockenwise mostram que cresceram 10 anos, só entre o disco de 2015 e hoje. Mas este câmbio não é de plástico, nada aqui soa a abrupto nem a guinada forçada nem a falso. O alinhamento do disco é certeiro, as primeiras três canções arrancam do lugar onde Heat parou e as restantes seis músicas são o encadeamento lógico que vai mostrando os novos caminhos da música do grupo (a canção que fecha o disco, “Bom Rapaz”, acaba com um solo de saxofone de quase 2 minutos). Um disco que é a mais perfeita manhã de sol.

O último trabalho a solo do vocalista Nuno Rodrigues terá decerto ajudado a enformar este novo som dos Glockenwise. Em Duquesa, foi mostrando um lado mais delicado e no último EP, Norte Litoral (2017), lançou as suas primeiras canções em português.

Ora, Plástico é o primeiro disco dos Glockenwise todo cantado na língua materna mas também aqui não há guinada nenhuma, não é postiça – de forma nenhuma – a transição do inglês para o português. É uma evolução natural de quem quer ser ouvido e entendido à primeira, sem mediação e expondo-se um pouco mais. E se em alguns casos recentes temos assistido a um tratamento leviano da língua (houve ali uma altura em que só usavam a nossa língua dois tipos de cantores – os pirosos ou os muito bons), os Glockenwise entram directamente para o patamar mais alto.

Sem grande pretensão críptica, de escrita simples e mordaz, Nuno Rodrigues adaptou-se lindamente à nova forma de cantar os ditongos. Canta agora sobre os desassossegos da chegada da idade adulta, num mundo que precisa de «um tom de voz mais terno». Canta um belíssimo amor moderno: « Prometemos mas não damos nós/nem compramos casa/juntamos trapos» (em “Sempre Assim”). Canta as alegrias de não deixar tarefas por cumprir: «Tratei o que tinha a tratar/voltei de onde tinha de vir», em “Dia Feliz”, pode ser muito mais, mas pode também sobre ir às Finanças e ao supermercado. E se pela música não conseguimos datar este álbum, pelas letras cheira a 2018. Desde logo pelos apontamentos de ironia com que se desmonta os irónicos. Ironia verdadeira, figura de estilo e recurso linguístico, não o “movimento” vigente que transforma coisas hediondas em peças valiosíssimas. «Sou tão moderno que deixei de comer/sou tão moderno que não respiro ar». Prossegue assim ao longo do disco, brincando aqui e ali com este mundo de consumo imediato mas sem ser moralista nem panfletário.

Outra nota a salientar neste disco é o tributo ao Norte. Quando cantavam em inglês, as referências e inspirações eram dispersas. Ao ouvir cantar com sotaque, não podemos deixar de pensar nos melhores trabalhos dos GNR (Alexandre Soares é guitarrista convidado em 3 músicas), Táxi ou Ornatos Violeta. Felizmente, Portugal não é só Lisboa.

Em suma, estamos perante um dos mais belos discos desta geração do rock nacional desta geração. São apenas nove canções e cada uma é melhor que a anterior, não há altos e baixos – começa, decorre e acaba sempre no nível mais alto. E não deixa de ser curioso que o álbum é lançado em Dezembro, altura em que nos babamos por listas de melhores do ano, mas um lançamento nesta altura complica um bocado essas contas. Só que os Glockenwise não estão a apontar a 2018, estão a deixar um carimbo forte que não é de mastigar e deitar fora, daqui a 20 anos vamos continuar a achar que este é um disco essencial.



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