terça-feira, 5 de novembro de 2024

Roger Waters – Radio K.A.O.S. (1987)

 

No mesmo ano em que os Pink Floyd lançam o primeiro disco sem a sua participação, Roger Waters continua a sua senda anti-guerra, obedecendo à sua matriz de álbum-conceito, mas, desta vez, o resultado final não foi tão bem aceite como os seus trabalhos anteriores.

Considerado por muitos fãs e críticos como o génio criativo dos Pink Floyd após a saída de Syd Barrett, Roger Waters foi responsável pelos conceitos dos seus discos mais incontornáveis e escritor das mais emblemáticas canções. Quando a banda começou a dar sinais de divórcio, Waters decidiu que era a hora de acabar com ela. Os outros, especialmente Gilmour, acharam que não e decidiram continuar, arrastando-a para uma certa mediocridade, expressão nunca antes utilizada para descrever Pink Floyd.

Neste novo mundo, e sem o apoio da sua banda de sempre, Roger Waters lançaria The Pros and Cons of Hitch Hiking, projecto que já teria sido proposto aos Pink Floyd na altura de The Wall e que apresentava como conceito uma crise de meia-idade; a autópsia de um casamento a ruir; a traição, o desejo, a culpa. Estavam lá todos os ingredientes que fizeram de Waters o homem do leme nos últimos anos dos Pink Floyd.

Em 1987, porém, o som que marcava a década era muito mais pop e Roger Waters não conseguiu fugir dele, tal como os seus antigos companheiros o fizeram no primeiro disco sem a sua participação. A diferença entre os discos é que Waters consegue fazer um disco conceptual, com significado, mesmo piscando o olho ao som do momento.

O conceito de Radio K.A.O.S. é fora do comum. Conta a história de Benny, mineiro galês e do seu irmão gémeo, Billy, um jovem deficiente em estado vegetal numa cadeira de rodas. Benny é um amante de rádio amador e todas as noites Billy escutava as transmissões do seu irmão. Uma certa noite, Benny leva Billy para uma noite de copos pela vila. Levemente embriagado, Benny revolta-se ao ver uma loja cheia de televisores a mostrar a primeira-ministra Margaret Tatcher e, em forma de protesto, resolve assaltar a loja, levando um telefone portátil. Desiludido com a vida, Benny sobe para o parapeito de uma ponte. Nessa mesma noite um motorista é morto por uma pedra atirada de uma ponte similar. Benny é acusado do crime e é preso, não sem antes esconder o telefone debaixo da cadeira de rodas de Billy. Curiosamente, Billy tem um talento diferente de todas as outras pessoas. Recebe ondas de rádio dentro da sua cabeça e começa a explorá-las neste seu novo instrumento, o telefone portátil. Sem a protecção de Benny, Billy é enviado para Los Angeles, para casa de um tio que esteve envolvido no projecto Manhattan. O Tio David também é adepto do rádio amador e Billy começa a utilizar os seus novos talentos para comunicar com Jim, um renegado DJ de rádio e tornam-se amigos. Tatcher e Reagan bombardeiam a Líbia e Billy acha que se atingiu o limite. Com o seu poder, Billy encontra uma maneira de manipular os sistemas de mísseis de todo o planeta de modo a simular um ataque nuclear, um acto que serve para assustar o mundo. Confuso? Roger Waters fornece, no velhinho booklet, um guia explicativo, que juntamente com as letras, dão uma ajuda a navegar pelo álbum.

Narrativas à parte, é a música que nos dá a história do disco. Enérgica onde Hitch Hiking era bastante lânguida, mas sempre íntegra e convincente, efeito similar ao que obtemos quando “Not Now John” entra a cortar a sonolência de The Final Cut. Radio K.A.O.S é, certamente, o disco mais pop de Roger Waters, mas consegue manter os princípios básicos da sua música, em que se destacam a pop otimista de “Radio Waves”, a depressiva  “Me or Him” ou a áspera “The Powers That Be”. A última faixa, “The Tide Is Turning (After Live Aid)”, outro dos pontos fortes do álbum, é uma balada que vislumbra uma pequena esperança de futuro num mundo que parecia estar condenado.

Radio K.A.O.S é envolvente e ambicioso, como sempre foi apanágio de Roger Waters, e a cada audição conseguimos detectar pequenas nuances. Do seu catálogo a solo, será o disco mais fácil para começarmos a descobrir o seu mundo.

Apesar de ter um conceito bizarro e ser um disco claramente ligado a uma década e a um som muito particulares, a mensagem continua, como sempre, forte e actual. Curiosamente, Radio K.A.O.S. não seria muito bem recebido pela crítica, tendo vendido pouco e afectado, e muito, os seus concertos. Para agravar a situação, Waters via os seus ex-companheiros a embarcar em tournées esgotadas e a ganhar milhões.

Mais de trinta anos depois do seu lançamento original, Radio K.A.O.S. acabou por envelhecer melhor do que se pensava, não envergonhando ninguém, nem os fãs de Roger Waters, nem os dos Pink Floyd.



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