Wow [1968]
Gravado durante um exílio em Nova Iorque, onde Spence pirou com as drogas, chegando ao ponto de tentar matar seu colega de seis cordas Peter Lewis a machadadas, levando Peter a sair da banda pouco antes do término das gravações, esse é o mais ousado LP da carreira da banda tanto musicalmente quando artisticamente. Falando primeiro da música, o Moby Grape contratou uma orquestra de cordas e metais para participar das lindas composições do quinteto, utilizando de muitas experimentações sonoras como buzinas e outros elementos percussivos, em uma espécie de Pet Sounds do grupo, que acabaram sendo massacradas pela crítica. As orquestrações podem ser conferidas nas lindas baladas “The Place and the Time”, “Three Four”, “Bitter Wind” e “He”, essa uma das mais bonitas canções da história, com um arranjo vocal impecável. As experimentações sonoras tem destaque no rockzão de “Motorcycle-Irene” e no engraçado country de “Funky-Tunk“. O grupo capricha em ótimos rocks, destacando o duelo de metais e guitarra em “Can’t Be So Bad“, os pesados riffs de “Murder in My Heart for the Judge” e a versão elétrica de “Naked, If I Want To”. O psicodelismo também está presente, com “Rose Colored Eyes”, e a penúltima faixa do LP foi destinada para a melhor canção de Wow, talvez da carreira do grupo, e certamente, entre os 5 melhores blues da história: “Miller’s Blues“. Um blues sensacional que coloca a casa abaixo logo na introdução, com o belíssimo solo de guitarra e metais. Spence no piano e Miller nas guitarras dão show, e o naipe de metais é algo quase inexplicável de tão genial e belo, acompanhado pela excelente levada da canção. Não é a toa que Led Zeppelin, Taste e Free beberam na fonte bluesística do Moby Grape anos depois. Ouçam o duelo de guitarras e metais e segurem o balanço do corpo. Sobre o lado artístico, o grupo apresentava inserido no LP de 33 1/3 rpm uma faixa que só pode ser ouvida em 78 rpm, “Just Like Gene Autry: A Foxtrot“, uma homenagem feita por Spence ao jazz dos anos 20, e que só foi conferida pelos fãs que não tem um toca-discos de 78 rpm quando saiu a versão em CD. Mesmo com as críticas negativas da imprensa, que torceu o nariz para as orquestrações e experiências sonoras, a maioria dos fãs veneram o disco, sendo que eu particularmente considero como o forte candidato a melhor do grupo, bem a frente de seu ótimo álbum de estreia. Wow ainda trazia mais uma surpresa: o primeiro disco bônus da história do rock, Grape Jam.
Grape Jam [1968]
Quando o fã do Moby Grape adquiria o LP de Wow, ele recebia junto um LP bônus, apresentando sessões de improvisos que o quarteto remanescente (sem Lewis) fez durante as gravações de Wow. Aproveitando a presença dos pianistas Al Kooper e Mike Bloomfield em duas canções, Miller, Spence, Mosley e Stevenson gravaram cinco improvisos que, em um clima de total descontração, são excelentes complementos para a aula musical do LP principal. Desde a abertura com outro lindo blues, “Never“, até o encerramento com “The Lake”, repleta de improvisos com o órgão elétrico de Spence e vozes sussuradas apresentando o poema de um fã do grupo, em uma viajante canção com muitos efeitos sonoros, destacando a cítara e a distorção nos vocais, Grape Jam é puro feeling e demonstrações do tipo “olha o que podemos fazer quando estamos a vontade”. A longa “Marmalade” é uma incrível improvisação, com Bloomfield fazendo solos complicados no piano, mas em perfeita harmonia com os ácidos solos de Miller. “Boysenberry Jam” é uma improvisação de Spence ao piano, em seis delirantes minutos de um grande funk, enquanto “Black Currant Jam“, contando com Al Kooper, é um blues embalado, com um excelente solo do pianista. O grande destaque é realmente “Never”, um blues triste, pesado, cuja melodia e parte inicial da letra foram posteriormente chupadas pelo Led Zeppelin em “Since I’ve Been Loving You”, e que assim como “Miller’s Blues”, mostra toda a potencialidade de Miller, um dos maiores guitarristas da história, com um solo que faz a guitarra simplesmente chorar.
