A mais conhecida voz da Islândia faz-se ouvir de novo no mundo inteiro. Traz novidades na bagagem. Traz, sobretudo, um novo olhar sobre o mundo e chega com um sorriso de esperança.
Dois anos depois de Vulnicura, disco em que descarnava as dores de uma sofrida separação, Björk parece agora capaz de olhar para o (seu) mundo de maneira a ver nele um lugar onde o sonho ainda parece possível, palpável até, de tão sensorial e próximo. As sombras densas e as nuvens carregadas de lágrimas do álbum de 2015 cumpriram já o seu “ciclo da água” e os sentimentos novos que daí brotaram, começaram a germinar de outra forma. Feita a catarse, chegou a primavera björkiana. Parece vir do alto das mais bonitas montanhas, banhando-se nas frescas águas de um mundo tão particular e intrigante, que só poderá existir como lugar na inventiva cabeça da eterna menina de Reykjavík. Chama-se Utopia e vive, em primeiro lugar, de um contraste tão imediato como absoluto. O encantamento interior não se infere da observação da imagem da capa: um pequeno susto que se dilui rapidamente no enlevo irresistível dos temas presentes no álbum.
Utopia é um disco de madrugadas. Cada um dos catorze temas parece trazer dentro de si o nascimento de um dia luminoso. Há em quase todos eles uma claridade crescente, que vem direita a nós e nos invade sem pressas, espreguiçando-se ao mesmo tempo que também nós despertamos, abrindo os braços para os receber, estirando os sentidos como quem alonga o corpo depois de uma noite de repouso. Depois, ao mesmo tempo que se vão acomodando em nós, abrimos a alma, o espírito, respiramos o ar gélido de “Future Forever” e a quimera da utopia começa a produzir os seus efeitos. É a pureza, a transparência, a virgindade. Está tudo aí, à nossa frente, dentro da nossa cabeça e na porosidade da pele. Uma das canções do ano, acreditem.
Já não ouvíamos um disco tão bonito e leve e solto e suave de Björk desde o frágil e elegante e meigo e terno Vespertine. Utopia surge embalado pela flauta, instrumento que marca o disco do princípio ao fim. É um disco minucioso, como seria de esperar, vindo de quem vem. Björk fez-se acompanhar, uma vez mais, pelo pequeno génio venezuelano de nome Alexandro Ghersi (mais conhecido como Arca) e isso nota-se muito nas tecituras eletrónicas, nos ruídos, nas boas estranhezas que Utopia também encerra. Mas é sobretudo a torrencial delicadeza de um novo olhar sobre o mundo (mesmo que marcado por palavras duras, como se pode ouvir em “Tabula Rasa”, por exemplo) que marca o disco de forma indelével. As melodias que parecem chegar dos céus, a perfeita voz-instrumento que se escuta em “The Gate” e em “Blissing Me”, a respiração dos breves silêncios, a paz interior a querer dar sinais de vida, tudo contribuindo para que a imparável e vitoriosa força de Utopia se propague até ao fim do mundo.
Björk está, como se percebe, de regresso. Um regresso triunfal, que esta escrita mais não faz do que levá-la em ombros, feliz que está por ouvi-la como há tanto não ouvia. Há neste Utopia uma força interior que não se esgota. Na derradeira faixa do disco, por exemplo, na sumptuosa “Arisen My Senses”, essa energia volta a manifestar-se como que a dizer-nos adeus ou até breve. Há em Utopia uma tímida satisfação que nos acorda e nos estremece. Que nos toca. Que quer estar connosco, quer tornar-se íntima e esse é o maior ganho que pode haver quando se ouve um disco uma e outra vez e já sorrimos um para o outro, celebrando o que somos e o que existe em nós.
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