Figura ímpar na história da música francesa, com uma obra que recua aos anos 60, partindo das periferias da chanson para, com gosto pela vertigem da ousadia, explorar outras franjas da canção, passando mais tarde por terrenos do indie às eletrónicas, colaborando com nomes que vão de Etienne Daho ou Jacques Higelin a Grace Jones ou Sonic Youth, Brigitte Fontaine volta a ser notícia quando, aos 85 anos, apresenta em “Pick Up” aquele que (justamente) tem vindo a ser apontado como o seu melhor disco desde o magnífico “Prohibition”, de 2009.
Com uma obra vasta e versátil que a fez passar também pelo teatro, o cinema ou a escrita, e com muitas canções expressamente escritas para outras vozes, outras suas entretanto revistadas (como sucedeu recentemente com “Ah que la vie est belle”, por Zaho de Sagazan), Brigitte reencontra neste seu vigésimo álbum de estúdio aquela mesma inquietude que sempre caracterizou os episódios mais cativantes da sua extensa discografia. Com um título traduz um duplo sentido, ora lembrando uma antiga forma inglesa de referir o gira discos, mas também traduz uma ideia de “escolha”, “Pick Up” segue uma antiga tradição de Brigitte Fontaine em chamar à sua música a presença de novos colaboradores (e com eles a arte de “incomodar” o seu próprio rumo), ao mesmo tempo mantendo a seu lado Areski Belkacem, seu parceiro de vida desde finais dos anos 60.
A maior novidade desta vez chega através de Lionel Limiñana, um dos timoneiros dos The Limiñanas, banda de indie rock oriunda da região sudoeste do país que há dois anos havia já apresentado em “La Musique” uma colaboração com Areski Belkacem. Agora, ao lado de Brigitte Fontaine, Lionel Limiñana abre frentes que vão das paisagens mais intensas de encontros da eletricidade com electrónicas (“Le Mariage”) à cenografia com requinte sonoplasta de “Les Animaux” ou “Le Beau Temps” (aqui retomando ecos de paisagens magrebinas), passando pelo piscar de olho a heranças “gainsbourguianas” que atravessam “Crack Boom Track”. A voz, mais falada do que cantada, vinca uma assinatura que retoma uma vez mais olhares com viço e uma alma com traços revolta ainda bem firmes, por visões ora do seu infinito particular ora do universo ao seu redor, falando do passar do tempo, da mortalidade, da condição humana. Desconcertante, como sempre o foi nos seus melhores momentos, Brigitte Fontaine continua a ser uma expressão viva das faces mais exploratórias (e cativantes) da cultura pop/rock made in França.
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“Pick Up”, de Brigitte Fontaine, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição Verycords/Warner Music France.
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