sábado, 6 de dezembro de 2025

Grandes álbuns do Prog-Rock: Faust - "Faust IV" (1973)

 
"Não existe grupo mais mítico do que o Faust", escreveu Julian Cope em seu livro "Krautrocksampler" (de 1995), que detalhou a influência fundamental que a banda alemã exerceu no desenvolvimento de texturas ambient e industriais. A produção inicial do grupo no início dos anos 70 gerou uma série de álbuns que reinventaram radicalmente o papel do estúdio de gravação, introduzindo técnicas de corte de fita e caprichos dadaístas no Rock psicodélico libertário. Os lançamentos da banda ganharam seguidores cult, especialmente "Faust IV" de 1973, um set mais acessível que gradualmente alcançou o status de clássico. O grupo se desfez em 1975, mas alguns dos membros fundadores se reuniram novamente em 1990. Faust continuou se apresentando e lançando álbuns - demonstrando que o grupo havia se tornado uma influência duradoura no Industrial, no Techno, no Noise-Rock e até no Hip-Hop. Duas formações separadas do Faust, ambas centradas em membros originais, posteriormente tornaram-se ativas e estão aí até hoje. Vamos reavaliar a história e a produção do Faust!
Atrás: Zappi, Péron, Sosna, Wüsthoff, Irmler e Meifert; na mesa: Nettelbeck e Graupner
A coisa toda começou a surgir em 1971 quando os membros de duas bandas anteriores, "Nukleus" (composta por Jean Hervé Péron, Rudolf Sosna e Gunther Wüsthoff) e "Campylognatus Citelli" (composta por Werner "Zappi" Diermaier, Hans Joachim Irmler e Armulf Meifert) uniram forças. O grupo inicialmente sem nome conheceu o produtor Uwe Nettelbeck, ex-jornalista musical, que lhes conseguiu um contrato com a gravadora Polydor. Eles estavam em Brémen e, ao receber um adiantamento da gravadora, Nettelbeck  e o engenheiro de som Kurt Graupner converteram uma antiga escola na zona rural Wümme em um estúdio de gravações, onde o grupo passou os primeiros meses de sua existência em isolamento quase total, aprimorando seu som cacofônico único com a ajuda de convidados ocasionais como o compositor minimalista Tony Conrad e membros do Slapp Happy (outra banda). Logo, começaram a gravar o que se tornaria o álbum de estreia.
"Faust", de set/71, com a capa trazendo um raio-x de uma mão, vendeu mal, mas recebeu aclamação da imprensa especializada por sua abordagem inovadora e imediatamente estabeleceu uma base de fãs devotos. Realmente, este trabalho foi um passo revolucionário à frente no progresso da música chamada Rock. Originalmente, foi prensado em vinil transparente, embalado numa capa transparente e com encarte de plástico também transparente com as letras. O raio-x da capa ilustrava a música ali contida, um amálgama de eletrônica, Rock, edições de fitas, guitarras, música concreta, angustia industrial. O nível de imaginação era impressionante, um conceito totalmente único produzindo uma audição/experiência capaz de choque. Sosna (guitarras, teclados e vocais), Irmler (órgão), Wüstholff (sintetizadores e sax), Peron (baixo e vocais), Meifert (bateria) e Zappi Diermeier (bateria) criaram uma música minimalista cheia de rabiscos eletrônicos. Krautrock experimental certamente capaz de ir além do CAN e do NEU! (se é que você me entende: nada recomendado para não iniciados). O Faust aqui já se colocava como a banda mais extravagante e multicolorida do Krautrock. Um manifesto de Rock distorcido com psicodelia intransigente, humor dadaísta, vanguarda eletrônica, pastiches radicais, tudo numa mistura muito coesa. Este trabalho é hoje reconhecido como uma gravação essencial. Apenas três faixas, mas um campo aberto para a diversidade. Muitas bandas estavam experimentando sons eletrônicos na época, mas o Faust levou isto mais longe do que qualquer outra. Claro, não era algo "fácil de ouvir", havia guinadas sonoras, coisas bizarras, muita experimentação, dissonância e estranheza, tudo em cima do Rock Psicodélico. Curiosamente, havia a combinação da destreza Jazz-Rock com uma certa alegria circense e temperos zappeanos. Era uma obra de agressão musical, porém sem agressividade clara. Uma audição que era uma verdadeira experiência. O baterista Meifert foi demitido na sequência, porque "debatia coisas, treinava demais e era muito organizado". "So Far", de 72, trouxe o quinteto apresentando provavelmente o melhor ponto de entrada para novatos no mundo sonoro da banda. Foi sim o álbum mais acessível para não iniciados. Faixas menores, música mais "normal", porém não espere algo convencional e melhor estar preparado para tudo. Mais fácil de ouvir, lembrava um Syd Barrett fazendo Krautrock. Então, era isso: enquanto na estreia prevaleceu o Avant-garde Rock extremamente experimental repleto de eletrônica e colagens psicodélicas, aqui tínhamos um disco muito mais estruturado, com batidas repetitivas, instrumentação típica do Rock, bem menos desafiador, embora ainda repleto de ideias experimentais e execução inovadora. 
