No seu “Verdade Tropical”, Caetano Veloso recordava um tempo de algum desânimo perante as tradições carnavalescas no Brasil de finais dos anos 60. Notava então, a caminho do final do livro, que, por esses dias, “as marchas (e mesmo os sambas) de Carnaval cariocas estavam desaparecendo” e que “os bons compositores que surgiram” com a bossa nova e depois “não estavam encontrando o jeito de se adequar ao Carbaval”. E acrescenta que tinha já havido “várias tentativas de ressuscitar o género, todas abortadas”. Caetano lembra aí uma foto de 1966 “em que Chico Buarque, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Toquato Neto, [Gilberto] Gil, Caipinan” e ele mesmo e outros mais da sua geração apareciam ao lado de Tom Jobim, de Braguinha e de “velhos cantores da Rádio Nacional, num encontro promovido (…) para reerguer a canção carnavalesca”, reconhecendo, contudo, que “dali não saiu nenhum samba ou marcha memorável”. Caetano partilhava também memória de infância, em Santo Amaro, notando a entrada em cena de trios elétricos que ganharam um lugar nos desfiles de Carnaval além dos mais clássicos blocos (e suas batucadas) e frevos. É deste encantamento pelos trios amplificados que nasce, em 1968, o seu “Atrás do Trio Elétrico”, que se transformaria num sucesso “nas ruas de Salvador” durante o Carnaval de 1969 e, depois, por todo o Brasil. A prisão e, depois o exílio, adiaram a criação de um episódio novo nesta história pessoal de amor pelas tradições carnavalescas. Na verdade, o sucessor de “Atrás do Trio Elétrico” não nasceu nem no Rio de Janeiro nem na Bahia, mas sim em Londres, nos estúdios da Island, onde ganhou forma um EP com cinco canções que seria editado em 1971 com o título “O Carnaval de Caetano”.
A notícia destas criações novas de Caetano chegou ao Brasil com o entusiasmo de quem recordava as ainda não muito distantes participações do músico em festivas, de uma delas tendo nascido “Alegria, Alegria”. De resto, esta notícia chegava na forma não da edição do EP mas sim da submissão de três destas novas composições ao sexto concurso de Músicas Para o Carnaval da TV Tupi que, nesse ano, contava ainda com a participação de nomes como os de Paulinho da Viola, Ivan Lins, Capiba, Jair Rodrigues ou Zé Keti. Foram elas “Chuva, Suor e Cerveja”, “La Barca” e “Qual é, Baiana?”, estas duas últimas criadas em parceria com Moacyr Albuquerque. Acompanhada por um “caso” mediático, porque chegara a correr que Caetano havia sido inscrito no concurso pela editora e sem a sua autorização, a chegada destas três canções seria o primeiro episódio na comunicação do EP que juntaria ainda ao alinhamento leituras de Caetano para “Pula Pula (Salto de Sapato)” da dupla José Carlos Capinam/Jards Macalé e “Barão Beleza” de Tuzé de Abreu. O disco, gravado em Londres, apresentava as cinco canções com arranjos assinados pelo próprio Caetano Veloso e Macalé, este último tendo sido um entre os músicos brasileiros reunidos para esta ocasião naquele estúdio na capital britânica. O disco, que resultou em mais um caso de sucesso na ainda jovem discografia de Caetano Veloso, sublinhou uma vez mais a rara capacidade do músico baiano em estabelecer diálogos entre formas tradicionais da música popular brasileira com linguagens do presente e sem uma geografia tão localizada. Anos mais tarde, em 1977, três destas canções seriam recuperadas para o alinhamento da compilação “Muitos Carnavais”.
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