terça-feira, 2 de julho de 2024

The Beatles “Love Me Do” (1962)

 Passam amanhã 60 anos sobre o momento em que chegou às lojas “Love Me Do”, o single que inaugurou a discografia dos Beatles, episódio maior num ano que começara bem mal para a banda nascida em Liverpool. 

Quem diria que 1962, o ano que acolheu a estreia em disco dos Beatles, tinha começado da pior maneira possível para o grupo? Pois uns dez meses antes de “Love Me Do” ter chegado às lojas de discos, os quatro elementos do grupo e o seu manager, Brian Epstein, entravam num estúdio londrino para uma sessão que lhes poderia valer o tão desejado acordo com uma editora. E não era uma qualquer editora. Era a Decca… Foi logo a 1 de janeiro, isto numa altura em que o primeiro disco do ano não era feriado. Tal como conta o biógrafo Hunter Davies, a marcação da sessão era fruto de um tipo de “pressão” que Epstein podia fazer sobre editoras, já que era dono de uma importante loja de discos em Liverpool.

Os quatro músicos tinham viajado até Londres numa carrinha maior especialmente alugada para a ocasião. Eram, então, John Lennon, George Harrison, Paul McCartney e, ainda por aqueles dias, o baterista Pete Best. Ao volante ia Neil Aspinall. Perderam-se pelo caminho, mas chegaram a Londres ainda antes das 12 badaladas. Ficaram num hotel na zona de Russell Square e contam-se histórias de terem tentado comer uma sopa ali perto, em Charing Cross Rd, e de terem protestado pelo preço… 

Na manhã seguinte Brian Epstein, que tinha viajado de comboio, foi o primeiro a chegar ao estúdio. Depois chegaram os músicos, que ligaram eles mesmos os seus amplificadores e começaram a tocar. Hunter Davies conta  no seu livro memórias desse episódio: “Brian aconselhou-os a tocar apenas standards, pelo que não apresentaram canções suas. (…) Estavam assustados. O Paul não conseguiu cantar uma das canções. Estava muito nervoso e a sua voz não aguentou. Estavam meio assustados com a luz vermelha”. Na biografia oral “Anthology” George Harrsison recorda que por aqueles dias “muitas das canções de rock’n’roll eram temas antigos dos anos 40 e 50, ou lá o que fosse, que tinham sido arrocalhados. Era o que se fazia se não se tinha temas próprios: arrocalhar um tema antigo. Joe Brown tinha gravado uma versão rock’n’roll de The Sheik Of Araby”. George cantou Sheik Of Araby. Paul cantou September in The Rain… Ao todo a sessão durou cerca de duas horas e, depois, fez-se silêncio… 

Passou algum tempo até que finalmente chegasse uma resposta da Decca. Um “não” que na verdade não esperavam, como de resto se pode deduzir a partir das memórias que Lennon e McCartney partilham em “Antology”. McCartney explica ali que consegue compreender porque fracassaram nessa ocasião e acrescenta até que, naqueles dias, os Beatles não eram então “assim tão bons, apesar de haver ali algumas coisas interessantes e originais”. John Lennon, por seu lado, afirma ali que não teria respondido aos  Beatles com um “não” com base naquela sessão: “Soava bem. Especialmente a segunda metade (…) Não havia muita gente a tocar música daquela maneira, então. Acho que a Decca esperava que fossemos mais polidos, mas estávamos apenas a gravar uma maquete! Deviam ter visto o nosso potencial”.

Matinham-se assim sem editora, mas gozavam d um estatuto em franca afirmação (sobretudo em casa, ou seja, em Liverpool), pelo que logo regressaram aos palcos, tendo surgido então por várias ocasiões no cartaz do Cavern logo nas primeiras semanas do ano. E logo em janeiro desse ano surgem em disco como banda de acompanhamento de Tony Sheridan (apesar de indicados na capa do disco como The Beat Brothers).

Ao “não” da Decca juntaram-se depois outras respostas semelhantes em várias editoras. Fizeram mesmo uma coleção de “nãos”… Mas Brian Epstein não desistia. E continuava à procura de alguém que se interessasse pelos Beatles. E para facilitar o trabalho pegou nas fitas das sessões de 1 de janeiro e levou-as à loja da HMV em Oxford Street (em Londres), com o intuito de as registar em disco. E foi aí que a sorte começou a mudar. O técnico que o recebeu escutou a gravação, gostou do que ouviu, chamou a atenção de um Publisher que trabalhava no andar de cima, acrescentando que ia falar a um amigo seu sobre o que ali estava a ouvir. O amigo não era mais do que George Martin, com quem Brian Epstein acabou então por falar, enviando logo depois aos Beatles (entretanto a passar nova temporada de trabalho em Hamburgo) um telegrama onde os avisava que a EMI lhes pedia uma sessão, pelo que era preciso ensaiar novas canções.

