Em After the Gold Rush, Neil Young descobre-se pela primeira vez um melodista fora de série. São melodias memoráveis, umas atrás das outras, sem qualquer gordura no entremeio. Só filé mignon.
O que é mais importante na música pop? A técnica dos executantes? O bom gosto dos arranjos? O arrojo experimentalista? Todos esses elementos têm a sua relevância; mas se a fundação de um edifício estiver mal construída não há pintura da fachada que lhe valha. A estrutura da casa é, claro, a própria canção. Nenhuma manobra de diversão estética pode redimir uma melodia desinspirada ou uma letra medíocre.
Ora o que mais chama a atenção em After the Gold Rush é, justamente, a solidez dos seus alicerces- a beleza das suas canções. O disco anterior (Everybody Knows This is Nowhere) é brilhante na vitalidade da sua expressão (com os Crazy Horse a chegarem a sítios inacreditáveis, onde mais ninguém consegue chegar), mas não tinha, apesar de tudo, um lote tão vasto de canções tão inspiradas. Em After the Gold Rush, Neil Young descobre pela primeira vez a sua veia de melodista. São melodias memoráveis, umas atrás das outras, sem qualquer gordura no entremeio. Só filé mignon.
E o que faz uma canção ser memorável? Porque é que da primeira vez que ouvimos “Only Love Can Break Your Heart” já a estamos a cantarolar? Porque é que basta ouvir o tema-título uma única vez e ele fica gravado no nosso córtex auditivo para todo o sempre? Por várias razões, entre as quais a sua depurada simplicidade. Só um artista tão complexo como Neil Young consegue chegar a melodias tão magicamente simples. Na álgebra da pop, é bom lembrar, menos é sempre mais.
After the Gold Rush tem outra virtude: criou o molde para o maravilhoso Harvest, o clássico que se lhe seguiu. Dois álbuns unidos pela mesma inventividade melódica, pela mesma doce melancolia, pela mesma simplicidade country e folk. Mas o disco pai é, apesar de tudo, um pouco superior. Harvest esborrata dois temas com as orquestrações estridentes de Jack Nitzsche. After the Gold Rush nunca incorre na vulgaridade de gritar aos nossos ouvidos.
Se o disco anterior é dominado pela violência roqueira à Stones, After the Gold Rush segue a tradição do mestre Dylan, a da intimidade de um cantautor. Mas Young, impaciente, não consegue resistir a rockar em dois temas: o furioso “Southern Man” e o despenteado “When You Dance I Can Really Love”. A excepção que confirma a regra num disco dominado por baladas bucólicas e introspectivas.
Young foi tão feliz neste regresso à pura canção que uma segunda vaga de singer-songwriters explode em seu redor. É o tempo em que Joni Mitchell, Jackson Browne e Carole King escrevem as suas obras-primas, aclamando Neil Young como seu mentor. Mas o canadiano nunca se deu bem com movimentos e etiquetas. Sacudiu as mãos papudas que o queriam prender e seguiu sozinho o seu caminho.
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