Apresentamos nesta semana a terceira e última parte da discografia comentada dos Rolling Stones, agora falando dos álbuns lançados nas décadas de 80, 90 e na primeira década do século XXI. Os Stones dão prosseguimento aqui à fase de altos e baixos – mais baixos de que altos – que sucedeu o lançamento de seus dois mais aclamados discos,
Sticky Fingers e
Exile on Main St.. Depois de haver enfrentado o punk e a disco music, dessa vez a banda se deparou com a tarefa de sobreviver no mercado musical em plena época do videoclipe, quando pipocaram novos estilos de caráter mais comercial e o visual tornou-se também um elemento primordial para qualquer artista. Isso explica muito das novas experiências musicais e da estética da banda. Essa fase da carreira do grupo é geralmente tratada com desprezo, e muita gente sequer ouviu tais discos, mesmo aqueles que curtem o som da banda. Como fã e eterno “advogado do Diabo”, entretanto, eu me dispus a pagar pra ver e descobri que nem tudo são cravos na história recente das pedras rolantes! Vamos então aos discos! (Se você não leu a primeira ou a segunda parte da discografia comentada, clique
aqui e
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Este disco foi aclamado como um retorno à época de ouro da banda e é geralmente muito admirado pelos fãs, mas não o considero o último álbum significativo dos Stones. O interessante é que o disco é uma verdadeira colcha de retalhos, sendo formado majoritariamente por canções que foram primeiramente trabalhadas nas sessões para os álbuns
Emotional Rescue,
Some Girls,
Black and Blue e até
Goats Head Soup! Apesar disso, e mesmo contando com faixas bem únicas em seus estilos, ele guarda uma qualidade desse último disco: a coesão. Tudo flui perfeitamente, e nenhuma faixa parece deslocada. A primeira delas é aquela que, depois de “Satisfaction”, talvez seja a mais popular canção dos Stones: “Start Me Up”. A faixa segue a linha de canções como “Brown Sugar”, mas sem a energia que antes marcava esse tipo de número dos Stones. Em seguida, após a animadinha “Hang Fire”, tem início esse verdadeiro carnaval de estilos: o reggae de “Slave”, o rockabilly arrastado de “Little T & A”, o blues puro e simples de “Black Limousine”. E a variedade de material não termina aí! “Neighbors”, um bom punk stoneano – quem sabe o melhor –, encerra o primeiro lado do disco, mais agressivo. No segundo lado, centrado em canções lentas, eles iniciam emendando duas baladas: a lindíssima “
Worried About You”, que segue a linha de
Exile on Main St – e poderia figurar no mesmo sem problema algum – e conta com Wayne Perkins fazendo um belo solo de guitarra; e a razoável “Tops”, da época de
Goats Head Soup, com um belo refrão característico desse período. Cansado de incorporar o demônio e seus asseclas pouco populares, Jagger dessa vez recebe o espírito do recém-falecido John Lennon, na etérea canção “
Heaven”, faixa única na carreira dos Stones. Destaque aqui para a performance de Jagger na guitarra, bem como para seu falsete o qual é bastante presente no disco inteiro. Na sequência temos a bela e calma “No Use in Crying”, uma balada soul que remonta aos primeiros anos da banda, mas cujo arranjo assemelha-se ao de um reggae. Pra fechar o disco, a razoável “Waiting on a Friend”, que soa como uma versão stoneana pra “It’s All Over Now, Baby Blue”, de Dylan. O disco, portanto, pode não ser mais um clássico, mas de forma alguma pode ser associado a qualquer desorientação típica dos anos 80. É a pura essência dos Rolling Stones acompanhada das vantagens e desvantagens do envelhecimento!
Undercover [1983]
Apesar de bem recebido na época, Undercover é forte concorrente a pior álbum dos Stones, tanto entre os fãs como para o público em geral. Concebido em meio a “disputas de poder” entre Jagger e Richards, o disco apresenta muitas canções mais roqueiras, como “Wanna Hold You”, composta e cantada por Keith, e flertes com estilos mais dançantes, como a própria “
Undercover of the Night”, composta por Jagger. O resultado, infelizmente, não foi dos mais satisfatórios, e dificilmente se pode achar composições consistentes nesse álbum. O clima de disputa na gravação do disco veio acompanhado de uma temática agressiva em algumas músicas, desde a citada “Undercover of the Night”, cuja letra faz referência às políticas repressivas na América Latina, à também dançante “Too Much Blood”, que critica o excesso de violência na TV. Até o amor foi afetado por essa temática, como pode ser visto na faixa “
Tie You Up (The Pain of Love)”, que fala de sado-masoquismo. Esta música, por sinal, é o melhor momento do disco, com boa melodia e um arranjo competente, mas de forma alguma um clássico. Um ponto em que o álbum peca com relação ao anterior é a substituição do vocal em falsete de Jagger por um vocal cheio, arranhado e chatíssimo! O disco conta ainda com faixas como “Pretty Beat Up”, de Ronnie Wood, as rockers “Too Tough” e “All the Way Down”, que até são legais, e um bom encerramento com a funkeada “It Must Be Hell”. Entretanto, se compararmos com tudo o mais que os Stones fizeram, esse disco sequer chega a ser mediano.
