Os Zeal & Ardor continuam o seu demente projecto de misturar canções de trabalho do sul profundo com black metal escandinavo. Estranhamente, com óptimos resultados.

A criatividade pura, criar o novo a partir do nada, não existe. Tudo começa sempre a partir de alguma coisa. O acto criativo mais não é do que uma recombinação de coisas que já existiam. Antes dos Zeal & Ardor, ninguém se tinha lembrado de colocar na mesma panela géneros tão díspares como as canções de trabalho dos escravos negros americanos (a origem do gospel e do blues) e o black metal escandinavo (extreme metal satânico, com uma estética suja e primitiva). Mas Manuel Gagneux lembrou-se, e é aí que reside a originalidade do seu projecto.

Claro que a novidade, por si só, não basta. É preciso que a coisa nova esteja bem feita. Não nos devemos preocupar demasiado a este respeito. Manuel Gagneux (suiço da parte do pai, americano da parte da mãe) já sabia bem o que fazia no seu belo disco de estreia. Mas Devil is Fine foi sobretudo um manifesto, onde em apenas 25 minutos anunciou ao que vinha. Stranger Fruit é diferente. Com os seus 47 minutos de largueza, as ambições são outras, cumprindo – e extravasando- tudo o que havia prometido dois anos antes.

Tudo agora é mais fluido. As transições entre os campos de algodão do Mississippi e a neve ensanguentada da Noruega são agora mais orgânicas. Não nos apercebemos de qualquer linha de costura. Quando irrompem as explosões satânicas de black metal, parecem-nos a consequência lógica do que já estava antes latente nos cânticos sulistas de chamada e resposta. É a presença do mal que assegura essa continuidade. O diabo já estava presente nas correntes que aprisionavam os escravos.

Tudo agora é mais pesado, também. A violência do black metal, tímida ainda em Devil is Fine, perde agora a vergonha. Em Stranger Fruit, os gritos satânicos são mais estridentes, o duplo bombo é mais rápido e tonitruante, a guitarra é mais suja e diabólica. Tudo agora é mais violento, mais sinistro e mais macabro. Como em tempos foi o sul profundo. E como tudo agora parece regressar outra vez…