segunda-feira, 2 de setembro de 2024

“Zélia Duncan” (Warner,1994), Zélia Duncan

 


Na transição dos anos 1980 para os anos 1990, Marisa Monte emergiu como uma figura proeminente na música brasileira, pavimentando caminho para uma nova geração de talentos femininos na MPB. Seu sucesso abriu portas para artistas como Adriana Calcanhotto e Cássia Eller, que em 1990 lançaram seus álbuns de estreia, respectivamente Enguiço e Cássia Eller. Enquanto isso, naquele mesmo ano, uma cantora com voz de contralto chamada Zélia Cristina também lançava seu primeiro álbum, Outra Luz. Contudo, ao contrário de Calcanhotto e Cássia, que emplacaram cada uma o primeiro sucesso, Zélia Cristina não teve repercussão alguma com seu primeiro álbum; foi praticamente ignorada pelo público e pela crítica. Somente quatro anos depois, e com um novo nome artístico, foi que essa cantora carioca de voz grave alcançaria sucesso nacional como Zélia Duncan com canção “Catedral”.

Mas até se tornar famosa de norte a sul do Brasil com a nova alcunha artística, Zélia percorreu um longo caminho. Zélia Cristina Duncan Gonçalves Moreira nasceu em 28 de outubro de 1964, em Niteroi, no Rio de Janeiro. Porém, passou um período da vida morando em Brasília, onde fez a sua primeira apresentação na Sala Funarte, em 1981, aos 17 anos. Seis anos depois, volta para Niteroi, indo morar com a sua avó. Trabalhou no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, e depois, talvez como uma forma de estar mais próxima da música, foi trabalhar como locutora da rádio Fluminense FM, onde usava o nome Cristina Moreira. Em seguida, foi vocal de apoio dos cantores José Augusto e Bebeto.

Em 1990, cantora lançou o seu primeiro trabalho fonográfico, o álbum Outra Luz, pela gravadora Eldorado, mas sob o nome Zélia Cristina. No entenato, o álbum não causou absolutamente nenhuma repercussão. No final do ano seguinte, Zélia parte para os Emirados Árabes Unidos, e lá passou uma temporada de cinco meses cantando num hotel de luxo, o Meridien. E foi nesse período que a cantora compôs uma grande quantidade de canções. Zélia retorna ao Brasil em 1992 e é convidada por Almir Chediak para a gravar “Sábado Em Copacabana” para o songbook de Dorival Caymmi. Chediak apresenta Zélia a Beth Araújo, da gravadora Warner, que convida a cantora para companhia. Zélia assina contrato com a Warner, e por sugestão do presidente da gravadora, Zélia altera seu nome artístico de Zélia Cristina para Zélia Duncan (sobrenome de solteira de sua mãe e uma homenagem à sua avó, Zélia Duncan).

Capa de Outra Luz, primeiro álbum de Zélia Duncan, quando ainda
assinava como Zélia Cristina.

Produzido por Guto Graça Mello, o álbum Zélia Duncan foi lançado em agosto de 1994. Na prática, foi o segundo álbum de estúdio de Zélia, contando com Outra Vez (1990), porém, foi o primeiro a trazer a cantora com seu novo nome artístico. O álbum é composto por doze canções sendo seis delas, fruto da parceria de Zélia com o músico, arranjador e compositor uruguaio, radicado no Brasil, Christiaan Oyens, uma figura de fundamental importância naquele momento na carreira de cantora. A outra metade é são parceria de Zélia com outros compositores e covers de canções de outros artistas como “Lá Vou Eu”, gravada por Rita Lee (1947-2023) e “Catedral”, versão em português de “Cathedral Song”, da cantora canadense Tanita Tikaram. Musicalmente, Zélia Duncan, o álbum apresenta um repertório que transita entre a MPB, o pop e a folk music, uma receita que casou muito com a voz de contralto de Zélia.

O dedilhado de bandolim do parceiro de Zélia, Christiaan Oyens, dá início à canção “Não Vá Ainda”, que abre o álbum. Essa balada folk versa sobre angústia e a incerteza de um relacionamento conjugal que está prestes a acabar. Ainda assim, o eu lírico tenta reverter a situação, chegando a implorar à pessoa amada para que ela não vá embora. “O Meu Lugar (No Way)” é sobre alguém que tenta se adaptar num novo lugar, uma nova morada e enfrentar a distância que o separada da pessoa amada. Os versos refletem sobre a distância emocional e física que separam o eu lírico da pessoa que ele ama, bem como a impossibilidade de um retorno imediato para matar a saudade de forma imediata. Em “Sentidos”, Zélia expressa o desejo intenso de conexão física e emocional com a pessoa amada, e busca compreender e compartilhar suas emoções.

O reggae “Nos Lençois Desse Reggae” trata sobre escapismo e de desejo pela liberdade, onde o indivíduo encontra na música uma forma de aliviar as agruras da vida cotidiana, desejando vivenciar uma experiência sensorial que o transporte para longe, de preferência algum lugar paradisíaco.

