Um punhado de canções maduras, carregadas de experiências, aprendizagens e conselhos para a vida. Depois de quatro anos sem sabermos dele, Mr. E. surpreende com The Deconstruction e suspeita-se que seja dos seus álbuns mais inspirados dos últimos anos.
Mark Oliver Everett, 54 anos, fundador, mentor e incontestado líder dos Eels desde 1995. Filho de génio, o famoso físico Hugh Everett III, com quem se relacionava na base da frieza, enfrentou o cancro mortal da mãe e o suicídio da irmã que nem um valente. Senhor de uma colecção de 12 discos em nome dos Eels, tem-nos sobretudo cantado episódios da sua relação de amor-ódio pela vida. Foi pai pela primeira vez depois dos 50, casou-se, divorciou-se e deixou-nos quatro anos em jejum.
Sim, Mr. E tem todas as razões para se sentir na merda, mas The Deconstruction não é um álbum triste.
Quem conhece minimamente o catálogo dos Eels sabe que cada disco é especial. Everett, aliás, tornou-se famoso pelo seu ecletismo, gravando arranjos de todo o tipo, do rock à pop, do mais indie ao mais orquestral com cordas e sopros, tudo isto sem nunca perder a classe. Mr. E. gosta acima de tudo de criar sensações diferentes nos seus fãs e não está minimamente importado em perder uns para ganhar outros. O que lhe importa é surpreender, como foi surpreendido naquela noite em que viu Neil Young – um dos seus ídolos – ao vivo pela primeira vez: “Quando tinha 16 anos, a minha irmã levou-me a um concerto do Neil Young e eu presumi que fosse o Neil Young a solo, ou ele e os Crazy Horse, a tocarem material antigo. Quando dei por isso, era um concerto a tocar o álbum Rust Never Sleeps, que ainda nunca ninguém tinha ouvido porque não tinha sequer saído. E a produção era uma coisa assombrosa, não se parecia com nada do que se vira até então… ou do que se vê desde aí. Seja de quem for, lembro-me que fiquei totalmente siderado com a surpresa de tudo aquilo, com a espetacularidade de tudo aquilo. É esse o tipo de coisa que eu adoro”. (Entrevista ao Observador, 5 de Abril de 2018)
E ao 12º álbum, Mr. E. surpreende com The Descontruction e suspeita-se que seja dos mais inspirados dos últimos anos.
Quero dizer, The Deconstrution é rico em composições, temos aquele rock mais sujo e bluesy em “Bone and Dry” e “You Are the Shining Light”, onde quase conseguimos imaginar Uma Thurman e John Travolta a dançar. Há baladas à guitarra – “Be Hurt” – e ao piano – “That I Said It”. Mas em “The Deconstruction” há, também, e pela primeira vez, uma certa esperança, presente na doce “Premonition” ou na suave “Epiphany” que, a par de “Sweet Scorched Earth”, parece saída de um filme Cinderella. Há ainda tempo para acompanharmos a felicidade adulta de “Today is the Day” com a anca. Parece que Mr. E. decidiu finalmente arregaçar as mangas e remexer nessa poeira que é a lamentação da vida, até encontrar um foco de luz ao qual não só Everett, mas quem o escuta, se possa agarrar. É um álbum de desconstrução da mágoa e reconstrução em algo tangivelmente mais belo.
“The deconstruction has begun”, avisa no primeiro verso. “The reconstruction will begin”, alerta ao segundo. Enfrentar a mudança, que a vida é demasiado curta para termos medo de ser feliz.
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