segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Spiritualized® – And Nothing Hurt (2018)


 

Com Jason Pierce é sempre assim. Os seus pequenos demónios transformam-se na mais bela música. And Nothing Hurt não escapa a essa boa sina. Ladies and Gentlemen, os Spiritualized® estão de volta!

A primeira nota é de enorme contentamento. Num tempo sempre tão apressado como o nosso, aguardar por algo ou por alguém é muitas vezes um ato de difícil digestão. Com Jason Pierce a espera nunca é pequena, e já lá vão seis anos desde a última visita discográfica de J. Spaceman (o pseudónimo do homem aqui em questão). Estávamos em 2012 quando veio ao mundo Sweet Heart Sweet Light, e depois desse ótimo álbum, pouco se foi sabendo do que o espiritualizado Jason Pierce ia fazendo. Finalmente, deu agora à costa e parece, pela capa do disco, ter chegado de uma qualquer região muito para além da atmosfera terrestre. Provavelmente esteve floating in space. Não é de estranhar. Não seria a primeira vez, mas correm terríveis rumores que poderá muito bem ser a última. Vamos pensar que não. Entretanto, há temas novos. Nove, para sermos exatos, naquele que talvez seja o disco mais curto dos Spiritualized®. Chama-se And Nothing Hurt, e é um regalo!

Ninguém faz música como os Spiritualized®. Quem disser o contrário merece severo castigo, e igual punição seria igualmente justa para todos aqueles que teimam em passar ao lado de uma banda que conta já com um extenso passado discográfico de excelência. Relembremos, por exemplo, Lazer Guided Melodies (quando tudo começou, em 1992), Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space (disco de 97, que para muitos continua a ser a mais perfeita obra da banda) ou Let It Come Down (2001). O space rock, se assim pudermos chamar, dos Spiritualized® não se confunde com nenhum outro. Sofre de forte personalidade artística, ao ponto de pensarmos, por vezes, que muitas das suas canções são continuações, reminiscências de anteriores temas, lembranças baças (quase apagadas) de memórias e imaginários já explorados em álbuns passados. Curiosamente, o que poderia parecer apenas uma espécie de repetição é, no nosso entendimento, um dos mais poderosos trunfos da obra de Jason Pierce. Essa cíclica e regular formulação faz-nos regressar à essência do caráter distintivo deste extraordinário músico. Perfecionista como poucos, Jason Pierce não foge ao seu caminho, nem dele se desvia sequer um único milímetro. No entanto, tudo também soa a novidade. Como se consegue tal proeza? Só mesmo J. Spaceman poderá explicar, embora para nós, ouvintes assíduos e atentos do que vem fazendo desde os tempos dos Spacemen 3, isso tenha muito pouco interesse. Talvez a sua arte seja apenas a expressão fiel dos seus medos, problemas, angústias, vontades e desejos. Isso seguramente deve ajudar.

Mas vamos às canções. O disco abre com a lindíssima “A Perfect Miracle”, que ecoa, a espaços, a “Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space”, primeiro tema do álbum com o mesmo nome. É a abertura perfeita, sem dúvida. A linha melódica, a voz que parece querer passar sem que se note muito nela, as orquestrações. Vintage Spiritualized®! Segue-se “I’m Your Man”, canção com um ritmo bem marcado, cadência firme, boas e possantes guitarras, sopros a preceito, um outro clássico, portanto. O toque a gospel, mesmo que longe de ser gospel genuíno, surge em vários momentos do disco, como em “Here It Comes (The Road) Let’s Go”, sobretudo nos coros. “Let’s Dance” é tudo menos um convite explícito ao movimento cadenciado do corpo. Tema tranquilo, sem exaltações, sem os ups and downs sonoros tão típicos de muitos dos temas dos Spiritualized®. Depois vem a incrível “On The Sunshine”, mais elétrica, cheia de charme e estilo, meio nasty rock n’ roll, lembrando Spacemen 3. “Damaged” e “The Morning After” são outros dois portentos. Na primeira temos blues à maneira “flutuante” de Jason Pierce. Canta-se “Feel like I’m floating / And I’m laid out in time / Darlin’ I’m lost / And I’m damaged / Over you”. Lindo! Na segunda, já mais atrevida do ponto de vista rítmico, os fantasmas da desgraça e da morte pairam na cabeça de Janey, personagem que não se adapta ao mundo atual. Misto de rock e free jazz (já próximos do quinto minuto a desnuda é total), “The Morning After” é um tema fabuloso, intenso, pleno de psicadelismo. “The Prize”, o tema seguinte, é a calma depois da tempestade. O embalo é perfeito, e parece que valsamos com o que ouvimos, cantando o refrão “And I don’t know if love’s the prize”. Finalmente (o disco tem cerca de 49 minutos), “Sail on Through”, bela forma de dizermos adeus a um disco brilhante, feito para dele se gostar numa primeira audição, mas repleto de particularidades que o farão crescer e crescer e crescer.

And Nothing Hurt é um disco repleto de interesse e um regresso feliz dos Spiritualized®. Um álbum que deve ser ouvido do princípio ao fim sem se saltar por cima desta ou daquela faixa, até porque todas são meritórias e merecedoras da nossa atenção. Riquíssimo, este novo Spiritualized®. Estamos rendidos, vergados ao encanto e ao génio de Jason Pierce!


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