’69 [1969]
Spence abusou demais das drogas e das loucuras, e a solução foi despedir seu principal fundador (igualmente como o Pink Floyd fez com Syd Barret). Com Spence sendo tratado para curar sua loucura, que não parava de piorar por causa do forte abuso de drogas, Lewis foi chamado novamente, mesmo começando a sofrer com problemas psíquicos. O grupo isolou-se no interior da Califórnia para mais uma vez fazer uma revolução. Em ’69, mostram ao mundo que o country também pode ser tocado por uma banda de rock, sendo pioneiro no que foi designado posteriormente por country-rock. Totalmente diferente de seus dois “megalomaníacos” álbuns anteriores, este é um álbum muito leve, como mostram os boogies de “Ooh Mama Ooh” (com um show de vocalizações) e “Hoochie”, as baladas country “Ain’t That a Shame“, “It’s a Beautiful Day Today” e “If You Can’t Learn from My Mistakes”, e as lindas “What’s to Choose” e “I am Not Willing“, essa uma verdadeira balada comandada por piano e com Miller mostrando seus dotes também na steel guitar. O rock’n’roll puro aparece timidamente em “Trucking Man“, “Captain Nemo” e “Going Nowhere”. Destaque maior para “Seeing“, composta por Spence e que ficou fora de Wow, em um ritmo leve que vai crescendo com a entrada da bateria e do baixo, transformando-se em um dos mais pesados rocks do Moby Grape. ’69 foi um fracasso de vendas, mas sua importância musical foi fundamental para Don Henley (Eagles), Mark Knopfler (Dire Straits), Jim Messina (Poco) e tantos outros, encontrar a inspiração e fazer de suas bandas as melhores no estilo.
Truly Fine Citizen [1969]
Mosley brigou com todo mundo e largou a barca, indo para a Marinha americana, onde foi diagnosticado com esquizofrenia. Como o contrato com a Capitol exigia mais um disco, Lewis, Miller e Stevenson foram forçados a fazer mais um álbum. Chamando o baixista Bob Moore, foram para as três datas disponibilizadas pela gravadora e registraram uma sequência mediana para ’69. Ao lado do produtor Bob Johnston (Johnny Cash, Leonard Cohen, Willie Nelson), Truly Fine Citizen começa bem agitado, com “Looper” e a faixa-título, mergulhando em canções suaves como “Beautiful is Beautiful“, “Love Song” (parte 1 e parte 2), e o country de “Right Before My Eyes” e “Treat Me Bad”. Os maiores destaques vão para “Open Up Your Heart”, que lembra muito as canções de Wow, com ótimas vocalizações, “Tongue-Tied”, composta por Miller em parceria com Spence, e com Miller solando muito, e a doideira de “Now I Know High”, uma pseudo-balada repleta de solos de guitarra. Depois desse, o grupo encerrou as atividades, mas não por muito tempo.
20 Granite Creek [1971]
Esse é um daqueles discos com uma música que é tão boa, mas tão boa, que as demais mesmo sendo boas acabam parecendo ruins. O produtor David Rubinson (responsável pela produção de todos os LPs da era Columbia) conseguiu um contrato com a gravadora Reprise no mesmo período que Spence estava saindo do hospício. A formação original se reunia depois de três anos, adicionada de Gordon Stevens na viola, dobro e mandolim. Contando com a participação do próprio Rubinson no piano e Andy Narell na percussão, este é o álbum com mais canções country: “I’m the Kind of Man that Baby You Can Trust” (e sua parte final bem bluesística); “About Time”; “Apocalypse”, “Roundhouse Blues” e “Ode to the Man at the End of the Bar” (essa com a participação de Jeffrey Cohen no baixo e Mosley tocando bateria) são as representantes do estilo. Mas 20 Granite Creek conta ainda com bons rocks, como “Goin’ Down to Texas” e “Horse Out in the Rain” ou os boogies de “Gypsy Wedding” e “Road to the Sun”. O grupo ainda apresenta uma novidade em suas canções, o funk Motowniano de “Wilds Oats Moan”. Porém, todas elas juntas não conseguem superar a abertura do lado B. Única faixa que conta com a participação de Spence, “Chinese Song” coloca tudo o que você ouviu até o momento para o ar. Sua beleza acaba sendo um brilho ofuscante para as demais, tamanha a profundidade alcançada por mais uma grande composição de Spence, mostrando que mesmo sofrendo de excessos de loucura, ainda fazia as melhores canções do grupo. Comandando o koto (instrumento japonês), Spence cria o riff mais bonito da carreira do Moby Grape, e a canção é construída em seus cinco maravilhosos minutos instrumentais em cima desse embriagante riff, de forma suave, calma e relaxante. O clima zen da canção é fantástico, e apenas ela vale as doletas investidas no vinil /CD. Digna canção para ser uma maravilha prog. Depois disso, o Moby Grape novamente se separou, com Spence voltando a piorar e Mosley começando a sofrer suas instabilidades emocionais, que o levaram também a loucura anos depois. Mas a carreira não pararia por ai.
