O coletivo Bala Desejo tem-se afirmado nos últimos tempos como uma das mais ativas forças de uma nova geração de músicos que continuam a dar fôlego à MPB, espaço que assim conhece novas vidas, mantendo firme uma mesma vontade em escutar heranças e identidades culturais brasileiras com capacidade para olhar o mundo à sua volta e fazer notar os tempos que vão passando. Reunidos como grupo como consequência de acontecimentos (os célebres “lives”) durante a pandemia, os Bala Desejo fixaram já um episódio marcante na história da música brasileira através do brilhante álbum de estreia “Sim Sim Sim”, uma celebração luminosa do prazer de comunicar pela música que continuou depois a conquistar atenções em atuações que os têm colocado perante cada vez mais e maiores plateias. Ao mesmo tempo os seus quatro elementos, todos eles com vidas profissionais anteriores ao disco de 2022, voltaram a dar atenções aos respetivos percursos individuais, que agora seguem em paralelo aos Bala Desejo. Lucas Nunes, figura-chave no “Meu Côco” de Caetano Veloso, está presentemente na estrada na digressão que dá vida a esse álbum de 2021 e já este ano colaborou no novo disco de Rubel (no qual surgem também os restantes parceiros Bala Desejo). Júlia Mestre lançou, a solo, o álbum “Arrepiada” e Dora Morelenbaum acaba de editar um primeiro disco de estúdio (o EP “Vento de Beirada”). E hoje foquemo-nos em “Marquês 256”, disco lançado há alguns meses, por enquanto apenas com edição digital, que representa a estreia em álbum de Zé Ibarra.
Os ecos da mesma pandemia que juntou os quatro músicos como Bala Desejo ainda marcam presença num disco cujo título lembra a rua e o número da porta do prédio, na qual o músico viveu os dias de infância e onde, nos dias de confinamento, tocou em áreas comuns. Assim mitificado por dar um nome a um disco, o Edifício Marquês de São Vicente, no bairro da Gávea (Rio de Janeiro), tem a sua alma igualmente presente através da presença de um eco (natural, cenográfico) que abraça a voz e a discreta (mas suficiente) instrumentação que escutamos nas oito canções que, em pouco menos de meia hora, deixam bem claro que temos aqui uma carreira para continuar a acompanhar com atenção. O alinhamento reparte atenções entre composições do próprio, outras criadas em conjunto por parceiros próximos (como Dora Morelenbaum, Lucas Nunes ou Tom Veloso) e versões de peças de recorte clássico como “Olho d’Água” que Caetano Veloso e Wally Salomão deram a Maria Bethânia ou uma arrepiantemente bela leitura de “San Vicente” do histórico “Clube da Esquina” de Milton Nascimento (valendo a pena lembrar que Zé Ibarra integrou a banda deste último).

Zé Ibarra, que encantou Gal Costa (com quem gravou, em dueto, uma versão de “Meu Bem, Meu Mal”) ou já partilhou o palco com Ney Matogrosso num programa de TV, é um herdeiro natural dos grandes mestres da MPB e tem já no seu percurso ora com a banda Dônica (que integra também Tom Veloso e Lucas Nunes) ora com os Bala Desejo, ou ainda em duetos ao lado de Maria Luisa Jobim ou Duda Beat, primeiros importantes passos que o apontam já como uma das esperanças maiores para o futuro da música popular brasileira. Compositor, pianista, dotado de de uma bela voz que explora com segurança e delicadeza os agudos, tem neste “Marquês 256” um seguro cartão de apresentação para uma discografia a solo que certamente dará depois voz a uma mais alargada paleta de referências que o formaram como músico. Minimalista nos recursos, mas carregado de sentidos pelo dom da interpretação, “Marquês 256”, assim como os concertos (que já deu entre nós), pedem agora mais e com urgência. Fala-se de um álbum de estúdio em 2024… E, já agora, porque não uma edição em vinil deste belo disco?
“Marquês 256”, de Zé Ibarra, está disponível nas plataformas de streaming num lançamento da Coala Records.
Sem comentários:
Enviar um comentário