terça-feira, 22 de outubro de 2024

“Marina Lima” (EMI-Odeon, 1991), Marina Lima

 


Em 1991, o Brasil vivia um período de mudanças significativas. Politicamente, o país estava consolidando sua jovem democracia após o fim da ditadura militar em 1985. No entanto, a economia estava refém da insaciável hiperinflação: eram tempos do governo de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito por eleições livres pós-ditadura. Musicalmente, a música sertaneja estava em franca ascensão, conquistando o público das grandes metrópoles como nunca antes, através das duplas Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano. No início daquele ano, após seis anos, aconteceu a segunda edição do Rock in Rio, enquanto a MTV Brasil, lançada em 1990, estava revolucionando a maneira como os brasileiros consumiam música e cultura pop. 

Foi nesse ambiente de transformação que Marina Lima lançou seu nono álbum de estúdio, intitulado simplesmente Marina Lima, seu primeiro álbum pela gravadora EMI-Odeon, após vários anos na Polygram. A artista, que havia se tornado uma grande estrela do pop rock brasileiro nos anos 1980, chegava ao início de uma nova década passando por uma reinvenção. Essa reinvenção já começava pelo próprio nome artístico: deixou de ser apenas Marina para ser Marina Lima, nome que também dá título ao seu álbum de 1991. Assim como aparece na capa do disco, Marina Lima se mostrava de braços abertos aos ventos da mudança trazidos pela nova década. 

O álbum Marina Lima representa um ponto alto na carreira da cantora. Ele foi o primeiro de três álbuns lançados sob contrato com a EMI-Odeon, uma das principais gravadoras da época. A produção ficou a cargo de Liminha e Fábio Fonseca, dois produtores renomados no cenário musical brasileiro, conhecidos por suas abordagens inovadoras e pelo uso de tecnologia de ponta. O resultado foi um álbum que mescla pop, eletrônica e funk de maneira coesa e moderna. 

O álbum abre com “Ela e Eu”, de Caetano Veloso, que aparece neste trabalho como uma espécie de vinheta, com Marina Lima cantando à capela versos sobre o amor, companheirismo e a singularidade da relação de um casal. A faixa seguinte, “Grávida”, é uma parceria de Marina com Arnaldo Antunes, na época ainda um membro dos Titãs. Cheios de simbolismos, os versos desta canção fazem uso da gestação humana como recurso metafórico para se referir à criação de algo novo, à mudança, à transformação. A expressão “parir” aparece nesta canção como a materialização das criações e das mudanças, refletindo uma explosão de criatividade e renovação sobre a cidade e a vida cotidiana.

No começo dos anos 1990, Marina passava por um processo de reinvenção,
a começar pelo nome artístico ao acrescentar o sobrenome Lima.

“Criança” traz uma Marina flertando com o dance pop e levadas eletrônicas, enquanto em “Não Estou Bem Certa” (versão em português de “Sign Your Name”, de Terence Trent D’Arby), a cantora mergulha nas complexidades das relações amorosas e na busca por alguém que realmente nos complete. A linda e delicada “O Meu Sim” refere-se à busca do eu lírico pela identidade e propósito de vida, enquanto navega pelas incertezas e complexidades da existência. 

A faixa “Acontecimentos” já era conhecida do público poucos meses antes do lançamento do álbum. É que essa balada pop embalava as cenas da personagem Taís, interpretada por Letícia Sabatella na novela O Dono do Mundo, da TV Globo, e logicamente tornou-se um grande sucesso radiofônico. Na letra, o eu lírico está no seu lar à espera de algo que transforme sua vida, mas que não se concretiza, enquanto o mundo lá fora segue o seu curso, como a festa no apartamento do vizinho. 

Depois da calmaria de “Acontecimentos”, o ritmo agita com “E Acho Que Não Sou Só Eu”, que traz violões velozes e um baixo pulsante e acentuado, que servem de pano de fundo para Marina cantar sobre as frustrações de um amor e desejo não correspondidos. 

“Pode Ser O Que For” é uma homenagem a Cazuza, que havia morrido um ano antes do álbum ser lançado. A lembrança de Cazuza aparece em versos como “E é claro, claro que eu tô afim” (mesmo verso presente em “Mais Uma Dose”, do Barão Vermelho, composta por Cazuza quando era vocalista da banda) e em “Caju, Caju, eu leio os sinais” (Caju era como Cazuza era chamado pelos amigos mais íntimos). Os versos da canção trazem uma mensagem sobre a disposição para se entregar às experiências da vida, enfrentando os desafios e incertezas com coragem e determinação, talvez aí uma alusão à forma como Cazuza enfrentou bravamente a AIDS até a sua morte.

Letícia Sabatella e Ângelo Antônio, par romântico na novela O Dono do Mundo,
da TV Globo. A canção "Acontecimentos" foi tema da personagem Taís, vivido
por Letícia na trama escrita por Gilberto Braga.

A introspectiva e melancólica “Não Sei Dançar” mostra o eu lírico expressando a sua dificuldade em se conectar com o outro, mesmo quando há um forte desejo de intimidade e partilha. Esse eu lírico não consegue acompanhar o ritmo da dança da vida com a pessoa que ama, ainda que esse ritmo seja lento. 

Se “Não Sei Dançar” é carregada de melancolia e desesperança, a balada pop “Serei Feliz”, faixa que encerra o álbum, traz uma mensagem de superação emocional após o término de um relacionamento. Nesta canção, Marina reflete sobre a dor da separação, mas alimenta a esperança de encontrar um novo amor que a faça feliz novamente: “Serei feliz / Quando a dor passar / Serei feliz / Quando o novo amor chegar”. 

Após o lançamento do álbum, Marina Lima partiu para os Estados Unidos, onde se apresentou em Nova York, Boston, além de uma apresentação em Montreal, no Canadá. O sucesso comercial do álbum foi notável, atingindo a marca de disco de platina com mais de 250 mil cópias vendidas, puxado pelo sucesso das faixas “Acontecimentos”, “Criança” (que recebeu um videoclipe dirigido por Gringo Cardia e entrou na programação da MTV Brasil), “Grávida” e “Não Sei Dançar”, que entraram para as paradas de rádios. A crítica também recebeu o álbum positivamente, destacando sua modernidade e a habilidade de Marina de se reinventar e se conectar com as tendências musicais contemporâneas. 

Ainda em 1991, Marina Lima recebeu da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) o Prêmio APCA de “Melhor Show do Ano”. Combinando letras introspectivas, arranjos inovadores e produção sofisticada, o álbum Marina Lima não apenas refletiu as mudanças na carreira da artista, mas também capturou o espírito de uma época em que a música brasileira estava se transformando e se abrindo para novas influências. 

Faixas 

Lado 1

  1. "Ela e Eu" (Caetano Veloso)  
  2. "Grávida" (Arnaldo Antunes - Marina Lima)
  3. "Criança" (Marina Lima)         
  4. "Não Estou Bem Certa" (Pedro Pimentel)     
  5. "O Meu Sim" (Antônio Cícero - Marina Lima) 

Lado 2

  1. "Acontecimentos" (Antônio Cícero - Marina Lima)  
  2. "E Acho que Não Sou só Eu" (Marina Lima) 
  3. "Pode Ser o Que For" (Marina Lima - Reinaldo Arias - Ronaldo Bastos)             
  4. "Não Sei Dançar" (Alvin L)      
  5. "Serei Feliz" (Marina Lima - Ronaldo Bastos - Vinícius Cantuária) 

Ouça na íntegra o álbum Marina Lima


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