quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Uma alma tranquila continua a marcar a pop elegante de C Duncan

 Quando se fala no esbatimento das antigas fronteiras entre as tradições da música clássica e os espaços da música popular não devemos escutar apenas exemplos como os que, através de nomes como os de Bryce Dessner (dos The National), Richard Reed Parry (dos Arcade Fire), Rufus Wainwright ou Johnny Greenwood (dos Radiohead), revelaram já exemplos de criação diferentes daqueles a que habituaram parte dos seus seguidores através de obras suas em programas de música orquestral, ensaiando passos na música coral ou até mesmo a ópera. O passar dos anos foi assistindo também, com nomes que vão de um John Cale a um Owen Pallett, a percursos feitos num outro sentido desse mesmo vasto canal de troca de ideias e experiências. E C Duncan (n. 1989), filho de pais com trabalho feito nos universos da música clássica, com educação feita na Royal Scottish Academy of Music (que hoje se apresenta como Royal Conservatoire of Scotland), onde estudou composição, e um início de carreira que viu peças por si compostas a ser interpretadas por vários ensembles em salas de concerto do Reino Unido, estreou-se nos discos, há dez anos, com um álbum de canções pop que revelava um saber cuidado na construção das canções e fazia de “Architect o disco-surpresa do verão de 2015 e deu a Christopher Duncan (o seu nome real) uma nomeação para o Mercury Prize.

Um ano depois (ritmo pouco vulgar nos nossos tempos) apresentava no sucessor “The Midnight Sun” um disco mais sombrio, mais pessoal (ou seja, mais íntimo), e ainda mais atento aos diálogos entre a o trabalho de composição e o detalhe na produção. “Health”, em 2019, se por um lado retomava aquela melancolia luminosa dos finais de tarde de verão do disco de estreia, por outro lançava as ideias para um espaço de horizontes mais largos. E colocava-nos perante um agradável confronto decididamente mais frontal consigo mesmo. O caminho para chegarmos a “It’s Only a Love Song”, que inclui ainda uma paragem, em 2022, em “Alluvium” (disco no qual, em algumas canções, piscou pontualmente o olhar a uma pop eletrónica), segue os trilhos de descoberta e assimilação de formas e ideias que este percurso foi alicerçando. Sem sinais de rutura, o álbum volta a colocar-nos numa zona de conforto que retoma os espaços dos seus primeiros álbuns, desenhado em linhas de uma pop com alma orquestral que procura referências e tonalidades noutros tempos que não o presente. Um clima romântico, que se fosse cinema seria coisa para um Douglas Sirk, reconhecendo o próprio C Duncan que nomes como os de Jacques Demy ou Leonard Bernstein são figuras que o inspiram. O aparentemente tranquilo mundo emocional de C Duncan expressa-se numa nova, bela e pacata coleção de canções. Não está aqui um disco para marcar o ano. Mas acrescenta mais um seguro passo numa carreira que continua a saber bem acompanhar com a placidez com que se segue por um caminho sereno e seguro.

C Duncan “It’s Only a Love Song” está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Bella Union



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