E é por esses dias que os Beatles tinham começado a integrar canções de sua autoria no alinhamento dos seus concertos. E entre essas primeiras canções estava Love Me Do, que na verdade tinha já uma história antiga, lembrando Lennon, em “Anthology”, que Paul a tocava desde os 15 anos. A sessão para a EMI (via Parlophone, etiqueta à qual George Martin estava ligado) teve lugar a 6 de junho de 1962. Brian Epstein tinha já informado o produtor sobre a lista de canções que poderiam tocar, entre as quais estavam Love Me Do, PS I Love You, Ask Me Why e Hello Little Girl. Todavia, como explica Hunter Davis na sua biografia dos Beatles, as “sugestões principais” eram ainda versões de standards como, por exemplo, Besame Mucho”. A sessão, pelos vistos, correu bem e foi um momento bem humorado que selou desde logo um bom relacionamento futuro com o produtor. Mesmo assim a resposta não foi imediata, tendo chegado apenas semanas mais tarde, já em julho. É aí que o produtor fala do interesse da Parlophone em assinar um contrato com os Beates. O momento de felicidade foi total mas, como descreve Hunter Davis, “não disseram nada a Pete Best”… Paul McCartney descreveria mais tarde que George Martin os chamou para vincar que estava insatisfeito com o baterista, perguntando se admitiam a hipótese de o trocar. Podemos ler em “Anthology” observações de Lennon e McCartney sobre o baterista, usando expressões como “inofensivo” ou “limitado” ou uma observação que nota que “não era rápido”, notando-se, como contraponto, que a chegada de Ringo Starr lhes trouxe “outro impulso”, alguns “breaks mais imaginativos”, uma “batida sólida”, além de observações sobre uma “inteligência lacónica” e até o “charme à Buster Keaton”.

Já com Ringo a bordo, os Beatles tinham finalmente pela frente a sessão oficial para a gravação de um primeiro single. E para a ocasião foi escolhido Love Me Do, uma canção que, segundo George Martin (como descreve Hunter Davies) tinha a sua alma na harmónica tocada por John Lennon. A sessão teve lugar a 4 de Setembro de 1962. Os músicos (incluindo Pete Best) chegaram a estúdio às dez em ponto e montaram o seu equipamento, estando prontos, meia hora depois, para começar a gravar as quatro canções que tinham ensaiado, entre as quais estava também Please Please Me. Pararam para almoçar no Alma Club, mesmo na esquina das traseiras de St John’s Wood. E voltaram a gravar durante a tardem, até às 17.30. Uma semana depois, a 11 de setembro, quando regressam para completar as sessões, encontram um outro baterista à espera dos Beatles… Era Andy White, um músico habituado a tocar em sessões de estúdio que George Martin tinha chamado para, a seu ver, garantir que tudo corresse bem… O produtor, como recorda Ringo em “Anthology” usou o “profissional”. Ringo acrescenta que White estava já de sobreaviso “por causa do Pete Best”, pelo que o produtor “não queria correr riscos”. Mas, nas suas palavras, Ringo ficou “ali apanhado no meio” e acabou “devastado” pelo facto de George Martin ter duvidas sobre as suas capacidades. Não faltaram depois, nos anos seguintes, muitas ocasiões em que George Martin pediu desculpa a Ringo pelo que ali aconteceu na segunda sessão de gravação. E essa troca é a razão pela qual, no single, não escutamos Ringo em Love Me Do, facto que seria depois corrigido na versão usada depois no álbum Please Please Me, lançado no início de 1963.

Entre aquelas sessões, em setembro de 1962, gravaram ao todo 17 takes de Love Me Do. No lado B do single surgia P.S. I Love You, tema que chegou a ser ponderado para o lado A, perdendo a escolha em favor de Love Me Do. Na verdade George Martin chegou a ponderar ainda editar no lado A uma versão de um tema de Mitch Murray, acabando por optar por um original dos Beatles. 

A 5 de outubro chegava às lojas um sete polegadas com capa genérica mostrando as cores então usadas em lançamentos da Parlophone a 45 rotações (as capas ilustradas correspondem a reedições posteriores). Ainda longe dos êxitos maiores que chegariam em 1963, o single de estreia dos Beatles alcançou o número 17 no Reino Unido. Hoje podemos escutar as versões gravadas com os três bateristas (surgindo a de Pete Best, registada na sessão de audição para a EMI, na compilação Anthology 1). 


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