Com Rainier Fog, os Alice in Chains regressam com um disco negro e denso, marcado pela sombra da história musical de Seattle.

Não há muitas bandas que tenham passado por tanto como os Alice in Chains, e saído do outro lado com vida. Dos quatro membros fundadores, restam dois na banda, o mentor, guitarrista e vocalista em part-time, Jerry Cantrell, e Sean Kinney, o baterista de sempre. Os outros dois não estão apenas ausentes do conjunto, estão ausentes deste mundo. Primeiro, o magnético e carismático vocalista Layne Staley, morreu em 2002, aos 34 anos, devido ao abuso de drogas, algo que o atormentou durante toda a vida adulta. Depois disso, o baixista fundador Mike Starr faleceu em 2011, tendo sido substituído nos Alice in Chains logo em 1995. O longo e gélido braço da morte por abuso de heroína é histórico na cena de Seattle, mas poucas bandas o terão sentido tanto na pele, ou abordado o tema de forma tão vincada nas suas músicas.

Daí que os Alice in Chains tenham, na verdade, várias vidas, sendo Kinney e, sobretudo, Cantrell, o grand fio condutor. Em termos simplistas, há uma vida com Layne Staley (sobretudo até 1996) e os últimos dez anos, com o regresso aos discos como o sólido Black Gives Way To Blue, de 2008, que marcou a estreia de William DuVall na voz. E, se muitos dos fãs (todos?) continuam a chorar a perda do inimitável Staley, muitos reconhecem a via aberta por DuVall: no mínimo a continuidade e a sobrevivência; na verdade uma nova vida.

Este Rainier Fog é o terceiro disco desta nova vida, depois desse óptimo disco de 2008 e de The Devil Put Dinosaurs Here, de 2013. Ou seja, os “novos” Alice in Chains já têm tantos discos de originais como os “velhos” Alice in Chains de Layne Staley. Por mais que amemos os primeiros tempos de quando o grunge governava a Terra, é tempo de andar para a frente.

Curiosamente, em Rainier Fog, Cantrell volta atrás. Talvez tenha sido a recente morte de Chris Cornell, um bom amigo e velho companheiro de luta nos bares do grunge de Seattle, a última entrada numa longa lista de irmãos caídos. A resposta foi voltar a Seattle, que Cantrell abandonara há vários anos pelo sol de Los Angeles. O grosso da gravação foi feito no Studio X (antigamente chamado Bad Animals), um velho covil dos Alice in Chains, onde gravaram o seu terceiro disco, homónimo, em 1995. A cidade natal foi, aliás, palco de várias iniciativas de lançamento do disco, com uma forte carga sentimental.

Até no título, Rainier Fog é dedicado a Seattle, que tem nas redondezas o monumental vulcão Rainier, habitualmente coberto de neve e rodeado de nevoeiro. O tom do disco é coerente, com um ambiente negro a perpassar por praticamente todas as faixas. “Rainier Fog”, a música que dá nome ao álbum, acaba por ser a chave emocional para o descodificar. É um tema de dor, de saudade, de resistência, assumidamente inspirado na experiência musical da Seattle dos anos 90. É também uma das músicas mais fortes do disco, tendo sido inicialmente trabalhada por Cantrell e por Duff McKagan, dos Guns n Roses, que também é de Seattle.

Os Alice in Chains sempre foram representantes da ala mais pesada do grunge, com assumidas influências do metal, e isso volta a ser evidente. A abertura, com o single “The One You Know” – que nem sequer é dos temas mais conseguidos do álbum – mostra isso mesmo, com um riff monolítico e poderoso a trazer o “sludge” e algum doom que Cantrell, na verdade, sempre fez. Todo o disco é impregnado desse peso, com músicas complexas, com várias camadas que se vão desvendando após sucessivas audições.

Segue-se o mencionado “Rainier Fog”, que dá de imediato um grande fôlego e nos mostra que podemos avançar sem medos, num tema que começa enérgico e pesado, parando a meio para uma fase de lindíssima acalmia, arrancando depois para um final apoteótico.

“Red Giant” é um trabalho denso e negro, ao qual se segue a respiração mais leve de “Fly”, alimentada por um dedilhado acústico mas cujo trabalho da guitarra-solo de Cantrell eleva a um patamar maior. “Drone” arrasta-se ameaçadoramente para lá dos seis minutos, assente numa estrutura de riffs que é vintage Alice in Chains, com muito do tal já mencionado sludge. Segue-se “Deaf Ears Blind Eyes”, lento e metálico, que prolonga o negrume e o tom de ameaça iminente que tanto habita todo o disco.

A tensão é finalmente libertada com “Maybe”, que não começa particularmente enérgica mas que arranca para uma ponte e um refrão fantásticos, numa grande música que será, talvez, a mais acessível de todo este trabalho. No entanto, “So Far Under” devolve-nos imediatamente à noite e ao sabor industrial da Seattle mais pesada. “Never Fade” saiu da pena de DuVall, e é assumidamente  inspirada nas mortes recentes na sua vida, tanto familiares como de Chris Cornell.

Rainier Fog termina com o seu momento mais belo, “All I Am”, uma balada dorida como os Alice in Chains sempre fizeram fazer, muito emotiva e bem construída (aquela entrada da guitarra de Cantrell a partir do primeiro minuto, meu deus…). Com uma duração acima dos sete minutos é a música mais longa de todo o disco, num caminho que vai evoluindo sem nunca perder o rumo. É um final em beleza, ainda que com dor.

A solidez e coerência temática e estilística de Rainier Fog são absolutamente à prova de bala. O som dos Alice in Chains está escrito em pedra, e as suas marcas são imediatamente reconhecidas aos primeiros acordes, no seu estilo muito próprio. No entanto, o negrume e a escuridão que reinam por estas bandas só a espaços deixam alguma luz e esperança entrar. O que sobra em mestria e coerência escasseia, no entanto, no que toca a singles óbvios mais “pop”, por comparação com malhas clássicas da banda como “Man in the Box” ou “Would?“, dos primeiros dois discos. Esta segunda vida dos Alice in Chains, aliás, tem trazido essa diferença: uma música menos imediata, mas mais trabalhada e densa. É por causa dessa densidade e profundidade que Rainier Fog não é um disco fácil, obrigando a esforço de atenção do ouvinte até revelar a sua riqueza. Como consequência, será um disco que agradará aos fãs de sempre da banda e do seu som, mas que dificilmente lhes trará novos seguidores.

Os Alice in Chains são, de certo modo, os últimos sobreviventes de uma época e de um estilo (os Pearl Jam já desde os anos 90 deram o salto de abrangência para outro patamar). Das ruas frias e sujas de Seattle para o mundo, tantos anos depois, Cantrell e os seus rapazes continuam a dar-nos o seu rock, como vimos recentemente no palco dos NOS Alive. Rainier Fog é mais um sólido capítulo, pintado a negro.