Live Grape [1978]
Apesar de não conter o nome do grupo na capa, devido à problemas judiciais, esse é sim um álbum do Moby Grape. Na verdade, não é apenas um álbum, mas o melhor álbum da carreira do grupo. Depois de seis anos afastados, onde Spence passou por uma sessão de exorcismo, chegou a morrer e no necrotério acabou ressucitando, para dias depois tentar novamente matar Lewis, a dupla Lewis e Spence, mais Miller, o ex-Doobie Brothers Cornelius Bumpus (teclados, saxofone), o baterista John Oxendine e o baixista Chris Powell se reuniram para mais uma vez resgatar Spence do Limbo. Mosley não pode participar do retorno, já que estava ao lado de Neil Young no The Ducks, e Stevenson estava ocupando trabalhando com compra e vendas de ações. Fazendo uma série de shows pela Califórnia, e que foram registrados pela Escape Records, esse é o mais versátil LP do grupo. Apenas com canções inéditas, Live Grape contém country (“Here I Sit” e “Love You So Much”), psicodelismo (“The Lost Horizon”), boogies estonteantes (“Your Rider” e “Must Be Goin’ Now Dear”, essa última com um excelente duelo de guitarras), jazz (“Set Me Down Easy”) e rock californiano (“Up in the Air”). Os melhores momentos são daqueles para ficar dias ouvindo. Eles estão no excelente funk de “You Got Everything I Need”, a melhor do LP, com um longuíssimo solo de Bumpus tanto no sax quanto no órgão, além de Miller tocando muito no seu solo, e nos blues de “Honky Tonk”, com outro espetáculo no duelo entre Miller e Spence, bem como um lindo solo de sax, que é o orgasmo da canção, e na fantástica “Cuttin’ In”, que desce suave como um uísque 15 anos em um dia frio, tendo cada nota do excelente solo de Miller aquecendo seu corpo à temperaturas elevadas. Essa é para os fãs de Stevie Ray Vaughan, onde eu sugiro que fechem os olhos e compreendam por que o guitarrista era tão influenciado em Jimi Hendrix, já que Miller demonstra por que ele era o professor de Hendrix, deixando claro que tudo o que o Deus Negro da guitarra tentava fazer no palco era imitar os solos do guitarrista do Moby Grape. Não é necessário dizer que Spence novamente surtou, e de novo, o grupo encerrou as atividades.
’84 [1984]
Depois de quinze anos em litígio com o ex-empresário Matthew Katz, onde inclusive um Moby Grape falso foi criado, uma trégua na briga entre os dois acontece, através da proposta de gravação de um álbum. ’84 (também conhecido como Heart Album) reuniu os membros da formação original (sem Skip) em canções medianas, que tentam adaptar a sonoridade sessentista aos anos 80, principalmente com a inclusão de sintetizadores e distorção. A abertura com “Silver Wheels” e “Better Day” é um dos grandes momentos do álbum, assim como o boogie de “Too Old to Boogie”, os rocks de “Sitting and Watching” e “Suzzam” e a belíssima “Queen of the Crow“, mas existem deslizes em “Hard Road to Follow”, “Think It Over”, “I Didn’t Lie to You” e “American Dream”, muito anos 80 para meu gosto. O country-rock ainda está presente, dessa vez em “City Lights“. Além disso, ’84 conta com uma vinheta chamada “Reprise” que não diz para que veio. Destaque maior para a recriação de “Lost Horizon”, repleta de distorções mas mantendo as linhas vocais de sua versão original. O álbum não pegou, as brigas entre Katz e grupo continuaram, e ’84 se tornou o mais raro LP da carreira da banda, mas não o último.
Legendary Grape [1989]
Lançado originalmente apenas em cassete, numa tiragem de 500 cópias, escondido sob o nome The Melvilles, esse álbum só foi reconhecido como um álbum do Moby Grape em 2003, quando ganhou sua versão digitalizada. Os cinco membros haviam se reunido para angariar fundos para o tratamento de Spence e Mosley (que também foi diagnosticado com esquizofrenia), e com a adição de Dan Abernathy nas guitarras, registraram um álbum muito bom, gravado ao vivo nos estúdios, com pouquíssimos ensaios e aonde Spence foi creditado como tocando atmosfera e inspiração. “Give it Hell”, “On the Dime”, “Lady of the Night”, “All My Life” e “Talk About Love” são canções pesadas, com um show de vocalizações que mostram novamente por que o Moby Grape foi um dos melhores grupos vocais da história. Há ainda leves canções, como “Bitter Wind in Tanganikya”, “Nightime Ride” e “You’ll Never Know”, o funk de “You Can Depend on Me” e a leve derrapada em “Took it all Away, que não atrapalha em nada nesse que foi o último lançamento do grupo, e que está na minha lista dos cinco melhores (atrás de Live Grape, Wow, Grape Jam e Moby Grape).
Como complemento, Skip não aguentou a sequência de tratamentos e faleceu em 1999 vítima de câncer no pulmão. O Moby Grape permanece fazendo shows nos dias de hoje, sem a pretensão de gravar discos, apenas trazendo aos novos e velhos fãs as canções que marcaram sua carreira e sempre homenageando seu principal fundador, Skip Spence, já que o filho de Skip, Omar Spence, tem participado da maioria dos shows tocando guitarra.
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