Os Pink Floyd chegam ao inicio da década de 1970, apostados em continuar a experimentar. Saem os as canções psicadélicas da era-Barrett e entram as orquestras, os coros, o rock progressivo e as vacas.
Acidentalmente, a vaca Lulubelle III entrou para a história da iconografia rock ao ter sido fotografada por Storm Thorgerson para capa de um dos álbuns mais ambiciosos de toda a carreira dos Pink Floyd.
Atom Heart Mother inicialmente tinha o nome de Amazing Pudding e já era tocado ao vivo desde os meados de 1969. Contudo, o quarteto (sempre um passo à frente nestas coisas) achou que seria interessante acrescentar uma orquestra e um coro à performance. Uma toada que acompanhava o “sonho” sinfónico de muitos grupos à época (Deep Purple, Moody Blues ou Barclay James Harvest são outros exemplos) mas que rapidamente se transformou num pesadelo logístico.
Incapazes de ler pautas, o grupo contratou o compositor avant-garde Ron Geesin para fazer a ponte de ligação entre o mundo rock e o clássico. Tendo em conta a tecnologia da época, Geesin até nem se safou mal nos arranjos. Mas o que dá a Atom um toque especial é o coro dirigido por John Aldiss que a meio desta sinfonia espacial faz um “tour de force” pelos confins das constelações do universo Pink Floyd.
O trabalho de guitarra de David Gilmour também é soberbo pois consegue alternar as escalas nos solos sem dificuldades, entre os blues, o jazz e o clássico, sem se tornar pretensioso. Com direito a louvor aparece em destaque também a secção rítmica de Nick Mason e Roger Waters que, em abono da verdade, gravaram as suas partes sem o “input” directo da orquestra e do coro tentando imaginar o som “cacofónico” nas suas cabeças. Ouvir as master-tapes de Atom Heart Mother deve ser exercício interessante com 23 minutos só de bateria e baixo.
“Atom Heart Mother Suite”, (dividida em seis movimentos á boa maneira do género progressivo) pode soar um pouco “a barroco” e sombrio quando escutado nos serviços streaming de hoje. Não duvido que, se o grupo dispusesse da tecnologia dos estúdios de hoje, o som teria sido mais limpo, menos reverb, muito mais cinemático e abrangente.
Só no lado B é que aparecem as canções no sentido convencional. “If” é provavelmente a última canção em que ouvimos Roger Waters num estado de espírito sereno antes de se atirar aos temas mais depressivos sobre a vida do homem comum em Dark Side of The Moon ou paranóicos de The Wall.
Segue-se o quase esquecido “Summer of 68”, composto por Richard Wright que volta a recorrer aos arranjos da orquestra. Uma canção quase pop com pano de fundo sobre um amor entre uma rockstar que se despede de “groupie”.
Mas em termos de canções individuais, a mais bem trabalhada é sem dúvida a de David Gilmour. A sua inspiração brilha mais alto ao som de “Fat Old Sun”. E talvez um dos últimos títulos da curta fase “pastoral”, que os Pink Floyd experimentaram após a saída de Syd Barrett entre 1968 e 1970.
O disco fecha com “Alan’s Psychedelic Breakfast” (com a participação especial do roadie Alan Stiles) e que tal como “Atom” começou por ser uma coisa que os Floyd ao vivo chamaram “A Man and the Journey” no qual o grupo recriava em palco os vários tempos das rotinas da humanidade. Uma mini opereta rock que incluía (ou não fossem eles britânicos) uma pausa para o chá. Da hora do chá para o pequeno-almoço foi um passo e o grupo quase que criava outro género musical: “o rock macrobiótico”! Como é que ninguém ainda se tinha lembrado de colocar guitarras acústicas que soam a raiar do sol; pianos com toque de uma alvorada calma e um roadie maluco a falar de ovos e bacon? A palavra de ordem era: “experimentar”. Um espirito que só durou mais um par de anos depois do abandono de Household Objects, disco nunca editado onde a banda usava objectos comuns como instrumentos.
Atom Heart Mother pode até ser um dos álbuns mais menosprezados pela crítica e pelo próprio grupo. Mas foi o primeiro disco dos Pink Floyd a chegar a número 1 no Reino Unido. Um marco de um tempo passado em que as bandas de rock se podiam dar aos excessos e aventuras sonoras. Mas ninguém pode negar a sua ousadia e o contributo que deu ao desenvolvimento das técnicas experimentais de estúdio.
Resta saber é se até as vacas sorriem ao escutá-lo…
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