Contra tudo e contra todos, Roger Waters entrega ao público em 1992 um disco conceptual quando o formato estava completamente morto e enterrado. Talvez o mais marcante da sua carreira a solo.
Depois da aventura The Pros and Cons of Hitch Hiking e do rotundo falhanço da digressão de Radio K.A.O.S., a qual não conseguiu competir com uma máquina bem oleada chamada Pink Floyd, Waters estava num limbo criativo no início da década de 90.
A sua raiva interior perante o sucesso colossal que os seus antigos colegas de banda estavam a atravessar fez com que se atirasse a composição de um álbum deliberamente rock, mas com um toque bem “floydiano” onde iria abordar os habituais temas que se lhe atravessavam na mente desde Dark Side: a guerra, a alienação do individuo, a religião e a política.
Waters montou um disco conceptual onde a personagem central (o macaco) assiste pela TV ao bombardeamento dos noticiários. O tema-chave é a canção, “What God What Wants” que tal como “Another Brick in the Wall” uns anos antes é dividida em três partes. Com solos de Jeff Beck, (a fazer por momentos o espectro de David Gilmour), Waters apresenta uma canção feroz onde critica de A a Z o sistema capitalista, a sociedade de consumo e a religião. Tema tipicamente saído de Waters a deixar destilar todo o seu veneno tal como fez no passado em “Not Now John” ou “Waiting for the Worms”.
A “guerra” prossegue com “Perfect Sense”, tema mais atmosférico, e que contém um dueto com a cantora soul P.P. Arnold que mais tarde o acompanhou ao vivo na digressão de “In The Flesh”. Os duetos continuam na acústica “Watching TV” com uma aparição inesperada de Don Henley dos Eagles. Curiosamente a parelha de vozes destes senhores multi-milionários acaba por resultar na história da rapariga chinesa que foi esmagada pelos tanques de Tiananmen em 1989.
O disco em jeito de ópera-rock segue num crescendo e depois de “The Bravery of Being Out of Range” temos os majestosos e mais longos “It’s a Miracle” e o tema homónimo que empresta o nome ao disco. Ao contrário do macaco que fica entretido para sempre com o estado do mundo, Waters demorou alguns anos a recuperar dos traumas psicológicos que sempre o afetaram (nomeadamente a perda do pai com a tenra idade de um ano). Mas felizmente a história conheceu um final feliz. Em 1999, após 12 anos de ausências das digressões (apenas apareceu na encenação de “The Wall” em 1990 em Berlin), Waters cresceu e apareceu.
Desde então nunca mais parou, e em 2017 publicou finalmente o sucessor (digno) de Amused: Is This The Life We Really Want?. Quanto às canções do disco de 1992, Waters tocou a sua maioria nos dois concertos que deu na altura no Pavilhão Atlântico. E que bem que elas soaram ao lado dos clássicos habituais dos Pink Floyd. Pois dizem os fãs acérrimos de Waters que Amused To Death é a peça final do puzzle de uma suposta trilogia que começou muitos anos antes com The Dark Side of the Moon e The Wall.
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