The Art of Slowing Down foi um dos discos mais aclamados de 2017 e um marco na história do hip-hop nacional. Slow J ouviu, estudou e cumpriu.

“Não é rap nunca é rap são sonhos escritos num caderno.”

The Art of Slowing Down é a materialização de um sonho escrito num caderno. Mais precisamente no caderno de Slow J, o novo menino bonito do hip-hop nacional.

O produtor que chegou ao panorama musical nacional em 2015, enquanto engenheiro de som nos estúdios Big Bit, assegurou-se que a primeira parte deste ano do rap ‘tuga era sua  – e esta espécie de crítica já vem atrasada, mas pode ser proveitoso olhar para um disco algum tempo depois deste ser lançado. E se o EP «The Free Food Tape» fazia antever um jovem promissor, poucos estariam preparados para a pedrada no charco (ainda sem efeitos multiplicadores visíveis) que foi o lançamento do primeiro longa duração do artista. Salas de concerto cheias, letras dissecadas e decoradas e uma entourage que não perde oportunidade de o ver actuar ao vivo, seja em concerto próprio, palco secundário, principal ou num casino.

Mas de onde vem este Slow J e a música que faz? A resposta está logo na segunda canção do disco. Em “Arte”, o músico afirma: “Eu queria ser como os grandes cantores/ dos palcos gigantes, aplausos,/ vénias e aplausos”. Da Weasel, Sam the Kid, Manuel Cruz, Flying Lotus, J Dilla, Drake são algumas das suas maiores influências confessas e sentem-se polvilhadas no disco meticulosamente pensado por João Batista Coelho. E (quase) todo o projecto é dele: Slow J é creditado como produtor executivo, autor, produtor e engenheiro de som da (quase) totalidade do álbum – que não tem lugar nas prateleiras de rap ou hip-hop, mas sim da música nacional, garante o próprio.

E se “não é rap (nunca é rap”), também não é pop, rock ou morna. E não conseguir encaixar um artista num catálogo faz confusão a muito boa gente e por essa mesma razão o mundo de fora pode não entender quem é Slow J, porque não o consegue catalogar (“Se não és rico nem pobre / nem preto nem branco / qual a camisola, brother? / só me isola, brother/ ‘tão-me a meter etiquetas / gavetas, só tretas / para ver se a minha sola cola”), mas ele tem bem definida a ideia daquilo que quer para a sua música (“isto é de sol a sol / o meu caminho a mim pertence / isto é ‘pa toda a gente/ e eu repito ‘toda a gente'”): canções pensadas e bem trabalhadas que transmitam uma mensagem, por muito particular que possa parecer.

Afastando-se das bocas lançadas contra tudo e todos para abrir caminho, Slow J subiu a pulso, alicerçado pelo seu próprio trabalho e auto-enaltecimento, sem nunca denegrir. E o bravado do hip-hop continua vivo em Slow J. Quando todos o deitarem a baixo, ele vai continuar a achar que é o supra-sumo. E esta atitude pode ser vista como arrogância, já que tem apenas um disco para dar provas, mas isso abre apenas mais o apetite para o que a seguir virá.

“My nigga diz-me se isso é arte ou é ar de…” É arte. Arte que vem de poemas escritos num caderno.