“Não existe lado oculto da lua. De facto é tudo negro.”

Para os verdadeiros fãs, as edições remasterizadas (revistas, aumentadas e especializadas) são um autêntico achado arqueológico (e um bom sinal de investimento na carteira). Não só permitem ter uma visão quase total sobre o processo de criação da obra, como de vez em quando trazem à luz algumas pérolas que se julgavam perdidas nos confins dos baús dos sótãos das editoras.

No caso desses “gigantes adormecidos” Pink Floyd, o formato “super-deluxe” não é apenas uma edição “chapa 4” para tentar captar novos fãs ou atrair algum mais distraído julgando-se tratar de novas músicas. Serve essencialmente para espalhar ainda mais o lastro numa supernova musical com mais de 40 anos de existência.

Na maioria destas edições expandidas, temos dois discos, no máximo três. Veja-se o exemplo dos relançamentos recentes de Nevermind dos Nirvana ou de Achtung Baby dos U2.Com os Floyd temos nada mais, nada menos do que uma caixa contendo seis discos. Três CDs áudio, um Blue-ray e dois DVDs Uma gigantesca fanfarra muito apetecível, mas que não está ao bolso de qualquer carteira. Quem tem dinheiro compra a caixa por 150€. Quem não tem…contenta-se em ouvir um som de qualidade duvidosa num qualquer serviço de streaming.

Claro que no caso desta banda específica, o pobre sai a perder porque perde “o sentir” da embalagem, “o visualizar” das obras icónicas de Storm Thorgerson e uma data de pormenores que só quem gosta de mergulhar a fundo no universo místico dos Pink Floyd é que sabe o que realmente isso é.

Com tanto à disposição o pobre desconfia. Afinal foram muitos os anos que estivemos à espera de uma coisa destas. Ou como diz a letra de “Time” (a canção que nos põe sempre a pensar na vida): “And then one day you find ten years have got behind you..No one told you when to run, you missed the starting gun”. O sempre céptico, poeta, Roger Waters sabia do que andava a escrever em 1972.

O que porém os Pink Floyd de certeza que não sabiam era do efeito que este disco (que começou por ter o título inicial de “Eclipse”) iria ter no resto das suas vidas quer como músicos quer como indivíduos. Parecia que quanto mais eles queriam desprezar o dinheiro (“Money get away…”) mais as rádios passavam o single “Money” gerando vendas astronómicas do disco por todo o mundo. Só na tabela norte-americana Billboard Dark Side detém um recorde inimaginável com mais longevidade que já ultrapassou as 741 semanas consecutivas!

Mas concentremo-nos no melhor que há nesta versão titânica da obra-prima: a música. Escutemos a versão alternativa do disco. O lado oculto da criação. Ponham o terceiro CD áudio, o tal que contem uma versão integral do disco com uma mistura do engenheiro de som Alan Parsons.

Lá está o Dark Side mais cru, mas com mais sentimento, sem grandes orquestrações, overdubs ou coros femininos. A magia já lá está toda, mas ainda faltavam sacar uns coelhos da cartola. É o caso de “The Great Gig in The Sky” aqui ainda sem a voz de Clare Torry, mas com as vozes dos astronautas da missão “Apollo 13”. Talvez na altura isto tivesse feito mais sentido para uma obra que deveria ser o supra-sumo dos reis do rock espacial.

E falta também aqui o pormenor das “vozes” que dão consciência ao disco. Um processo que só foi acrescentado na mistura final do produto. Porém os risos que se ouvem nesta versão da perturbante “Brain Damage” são muito mais violentos daqueles que estamos habituados.

Terminada a versão alternativa ainda há mais sete faixas bónus. E aqui é que reside o verdadeiro “Saurceful of Secret”. O santuário sónico dos Pink Floyd que durante anos foi a Meca dos “bootlegers”, os piratas do som.

A começar por “The Hard Way” uma faixa que sobrou do projecto falhado –“ Household Objects” – na qual os Floyd pretendiam gravar um disco inteiro usando garfos, facas, borrachas, copos e outras coisas que tais. A avaliar aqui pela amostra se tivessem sido persistentes talvez tivessem inventado outro género musical à margem de Stockhausen.

Também de se escutar é o melancólico “Us and Them” com Richard Wright a solo no piano. Um tema muito triste, mas ao mesmo tempo muito forte que começou a ganhar vida uns anos antes sob a forma de “The Violent Sequence” no filme de Antonioni: “Zabriskie Point”. Na altura (1969) completamente vetado ao abandono.

Mais experimental tem aqui um instrumental chamado “The Morality Sequence”, uma versão ao vivo de “Any Colour You Like” (com direito a grandes solos de David Gilmour) e a famosa jam “Travel Sequence”, que mais tarde seria descartada em favor dos ambientes mais hipnóticos e futuristas dos primeiros sequenciadores electrónicos de “On the Run”.

Para terminar em beleza, há a versão acústica de “Money” com Waters ao leme. Uma composição tipicamente “blues” e que soa quase descaradamente adolescente.

Faltou “apenas” incluir a versão inicial, acústica de “Time”. O que prova que os Pink Floyd ainda não deitaram todos os segredos cá para fora. Talvez haja mais uns truques fora da manga. Só não lhes peçam mesmo é para baixar os preços destas edições, porque tal como refere a letra de Money: “it’s no surprise that they’re giving none away…”