
O que fazer depois de um disco como Circo de Feras? A resposta não tardou e fez-se grande também. Em poucos meses, 88 era a nova aventura sonora dos Xutos e Pontapés.
Não deverá haver registo igual na história do rock português: ao quarto disco de originais, a banda de Zé Pedro, Tim, Kalu e companhia continuavam a mostrar a fibra do primeiro dia. 88 é isso mesmo, fibra, energia, raiva, desespero e grito bem audível (mais tarde viriam outros gritos, mudos, um pouco à toa), um álbum direto e ainda bem certeiro ao coração de uma legião de gente que já os tem como referência incontornável.
Para a gravação de 88, os Xutos e Pontapés contaram com dois nomes importantes para a produção. Ramón Galarza e Paulo Junqueiro (o português que foi para o Brasil para ajudar a produzir o brock, fenómeno que surgiu em grande um pouco depois do boom do rock lusitano) trouxeram para o álbum o prolongamento da crueza dos trabalhos anteriores, prolongando o estado de boa aceitação pública do grupo. A capa do LP ajudou a cimentar o X vermelho que ainda hoje os define, mas o melhor era o que lá vinha dentro. Temas como “À Minha Maneira”, “Para Ti, Maria” e “A Minha Casinha” passaram a clássicos instantâneos, embora a terceira já todos a conhecessem na voz de Milú, do filme O Costa do Castelo. No entanto, para além dos temas mais orelhudos que para sempre ficaram gravados na história da nossa música elétrica, o disco encerra outros ótimos momentos, boas canções de culto, importantes na manutenção do respeito e veneração que os Xutos e Pontapés iam, paulatinamente, sabendo conquistar. É o que acontece com “As Torres da Cinciberlândia”, esse “sítio entre a estrada e o mar / Que fica de fora para quem lá quer chegar”, mas também com “Prisão em Si”, canção onde “homens inseguros / Erguem escadas / Partem muros”, mas sempre “À procura do amanhã”.
Depois do grande sucesso do disco anterior (Circo de Feras, álbum de 1987), os Xutos e Pontapés não perderam a pedalada, nem resolveram mudar a forma. Não conseguiriam fazê-lo, mesmo se fosse essa a ideia da banda. Essa incapacidade positiva, digamos assim, é um dos trunfos de toda a carreira e uma das mais importantes marcas da identidade do grupo. Para eles, só o rock existe, só o rock importa, sem rodeios nem falinhas mansas. Não importa se ao quarto disco os Xutos e Pontapés eram (ou não) melhores músicos, melhores compositores, melhores artistas. Isso não importa nem nunca importou quando se pensa neles. O que verdadeiramente queremos é que não se desviem daquilo que sempre foram: os bons rebeldes do rock, bons rapazes com jeito para a causa das guitarras e para a criação de melodias que se colaram à história da música que foi perdurando nos nossos ouvidos. Tudo isso, e um certo ar de quem nunca perdeu o rasto e a pose genuínas de banda de bairro de subúrbio. Um jeito de banda punk com afeto para dar. Afeto honesto, sem corantes nem conservantes, afeto de cerveja na mão e braço sobre o ombro do próximo. Os Xutos e Pontapés são isto, também.
Os Xutos e Pontapés sempre foram, desde o início, uma banda de estrada, de concertos e de proximidade com o seu público. Para a promoção do álbum 88, e mais uma vez, fizeram-se ao caminho e realizaram 60 concertos em apenas 4 meses, totalizando mais de 240 mil espectadores. A identidade roqueira do grupo crescia e apontava ao infinito. Os Xutos e Pontapés eram já uma marca portuguesa, um desígnio do rock nacional, tudo isto conseguido em menos de 10 anos de carreira. É obra, convenhamos.
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