quarta-feira, 12 de março de 2025

Madonna, “Madam X – Music From The Theatre Experience”

 “Os artistas estão aqui para perturbar a paz”… A frase, de James Baldwin, era citada mais do que uma vez durante os espetáculos que Madonna apresentou na digressão que levou a cena os conceitos explorados no então recente “Madam X” e que passou, numa série de noites, apesar de dois cancelamentos, pelo Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a sua “segunda casa” como ela mesma ali nos contou. O mais abertamente político dos discos de Madonna e o mais exploratório de todos eles dava o mote para um concerto diferente, mais teatral, menos gigante na dimensão (em vez de arenas, visitava salas de dimensão como a do Coliseu), com residências de mais de uma noite em cada uma das (poucas) cidades pelas quais passou, tendo na Europa conhecido a reta final (encurtada mesmo no fim pela explosão da pandemia) em Lisboa, Londres e Paris. Marcada por vivências lisboetas, a criação de “Madame X” levou ao disco ecos de culturas de espaços lusófonos, de Portugal e Brasil até Cabo Verde que caminharam depois rumo ao palco. Pelo que faz todo o sentido, na hora de fixar estas memórias, que tanto o filme (que bem que podia conhecer edição em suporte físico) e o disco ao vivo tenham resultado de gravações no Coliseu dos Recreios. Assim nasceu, por um lado, “Madame X”, filme assinado por Ricardo Gomes e a dupla SKNX (ou seja Sasha Kasiuha e Nuno Xico), estreando na plataforma Paramount + em 2021 e, depois, o live album “Madam X – Music For The Theatre Experience”, que começou por ter edição digital também nesse ano e que, agora, surge em suporte físico através de um lançamento em triplo LP em vinil com dois temas extra (inéditos até aqui), um deles sendo “Crave”, o outro, “Sodade”, clássico de Cesária Évora que Madonna apresenta em dueto com Dino d’Santiago.

Se a dimensão política era já uma das forças motrizes tanto do álbum “Madame X” como do espetáculo que então o transformou numa realidade física, a história pessoal da própria Madonna foi outra das narrativas que habitaram as entranhas do ganhou ressonância de reencontro com episódios de descoberta que ela mesmo vivera na cidade poucos anos antes. Não só cantou o “Fado Pechincha” ao lado de Gaspar Varela (que a acompanhou em toda a digressão) como, a dada altura, o palco surge transformado numa casa de fados na qual Madonna concentrou algumas das canções em que usou a língua portuguesa como “Killers Who Are Partying” e “Crazy”, alargando o universo de referências à música latina em geral juntando citações a “La Isla Bonita” ao tema “Welcome To My Fado Club” e acabando por cantar “Medellín”, o cartão de visita de “Madame X”. Antes, na aproximação a esta sequência focada em Lisboa  já se tinha escutado um grupo de batukadeiras de Cabo Verde em “Batuka”, um dos momentos maiores tanto do álbum como dos concertos, tendo em Lisboa o palco recebido ainda a presença de Dino d’Santiago que foi apresentado como o “rei do funaná”, dando início a outro dos episódios mais emotivos do alinhamento, entoando, com a sala a cantar, o já acima referido “Sodade”. Os sabores portugueses, da amarguinha ao vinho do porto (branco) e ao bacalhau não faltaram na noite em que por lá passei… Assim como o único palavrão que contou que sabe em português, que começa com a letra “c” e rima com alho… E que agora fixa fixado no vinil.

Apesar do tom sombrio da cenografia de algumas sequências nas quais o espetáculo traduzia o estado do mundo, a luz não faltou a esta visão cénica de “Madame X”. A sequência lisboeta foi disso um exemplo. Todavia, ao contrário de muitas outras digressões de Madonna, o espetáculo “Madame X” não cedia no seu objetivo de vincar combate e identidade, pelo que não fez apelos para fugas em tom festa e nostalgia com velhos êxitos. Pelo contrário, não só foi curta a presença de temas antigos num alinhamento que valorizou claramente a presença do álbum “Madame X” como muitas vezes – como nos casos de “American Life”, “Express Yourself” ou “Like a Prayer” – justificava a presença de velhos clássicos mostrando como os alicerces das ideias que explorou neste disco na verdade estavam já lançados por canções de outros tempos. O espetáculo fugiu assim das lógicas mais habituais de diálogo do novo com uma seleção “best of”. O passado de Madonna serviu ali a narrativa, levando a cena outras expressões da multiplicação de si mesma em várias personagens… E bastava olhar para a sua história de canções e imagens para notar que, na verdade, esta ideia já a acompanha há muito. O álbum ao vivo ajuda agora a guardar esses momentos numa história que, agora, vai conhecer uma expressão de palco certamente bem diferente na digressão de celebração de 40 anos de atividade. Mas, para fechar o capítulo “Madam X” falta ainda um acesso mais fácil ao filme-concerto… E no ar continua uma dúvida: o que de novo virá depois de “Madam X”?

“Madam X – Music From The Theatre Experience”, de Madonna, está disponível em 3LP numa edição da Rhino.



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