quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Laurie Anderson “Amelia”

 A 2 de janeiro de 1937, algures no Oceano Pacífico, num percurso que havia partido de Lae (na Nova Guiné) e tinha por destino a a ilha de Howland, a tragédia acabou num inesperado silêncio. Aos 39 anos, a norte-americana Amelia Earhart, que havia sido a primeira mulher a voar sobre o Atlântico e desempenhara um papel importante na promoção das novas possibilidades que a aviação comercial então lançava sobre os globo, desaparecia do mapa. Nunca chegou ao destino, sendo levantada a hipótese de uma queda do avião no mar, deixando inacabada uma primeira tentativa de volta ao mundo pelo ar. Talvez por falta de combustível, mas sem certezas já que nem corpo nem eventuais destroços alguma vez foram encontrados, o derradeiro voo de Amelia Earhart é agora evocado no novo álbum de Laurie Anderson, que assim reclama para a música uma personagem (e as suas narrativas) que Joni Mitchell havia já cantado numa das canções do álbum “Hejira” (1976) e, antes, o coletivo rock folk Plainsong evocado no álbum “In Search of Amelia Earhart” (1972). 

O novo álbum de Laurie Anderson evoca a pioneira da aviação Amelie

O disco, que sucede à parceria com o Kronos Quartet inspirada pelo impacte do furacão Sandy fixada em “Landfall” (2018), ao qual se seguiram “Songs From The Bardo” (de 2019, com Tenzin Choegyal e Jesse Paris Smith), o “Dokument #2” (de 2020, criado com Brian Eno e Ele Oke) e ainda “The Parrot” (de 2022, disco companheiro da exposição “Four Talks” no Museu Hirshhorn em Washington DC, representa talvez a mais cativante das suas criações desde o já distante “Homeland” (de 2010). Laurie Anderson que, como um texto recente na Pitchfork lembrou, tem já uma relação com histórias de aviões na sua música (em “O Superman” cantava “Here come the planes/They’re American planes”) e que acabou por refletir numa gravação ao vivo captada em Nova Iorque, uma semana depois do 11 de setembro, uma outra história trágica envolvendo a aviação, usa aqui o seu raro talento como contadora de histórias para evocar os últimos 44 dias na vida desta pioneira. Às palavras (e à sua voz que nos envolve e transporta para as narrativas) junta não só uma composição musical como todo um trabalho se sonoplastia que, de resto, nos coloca perante o ruído de um motor de avião antes mesmo de qualquer outro som nos ser apresentado. 

Mais do que o acidente, a tragédia, o fim precoce, Laurie Anderson opta por celebrar a vida de uma aventureira através de vários fragmentos de textos friccionados (diários, telegramas, notícias), contando depois com a ajuda da orquestra Filharmonie Brno, dirigida por Dennis Russell Davies (reconhecido colaborador de Philip Glass), numa peça de pouco mais de meia hora que junta ainda as contribuições de Anohni, Marc Ribot e alguns outros músicos. Drones, vagas, ambientes, ocasionais melodias, envolvem esboços de uma vida (e uma personalidade) que aos poucos ganha forma. E, sem uma imagem, acabamos a ver… Amelia.

“Amelia”, de Laurie Anderson, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Nonesuch



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