A senhora Mouraria
Fernando Farinha / Alberto Correia
Repertório de Fernando Farinha
A Mouraria deixou de ser cantadeira
Já veste de outra maneira
Está com aspecto mais novo
Lisboa quis ser sua protetora
E fez dela uma senhora
Lisboa quis ser sua protetora
E fez dela uma senhora
Já não é mulher do povo
Fez do passado um segredo
Agora deita-se cedo
Fez do passado um segredo
Agora deita-se cedo
E acorda cedo também
E o fado, seu antigo namorado
Já se sente envergonhado
E o fado, seu antigo namorado
Já se sente envergonhado
Da beleza que ela tem
Lisboa
Lisboa
Disse adeus à Mouraria
E o fado desde esse dia
E o fado desde esse dia
Com saudade
Sem saber onde morar
Andou perdido a cantar
Sem saber onde morar
Andou perdido a cantar
Pela cidade
Agora
Agora
Que o Bairro Alto o prendeu
E que o povo o recebeu
E que o povo o recebeu
Eu
Que Lisboa nunca diga
Um adeus ao Bairro Alto
A Mouraria já não é a rapariga
Boémia, simples e amiga
De noitadas e de farra
Não quis o velho xaile franjado
Pôs as cantigas de lado
Não quis o velho xaile franjado
Pôs as cantigas de lado
E até vendeu a guitarra
Já não usa tamanquinhas
Não entra no Campainhas
Já não usa tamanquinhas
Não entra no Campainhas
Nem se dá com o rufia
Por isso, o velho Apolo, saudoso
Morreu triste e desgostoso
Por isso, o velho Apolo, saudoso
Morreu triste e desgostoso
Com pena da Mouraria
A Severa que me diga
Luís Simão / Nóbrega e Sousa
Repertório de Ada de Castro
A Severa que me escreva
Se gosta da minha voz
Ao fado entreguei tudo
Tal como o trigo se entrega á mós
A severa que me diga
Se sou fadista a valer
Quando choro com o que canto
Posso decerto não o merecer
Fado que és meu, p'ra ti nasci
O próprio berço prendeu-me a ti
Ó meu país mereces mais
Mas sou mais pobre do que os pardais;
Uma guitarra com certo brado
Disse-me um dia; tu és do fado
A Severa que condene
Este fado que vos dou
Mas eu sou tão pequenina
Que junto dela, areia sou
Não quero consagração
Nem nome a letras gravado
Quero ser só uma fadista
Mulher do povo que canta o fado
A soleira da porta
Carlos Conde / João Maria dos Anjos
Repertório de Daniel Gouveia
Passei hoje mesmo, à beira
Daquela antiga soleira
Da Travessa dos Quartéis
Que era entrada de uma tasca
Onde o fado, mesmo rasca
Criou nomes e deu leis
Taberna reles, banal
Mas lá dentro, no quintal
Cheiro a iscas, pão e vinho
Dois varais de traquitana
O poço, o musgo, a roldana
E em volta, mesas de pinho
Da Baixa à Rua do Cabo
As tipóias do Zé Nabo
Andavam sempre em despique
E às tantas da madrugada
Inda o fado em desgarrada
Se ouvia em Campo de Ourique
Um faia antigo e de nome
Foi lá comigo e mostrou-me
Como sombra do passado
Uma soleira velhinha
Um quintal de erva daninha
E um tapume abandonado
Não sou do tempo da tasca
Onde o fado, mesmo rasca
Criou nomes e deu leis
Mas quase chorei, à beira
Daquela antiga soleira
Da Travessa dos Quartéis
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
A letra seguinte, A Soleira da Porta, poderia ser um paradigma de Carlos Conde.
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
A letra seguinte, A Soleira da Porta, poderia ser um paradigma de Carlos Conde.
Repare-se no equilíbrio da descrição, cumprindo as regras do conto, género literário
bem difícil de nele se atingir a excelência, apesar da aparente simplicidade.
Não é por ser curto que o conto se torna fácil.
Pelo contrário, tal como na quadra popular, é pela condensação do efeito de provocar emoções
no leitor e daí, pela necessidade de uma estrutura rigorosa, que o bom conto se torna raro.
Ora, todas as qualidades necessárias a um conto irrepreensível estão reunidas nesta letra.
Começa por introduzir o leitor/ouvinte na acção e apresentar o cenário em que ela decorre.
Começa por introduzir o leitor/ouvinte na acção e apresentar o cenário em que ela decorre.
Passa ao desenvolvimento dessa mesma acção, descrevendo-a como um observador externo.
A seguir, introduz o elemento de surpresa ao revelar-se testemunha directa num tempo posterior
mas no mesmo cenário, passando da evocação para o tempo real, técnica cinematográfica
por excelência (flash-back). Finalmente, encerra retomando os versos iniciais, em perfeita
simetria formal declarando uma emoção que, exatamente pelo tom confessional, se transmite
ao leitor/ouvinte com toda a intensidade.
É a «chave de ouro» com que um bom conto deve terminar.
A terminologia é deliciosamente adequada ao imaginário fadístico castiço, na vertente
A terminologia é deliciosamente adequada ao imaginário fadístico castiço, na vertente
incensadora dos «tempos que já lá vão», eficaz, objectiva, sem falar de qualidades
ou sentimentos humanos, salvo quando o «quase chorei» nos alerta para que todos aqueles
objectos inanimados tinham um altíssimo significado emotivo.
Diríamos que estes são Fados de arquitectura perfeita.
Diríamos que estes são Fados de arquitectura perfeita.
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