Faust se tornou uma banda muito comentada e com respeitada apreciação internacional e, no final de 72, foi para a Inglaterra com Nettelbeck e Graupner, tornando-se um dos primeiros artistas a assinar com a gravadora Virgin Records (fundada naquele ano com proposta independente pelo empresário Richard Branson). "The Faust Tapes", de 73, trouxe uma reunião de gravações caseiras com objetivo de apresentar o som do Faust para os britânicos em geral. Uniu grande número de pedaços dentro de toda uma enorme coleção de gravações feitas privativamente pela banda (originalmente não destinadas para lançamento comercial). A Virgin lançou o álbum a preço de single, na época. Isto fez com que vendesse mais de 100 mil cópias. Então, foi isto: "The Faust Tapes" foi o lançamento que "revelou" a banda para o público britânico. Convenhamos, mesmo com o jogo de marketing do preço baixo, não é tarefa fácil vender tantas cópias de uma música de vanguarda. O álbum tinha 43 minutos com 26 faixas vagueando entre batidas, jamsArt-RockFolk-Rock, falas, fragmentos estranhos, partes bobas, nada imediatamente acessível. Ou seja, para o ouvinte comum era melhor nem chegar perto. Porém, inegável que ali estava outra declaração definitiva do Krautrock (como aliás são os quatro primeiros álbuns do Faust, música difícil sim, mas que tornou-se tão influente, que adquiriu status icônico). Na sequência, a banda colaborou com Tony Conrad no álbum "Outside The Dream Syndicate". Anthony "Tony" Schmaltz Conrad era um videoartista de vanguarda americano, cineasta experimental, músico e compositor, artista sonoro, professor e escritor. Conrad já vinha como membro do Theatre of Eternal Music (ou também chamado "The Dream Syndicate", que incluía gente como John Cale, Angus MacLise, Terry Riley etc.) usando conceitos para produzir uma forma de músia minimalista, que eles chamavam "música dos sonhos". Gravado durante três dias em 73, o álbum "Outside The Dream Syndicate" foi um lançamento de Conrad, embora também creditado ao Faust. Funcionou como uma vitrine para as explorações minimalistas de drones de Conrad, uma estética fascinantemente em desacordo com o som barulhento/fragmentado de seus colaboradores. Consistindo em três faixas épicas, cada uma com mais de 20 minutos, o álbum era hipnoticamente contemplativo com a música mudando de forma sutil, quase subliminar. Era praticamente uma experiência auditiva em que quanto mais profundamente se ouvia, mais gratificante se tornava.
Após esta colaboração com Tony Conrad, o Faust gravou "Faust IV" nos estúdios da Virgin, na Inglaterra, ainda em 73. Enquanto os trabalhos anteriores eram realmente desafiadores, de audição difícil, um "acquired taste" (ou seja, algo que inicialmente você não gosta, mas que passa a gostar ou curtir após experimentar mais vezes), em "Faust IV" (de set/73) foi onde eles mais se aproximaram do Rock Progressivo ou experimental "convencional". O Faust provavelmente seja "a" típica banda de Krautrock e, neste "IV", eles tornaram tudo muito icônico, não apenas no nível simbólico (e a faixa de abertura deste álbum era intitulada "Krautrock"), mas porque é um exemplo perfeito da vanguarda alemã um pouco mais próxima dos cânones do Rock padrão. Mas nem tudo é simples. Este álbum divide opiniões. Para muitos (como Julian Cope em seu livro "Krautrocksampler") é a obra-prima da banda. Porém, gravando pela primeira vez longe de seu notório estúdio em Wümme ela viu sua liberdade artística ser reduzida. Quando o orçamento para as gravações acabou, a Virgin simplesmente pegou o que estava feito e resolveu lançar comercialmente. Então, talvez a melhor maneira de enxergar "Faust IV" seja como uma obra inacabada, como certamente foi o sentimento da própria banda. Sim, há toda a eletrônica giratória, batidas caóticas, peças desconexas, lógica dos sonhos, peças instrumentais de pura loucura, jam sessions, alternâncias de texturas pré-AmbientPop-Rock experimental, mas soa acessível, não tão excêntrico. Álbum favorito de muita gente, "IV" consegue ser experimental e envolvente, mas ainda assim atraente. Definitivamente, é mais fácil de ouvir mesmo sendo ainda bastante emocionante. Música presciente do que estava por vir em todo o RockReggaeIndustrialDream-PopSynth-PopNew WaveAmbientPunk RockElectro/Techno... todas as ideias estavam aqui. A capa contendo uma folha de notas musicais vazia podia sugerir ausência de ideias, mas o álbum era exatamente o contrário. Após os experimentos selvagens anteriores, aqui as coisas eram mais convencionais explorando batidas repetitivas, sons psicodélicos, manipulações eletrônicas, colagens sonoras, drones, mantras, motivos hipnóticos, mantendo-se inquietante e singularmente diverso. Expressionismo musical, orgulhosamente alemão, descaradamente diferente de qualquer outra banda. De fato, um álbum repleto de ideias e direções musicais definidoras de muita coisa. Exemplo perfeito do aspecto inovador, eclético, vanguardista, experimental do Krautrock. Notável e altamente influente. Infelizmente, seria o último álbum deles (pelo menos, nesta primeira fase). O fracasso comercial na época e o fato da Virgin ter rejeitado lançar outro álbum (algumas gravações foram feitas e apareceriam na coletânea "Munich and Elsewhere", de 86) levaram a uma separação em 75.


P.S.: Depois de mais de uma década, o Faust reuniu-se em torno do núcleo Irmler, Péron e Diermaier para algumas apresentações no início da década de 90. Aos poucos, foram surgindo vários lançamentos com gravações dos primeiros tempos em Wümme, trechos do "quinto álbum" e novas gravações, inclusive coisas ao vivo. Em tempo, as coletâneas "71 Minutes Of Faust" (de 89) e "BBC Sessions +" (de 2001) são muito elogiadas e consideradas essenciais. 


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