Contendo dois covers, quatro parcerias de Keith com Ronnie Wood e uma parceria com Chuck Leavell (ex-membro da The Allman Brothers Band e tecladista dos Stones até hoje), este disco é um concorrente ainda mais forte a pior disco da banda! Não pra este que vos fala. Mesmo não estando sequer no nível de um
Tattoo You,
Dirty Work possui seus dotes próprios. É como se a banda – ou Keith Richards, já que nessa época Jagger se preocupava apenas com sua incipiente carreira-solo – tivesse investido suas fichas no que
Undercover possuía de menos ruim, isto é, um rock mais direto e o groove de faixas como “Tie You Up (The Pain of Love)” e “It Must Be Hell”. Iniciando com a fraca “One Hit (To the Body)”, em cujo videoclipe Mick e Keith simulam agressões corporais, parece que Keith deseja exorcizar a banda dos maus fluidos do disco anterior e mostrar que pode fazer um bom trabalho sem o auxílio de Jagger. A faixa seguinte, “Fight”, apesar do título também violento, é o primeiro sinal da mudança. É um rock seguro, com impacto. Temos depois o ótimo cover de “Harlem Shuffle”, bem descontraído, demonstrando ainda mais segurança. “Hold Back”, tal como “
Winning Ugly” e “Back to Zero”, apresenta a banda lidando bem com a sonoridade oitentista, incorporando-a sem soar como forçação de barra. “Too Rude” é uma versão bem bacana de um reggae, mas soa muito deslocada no disco. A faixa-título e “Had It with You” não são tão boas como “Fight”, mas seguram a barra com um rock mais visceral. A pérola do álbum surge com “
Sleep Tonight”, uma daquelas tocantes baladas entoadas pela voz suja e emotiva de Keith, resgatando a fórmula de “All About You”, mas desta vez com um resultado mais do que louvável! O disco encerra com uma faixa escondida, em homenagem ao recém-falecido Ian Stewart, com o mesmo tocando um blues sozinho ao piano. Moral da história: se Mick Jagger estava ocupado demais com sua carreira-solo, Keith tomou pra si o trabalho sujo de administrar os Rolling Stones – e com sujeira ele se entende bem!
Steel Wheels [1989]
Após um curto período em que as atividades da banda se deram por encerradas, com Keith chegando a lançar um ótimo álbum-solo, os Stones terminaram retornando e lançando esse disco, que é tido por muitos como um “retorno à forma” da banda. Ostentando talvez a pior capa da história da banda, esse disco é tão bom quanto o anterior, mas possui a vantagem de ser mais ousado. Tal ousadia rende péssimos momentos como o terrível refrão da faixa “Terrifying”, mas também momentos de se tirar o chapéu, como a ótima “Hold On to Your Hat”. A guitarra-base desta última, tocada por Jagger, dá lindas respostas ao contagiante refrão, enquanto que a guitarra-solo, cortesia do mestre Keith, corre irrequieta por toda a canção. Uma faixa curiosa é a balada “Blinded by Love”, breguíssima, mas também lindíssima, com um refrão tão simples quanto tocante. Outros destaques são a balada “Almost Hear You Sigh”, sobra do disco solo de Keith, com um maravilhoso trecho apenas com os backing vocals, e a nada convencional “Continental Drift”. Nesta faixa, Mick e Keith fazem as pedras rolarem no deserto do Saara, trazendo para o disco os mesmos Master Musicians of Jajouka que nos anos 60 tiveram um álbum produzido pelo falecido Brian Jones. Pra encerrar o disco, mais uma doce balada na voz de Keith, a belíssima “Slipping Away”. Com Steel Wheels, os Stones puderam entrar na década de 90 de cabeça erguida, o que lhes possibilitaria gravar o belíssimo disco seguinte.
