Damned Devotion é o novíssimo álbum de Joan As Police Woman, e acrescenta pontos em relação à sua discografia mais recente. É, portanto, um regresso que se saúda, apesar de Joan Wasser não trazer sorrisos na bagagem.
Desde a sua estreia em Real Life que esperamos de Joan Wasser um outro álbum tão repleto de atributos e predicados. No primeiro longa duração de Joan As Police Woman (é este o nome artístico escolhido pela senhora Wasser), a cantora e compositora norte americana mostrava um fibra musical quase imaculada, vibrante, sublime na forma de expressar inquietação e dor, desalento e mágoa, tentando desesperadamente despertar para a rotina da existência, sobretudo quando, depois de passar pelas chamas do inferno, lá vinha a vida reclamar de novo a sua presença, de preferência com a cara alegre de outros tempos. A particular visão dos seus sentimentos de perda, no já distante disco inicial (2006), surgia sublimada por belas e eternas canções, como se constatará facilmente ao ouvirmos, mesmo que pela primeira vez, “The Ride” ou “Eternal Flame”. Esses dois temas bastarão para não nos alongarmos mais nos exemplos. Seguiram-se vários discos interessantes, um deles em parceria com Benjamin Lazar Davis (Let It Be You, de 2016) e agora, subitamente, Joan As Police Woman regressa nestes dias frios de inverno. Vem densa, libidinosa, arrasadora, sublime. Um regresso aos parâmetros de qualidade de Real Life? Sim, mas são diferentes as premissas do novíssimo Damned Devotian.
Depois de algumas audições atentas, as impressões são francamente boas. Talvez a grande diferença, se tivermos em conta os discos anteriores ainda aqui não mencionados (The Classic, The Deep Field, Cover e To Survive), possa ser encontrada ao nível da bateria e da percussão, ao ponto do elemento rítmico ser mesmo a base de muitas das doze canções de Damned Devotion. Onde noutros tempos e noutros temas o piano e a guitarra ganhavam maior destaque (“To America”, “To Be Loved”, “Real Life” ou “The Ride”, entre tantas outras), agora a abordagem rítmica impõe a sua presença de forma notória. Mas afastemos o previsível engano das nossas cabeças: Damned Devotion não tem composições alegres nem está repleto de momentos que nos empurrem para a dança. Nada disso. Antes pelo contrário. A vibração soul, que é também uma das marcas primordiais de Joan As Police Woman, essa mantém-se, mas as batidas são mais trabalhadas no sentido de criar outros efeitos marcantes, que não o de simplesmente fazer mexer o corpo. São baladas (mas não são verdadeiras baladas, no entanto) com algum experimentalismo, ruídos breves mas incisivos, sons que misturam ambientes distintos, e onde a palavra cantada não pode ser esquecida. E aí, nesse terreno que Joan As Police Woman manobra com pulso firme e poético ao mesmo tempo, temos a maior das virtudes do álbum. Ele é um tratado sobre a angústia, sobre a introspeção, sobre a paixão e o ciúme (fiel e sempre presente companheiro das influências de cupido), sobre a vida. Sobre a condição humana, se quisermos generalizar um pouco.
Se tivéssemos de escolher as canções mais orelhudas deste mais recente trabalho de Joan As Police Woman, então talvez devêssemos nomear “Warning Bell” (aquele timbre so cool e so soft que só Joan Wasser consegue fazer ecoar é sempre tão arrepiante…), “Tell Me”, “The Silence” e “What Was It Like”, enorme e agradável surpresa que surge lá mais para o final do disco. São todas, cada uma à sua maneira, belíssimas composições, todas merecedoras de ouro artístico. No entanto, e muito provavelmente, não teriam o rasgo de génio que têm sem a voz que as suporta. A delicadeza vocal de Joan é quase insuportavelmente bela.
É, portanto, uma (ligeiramente) reinventada Joan As Police Woman a que encontramos em Damned Devotion. E assim, sem grandes alaridos mas de forma sempre segura, a ex-integrante dos The Dambuilders, dos Those Bastard Souls, dos Black Beetle e dos Mind Science of The Mind vai seguindo o seu particular caminho ao encontro dos que tanto a desejam ouvir. E assim, ouvindo-a em Damned Devotion, aplaudimos uma vez mais o seu regresso aos discos.
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