Era uma vez mais um supergrupo… E desta vez o termo de comparação original era aquele histórico trio que, sob o nome comum Três Tenores, juntou as vozes de Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo. Era uma vez três bateristas… Lol Tolhurst (que entre 1979 e 1986 integrou os The Cure, aos quais se voltou a reunir mais adiante), Budgie (a força rítmica dos Siouxsie & the Banshees e também do projeto paralelo Creatures) e Kevin Haskins (dos Bauhaus e Love & Rockets), todos eles ingleses, todos eles expatriados, todos eles atualmente a viver em Los Angeles, resolveram juntar os trapinhos num projeto comum e começaram a juntar primeiras ideias no estúdio de Tommy Lee (dos Mötley Crüe). Era claramente uma boa ideia que só não seguiu essa rota inicial porque os compromissos de palco assumidos por mais uma ressurreição dos Bauhaus (já lhes perdi a conta) obrigou Kevin Haskins a deixar o trio… Perante o lugar vazio, Lol Tolhurst, durante um festival, apareceu no camarim do vizinho Jacknife Lee (produtor irlandês com créditos espalhados por discos de nomes como os R.E.M., Robbie Williams, Editors, Killers, Bloc Party ou Taylor Swift, entre outros). Mostrou-lhe maquetes, desafiou-o a entrar a bordo e voltou para o camarim não só com o terceiro elemento confirmado como com nova casa para o projeto ganhar forma.

Começaram por lançar ideias, recorrendo a vozes encontradas em gravações pré-existentes, aos três juntando-se a dada altura The Edge (o guitarrista dos U2), desenhando assim primeiras linhas para um álbum que, aos poucos ia ganhando forma. Novo contratempo surge com a pandemia, que coloca todo o projeto em modo de pausa, sendo os trabalhos retomados logo depois, numa nova etapa de sessões de escrita e gravação que chamaram outros colaboradores, entre eles Bobbie Gillespie (dos Primal Scream), James Murphy (LCD Soundsystem), Isaac Brock (Modest Mouse), Arrow de Wilde (Starcrawler) ou Lonnie Holley (conhecido como Sand Man), entre outros.
Assim nasceu “Los Angeles”, um álbum feito de canções nas quais os três pilares do projeto – que se apresenta com o nome dos três, ou seja, Lol Tolhurst, Budgie e Jacknife Lee – falam da cidade que todos escolheram como sua casa. São retratos realistas, que somam olhares sobre a cidade, todos eles feitos com gente dentro e que, longe de propor a celebração de um local mitificado pela cultura popular (e o cinema em particular), encara antes os lugares e as gentes, sublinhando ecos vivenciais experimentados por expatriados que ali encontraram uma comunidade que os acolheu, não deixando de ativar olhares críticos sobre características que desenham os cenários com um sentido realista, retratando características do quotidiano numa cidade que conhece expressões de xenofobia, as outras faces por vezes menos luminosas da indústria do showbiz ou a própria pulsação de uma cidade que está longe de ser coisa tranquila. Esta carga narrativa surge entre canções que traduzem um sentido de liberdade criativa bem evidente, frequentemente destacando uma presença nada normativa da percussão, desafiando formas e ideias ultrapassando fronteiras de universos musicais e expectativas mediante os nomes aqui reunidos, sublinhando todavia o efeito soma dessas personalidades envolvidas no projeto. Dos ecos naturais das visões de um som indie rock que habita as entranhas de muitos dos nomes aqui envolvidos com cruzamentos com as electrónicas, o industrial, até mesmo trilhos mais exploratórios, definindo um território art rock que se revela percurso bem estimulante para quem resolver embarcar nesta viagem (muito pessoal) até à cidade dos anjos.
“Los Angeles” de Lol Tolhurst, Budgie e Jackknife Lee, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Play It Again Sam.
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