Sem contar mais com o baixista Bill Wyman, que largou a banda oficialmente em 1992, os Stones inauguram essa nova década pedindo auxílio às forças obscuras dos cultos africanos, e o resultado obviamente é magnífico! Pra não banalizar o termo “clássico”, não irei utilizá-lo na definição de Voodoo Lounge, mas a verdade é que esse disco é de fato muito bom, um disco agradabilíssimo de ser ouvido, simplesmente a melhor coisa que os Stones fizeram desde 1973! O que me agrada em
Voodoo Lounge talvez seja a sonoridade própria do início dos anos 90, pois, apesar de ser um adorador de décadas passadas, aqui eu me sinto em casa. Apesar da tentativa do produtor Don Was de fazer o disco soar como os Stones clássicos, tal sonoridade pode ser notada em faixas com características bem diversas, tais como a luminosidade de “New Faces”, o clima de viagem espacial de “Moon Is Up”, o hard arrastado de “I Go Wild” ou mesmo o balanço suave de “Sweethearts Together”, entre outras. Além do título do disco, percebe-se a intervenção do sobrenatural na faixa de abertura “Love Is Strong”, que, tanto em seu arranjo grave como no timbre da voz de Jagger, nos remete claramente a “Dancing with Mr. D”, que abria
Goats Head Soup. No entanto, as primeiras faixas do álbum são relativamente fracas, se comparadas com ótimos momentos que surgirão ao longo do disco. O primeiro destaque vai para um verdadeiro clássico chamado “
The Worst”, provavelmente a melhor das baladas com Keith nos vocais! A faixa peca por não dar um melhor tratamento às estrofes, tendo ênfase apenas no refrão, mas isso não diminui sua força. Seu principal pecado é na verdade sua duração curtíssima, tornando uma verdadeira obrigação ouvi-la no mínimo duas vezes seguidas! Pode-se destacar também: “
Suck on the Jugular”, uma das melhores incursões da banda na seara do funk; a balada “Blinded by Rainbows”, cuja melodia, aliada a vocais cristalinos, nos remete – até pelo título – a “She’s a Rainbow”; e a lenta “Thru and Thru”, cantada por Keith, que se assemelha bastante à sonoridade do Pink Floyd a partir do álbum
The Wall. Quando esta faixa termina, você pensa que o disco acabou, mas eis que entra “Mean Disposition”, uma música bem rápida, sem a menor cara de encerramento. Talvez tenha sido uma tentativa de resgatar algo de
Exile on Main St, mas, tal como “Mean Disposition” nem chega aos pés de “Soul Survivor”, o encerramento de
Voodoo Lounge termina sendo uma grande falha. O que, no entanto, não consegue retirar o mérito desse ótimo álbum, o último grande disco dos Stones.
Bridges to Babylon [1997]
Se Don Was freou os anseios modernizantes de Mick Jagger no álbum anterior,
Bridges to Babylon deu vazão a muitas novas sonoridades na música dos Stones, incluindo a utilização de samplers. O resultado foi um disco inferior a
Voodoo Lounge, mas não um completo estrago. Faixas de forte apelo pop como “Out of Control” e “Saint of Me” são descartáveis, mas o resultado obtido em “
Anybody Seen My Baby” e em “Might As Well Get Juiced” é, no mínimo, interessante. Algumas das canções mais fracas do disco seguem mesmo fórmulas mais tradicionais da banda, como a agitada “Flip the Switch”, que abre o disco, e as duas baladas cantadas por Keith, “Thief in the Night” e “How Can I Stop”, que fecham o mesmo. Apesar de o título e a capa do disco parecerem fazer referência a uma temática reggae, não há um direcionamento do álbum nesse sentido, exceto pelo ska-pop de “You Don’t Have to Mean It”, com Keith nos vocais – esse é o único álbum onde Keith chega a cantar três músicas. Os dois maiores destaques são realmente as baladas “Already Over Me” e “
Always Suffering”, ambas cantadas por Jagger e com refrões bastante parecidos.
Bridges to Babylon, portanto, sequer chega a ser uma boa continuação de
Voodoo Lounge, mas também não é um disco chato. Eu diria que vale ao menos como um experimento.
A Bigger Bang [2005]
A foto sobre um fundo escuro e a ausência de informações na capa do disco nos remetem à capa do primeiro álbum britânico dos Stones. Isso representa um pouco a proposta de A Bigger Bang, que procura se desvincular do excesso de elementos modernosos experimentados no disco anterior. No entanto, apesar de faixas como “Rough Justice”, a hardeira que abre o disco, e “Back of My Hand”, um blues de faceta mais tradicional, esboçarem um retorno no mínimo à década de 80, o resultado do disco em geral é mais a aposta em um rock limpo e básico do que qualquer tentativa de soar como no passado. Em termos de qualidade, A Bigger Bang fica no mesmo patamar de Bridges to Babylon. Faixas como “She Saw Me Coming”, a balada “Streets of Love” e o hard “Oh No, Not You Again” são bem agradáveis, mas não impressionam. Os destaques vão para as canções de pegada funk, como “Rain Fall Down” e principalmente as ótimas “Look What the Cat Dragged In” e “Driving Too Fast”. Essas duas últimas, juntamente com “Infamy”, cantada por Keith, dão um bom acréscimo de qualidade ao disco em seu encerramento, tornando-o tão bom quanto seu antecessor, ou seja, apenas mais um bom disco, nenhum grande estouro.
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