A jovem Tanita Tikaram no final dos anos 1980, quando compôs e
gravou "Cathedral Song". No Brasil a canção ficou mais conhecida em
1994 com versão português na voz de Zélia Duncan sob o título "Catedral".

Principal faixa álbum e o primeiro sucesso de Zélia Dunca, "Catedral" explora a solidão e autoconhecimento via metáfora do deserto. A cantora descreve a sensação de atravessar um vazio sem ser notada, destacando a indiferença do mundo. O refrão apresenta uma catedral no silêncio, como espaço sagrado de refúgio espiritual. Este templo interno é lugar de encontro consigo mesma, confrontando a solidão e encontrando conexão com sua essência. A repetição sugere um ciclo de busca contínua, trazendo mais perguntas do que respostas. Expressa complexidade emocional diante da solidão e busca por propósito, convidando reflexão sobre desertos internos e catedrais de significado.

Fechando o lado 1 do álbum, o pop funk “Improvável” traz o personagem central da canção envolvido numa relação amorosa completamente, de corpo e alma. É uma música que faz uma reflexão sobre a irresistibilidade do amor e a sua capacidade de transformar a percepção da realidade. 

O lado 2 do álbum com “Lá Vou Eu”, que traz Zélia Duncan fazendo uma releitura de uma antiga canção de Rita Lee pouco conhecida do grande público até então. Composta por Rita e Luís Carlini, “Lá Vou Eu” faz referência sobre viver numa grande metrópole como São Paulo. “Miopia” versa sobre perda e dificuldade em ter de enxergar a realidade dos fatos. A miopia nesta canção aparece como uma metáfora para a clareza emocional e a incapacidade do indivíduo de ver além das suas próprias limitações.

Zélia Duncan nos anos 1990. 

“Tempestade” é um funk dançante no qual Zélia profere os versos simulando o canto falado do rap. A letra refere-se amor, solidão e consciência social em meio às adversidades. A melancolia de uma noite solitária é o tema de “Um Jeito Assim”, uma canção simples, onde a voz de Zélia é acompanhada de um violão e um naipe de metais que dão um toque jazzístico à canção. “Am I Blue For You” é a única canção em inglês presente no disco. Trata-se de uma regravação de Zélia de uma canção da cantora britânica Joan Armatrading. Os versos expressam a dor e a solidão de um eu lírico cansado e emotivo, que anseia pela presença da pessoa amada.

O álbum chega ao fim com “Eu Nunca Estava Lá”, canção à base de voz e violão, na qual Zélia Duncan aborda a temática da ausência emocional e a dificuldade de se entregar aos sentimentos. O eu lírico reconhece sua tendência de se esconder e evitar experiências emocionais profundas. No entanto, ao perceber a importância do sentir, ele confronta seu costume antigo de se proteger e reconhece a dualidade de sentimentos como uma prisão e uma libertação. A música reflete sobre a complexidade das emoções e o desejo de se permitir viver plenamente.

A primeira faixa de divulgação do álbum foi “Catedral”, o primeiro grande sucesso da carreira de Zélia Duncan e que apresentou a sua voz grave ao grande público. Outras faixas do álbum também se destacaram e chegaram a ganhar a programação das rádios como “Não Vá Ainda”, Sentidos”, “Nos Lençóis Desse Reggae” e “Lá Vou Eu”. Ainda em 1994, “Nos Lençóis Desse Reggae” foi incluída na trilha sonora do seriado Confissões de Adolescente, da TV Cultura, enquanto que “Catedral” embalou a trilha sonora da novela A Próxima Vítima, da TV Globo, em 1995. Nesse mesmo ano, Zélia Duncan deu início à turnê nacional que passou pelas principais cidades brasileiras para a promoção do álbum que alcançou a marca de 160 mil, e deu a Zélia Duncan o seu primeiro disco de ouro.


Faixas

Todas as faixas são de autoria de Zélia Duncan e Christiaan Oyens, exceto as indicadas.


Lado 1

1-“Não Vá Ainda”

2-“O Meu Lugar”

3-“Sentidos”

4-“Nos Lençóis Desse Reggae”

5-“Catedral” (Tanita Tikaran – versão: Zélia Duncan e Christiaan Oyens)

6-“Improvável”

 

Lado 2

7-“Lá Vou Eu” (Rita Lee - Luis Sérgio Carlini)

8-“Miopia” (Lucina - Zélia Duncan)

9-“Tempestade”

10-“Um Jeito Assim” (Zélia Duncan - Paulo André Tavares)

11-“Am I Blue For You” (Joan Armatrading)

12-“Eu Nunca Estava Lá” (Lucina) 


Não Vá Ainda”

“O Meu Lugar”

“Sentidos”

“Nos Lençóis Desse Reggae”

“Catedral”

“Improvável”

“Lá Vou Eu”

“Miopia”

“Tempestade”

“Um Jeito Assim”

“Am I Blue For You”

“Eu Nunca Estava Lá”



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