Com Circo de Feras, os Xutos dão o salto para a primeira divisão do rock nacional. Os clássicos “Contentores”, “Não Sou o Único”, “Vida Malvada” e “N’América”, depressa os conduzem ao primeiro lugar.

Estúdios, produtores, manager, merchandising e prazos apertados, 1986 não teve um começo fácil para os Xutos e Pontapés. Eram punks, começavam a chamar à atenção e até já tinham assinado por uma grande editora, a Polygram. Sobreviveriam? Será coincidência que um dos versos mais conhecidos do disco reze que “o passado foi lá atrás”? Certo é que dificilmente alguém previa o que “Contentores” faria à carreira dos Xutos.

Na equipa, como manager, estreava-se Vítor Silva e também aí o ritmo era outro. No início do ano, mandou a banda para o estúdio e com prazo: um mês para concluir o disco. Depois, na cabine de som, colocou Carlos Maria Trindade, que no processo das gravações quase colapsou por cansaço: ao mesmo tempo, também produzia Libertação, dos Delfins.

No livro “Conta-me histórias”, de Ana Cristina Ferrão, Trindade recorda o começo das sessões de gravação. “Apercebi-me logo que não só tinham muito boas composições para gravar como também que o grupo atravessava um excelente momento da sua carreira. O som nos ensaios era bem denso e agarrado, a banda disciplinada e com uma força que deixava antever o êxito do LP, que viria a ser Ouro (para eles e para mim) e que marcaria a passagem dos Xutos da segunda para a primeira divisão da música portuguesa”. Mas alguém previa que os cinco rapazes, mais que a promoção à divisão principal, se preparavam para acumular colecções de títulos?

O som, mais limpo, com o saxofone a ganhar destaque, valeu-lhes críticas – as clássicas – dos fãs mais aguerridos. E nem o facto do primeiro single, imposto por Zé Pedro, “Sai Prá Rua”, ser punk com todos os ingredientes lhes valeu sossego. Mas se de um lado eram acusados de se terem vendido, do outro crescia um verdadeiro exército de fãs.

Em Circo de Feras os Xutos surpreenderam com o trunfo que até aí mantinham mais ou menos escondido – que, como poucos, dominavam com mestria os segredos para compor canções imortais. E mais que a azia dos fãs que exigiam mais um disco de punk, foram os trunfos que demoraram anos a digerir. Hoje, passados mais de trinta anos, ainda ecoam ou há alguém por aí que não saiba a letra de “Contentores”, “Não Sou o Único”, “Circo de Feras” ou “Vida Malvada”? Seriam a melhor banda do país? Provavelmente. A maior? Tornaram-se nela ao ritmo de “Contentores” e até hoje esse é o título que ninguém, pelo menos entre os remotamente lúcidos, discute.