domingo, 6 de abril de 2025

Ryuichi Sakmoto “12”

 Editado no dia em que o músico assinalou o seu 71º aniversário, o novo álbum “12” parte dos caminhos sugeridos por “Async” e aprofunda, numa lógica de diário, incursões solitárias que sugerem estados de alma de reconfortante placidez. 

Figura de marcante presença na história da música no último meio século, Ryuichi Sakamoto foi, depois de vivências universitárias que lhe deram ferramentas para explorar quer a composição quer a etnomusicologia, um dos pioneiros da aventura pop eletrónica quando militou na Yellow Magic Orchestra (com primeiras etapa de vida entre finais dos anos 70 e inícios dos anos 80), trajeto que acentuou através de uma discografia a solo que ao mesmo tempo ia ganhando forma. Essas foram importantes janelas de comunicação que então colocaram o Japão no mapa das atenções de quem, noutras geografias, ia descobrindo novos caminhos para as linguagens da música pop, tanto que, depois, ao lado de Iggy Pop ou Thomas Dolby protagonizou diálogos que acentuaram esses processos de descoberta. Foi, contudo, com David Sylvian que aceitou fazer viagens que começaram perto da pop e rumaram para além das fronteiras dos géneros, num conjunto de ensaios que, somados com os trabalhos para cinema (e Feliz Natal Mr Lawrence, de Nagisa Oshima, não podia ter sido melhor experiência por esses dias de novos desafios) e os discos que foi editando em nome próprio (Beauty, de 1990 é pérola maior a ter em conta na busca de uma síntese das ideias… pop), o projetaram para outros horizontes. É verdade que em experiências vividas mais adiante, ao lado de figuras como Christian Fennez ou Alva Noto, voltou a mostrar como esse fulgor de explorador não escapara ao seu mapa de desafios. Mas foi em 2017, com Async, que assinou a peça que mais bem acrescentou a certeza de ter encontrado novos rumos ao seu destino. O disco, um oásis de expressão mais pessoal entre uma multidão de outros trabalhos (sobretudo criados para o cinema), nascia também após uma situação de doença e convalescença já que, após o diagnóstico de um tumor na garganta e do tratamento que se sucedeu, esse disco traduzia assim ecos de uma contemplação muito pessoal sobre dúvidas, o tempo, o silêncio… Mais adiante, no documentário Coda (ler aqui), Ryuichi Sakamoto aprofundava estas ideias, contextualizava a criação do disco e dava-nos a conhecer espaços muito pessoais de vida e trabalho. Outros trabalhos se seguiram, uma vez mais sobretudo dominados por partituras destinadas ao cinema e televisão, até que, em finais do ano passado, fomos confrontados com a revelação de que uma nova batalha contra um outro tumor não estaria a correr tão bem como antes. E a mensagem rematava dizendo-nos o músico que, enquanto o corpo lhe permitisse, continuaria a dar-nos a ouvir a sua música. 12, o álbum que editou ontem, dia do seu 71º aniversário, é por isso algo que se pode comparar a uma carta muito pessoal que nos endossa e que traduz fielmente este seu desejo de continuar, enquanto puder, a comunicar connosco da mesma forma como sempre o tão bem fez: pela música.

Com grandes afinidades com os caminhos mais introspectivos, o mood ambiental e a reconfortante placidez que desenhara o álbum de 2017, o novo 12 acentua mais ainda o caráter íntimo e pessoal desta etapa da obra de Ryuichi Sakamoto. Sem procurar palavras e vozes de outros (em Async havia samples de gravações de David Sylvian ou palavras escritas por Paul Bowles), 12 apresenta Ryuichi Sakamoto entregue ao piano e a teclados de sintetizadores, sugerindo linhas, melodias, climas, ambientes, assinado cada composição com a data em que foi criada. Estamos assim perante algo que se aproxima à ideia de um diário no qual, pela música, sem palavras, Ryuichi Sakamoto nos convida a partilhar estados de alma que, uma vez escutado o alinhamento, nos dão um retrato de um espírito que, mesmo na iminência de uma despedida anunciada, parece encarar o presente com um sentido de discreta tranquilidade.

Sem procurar ordenar cronologicamente as “páginas” deste diário, 12 arruma as doze composições num trajeto que começa por sugerir a dimensão do espaço no qual estamos a entrar, explora então caminhos de maior extensão e cenografia de vistas mais largas, encaminhando-nos, na sequência final para uma sucessão de peças de ainda maior minimalismo e concisão nas quais o piano assume uma voz solista. Criadas num arco de tempo entre fevereiro de 2020 e março de 2022, estas doze peças corresponderão a um eventual corpo final de trabalho no qual, acredito, Ryuichi Sakamoto, continuará a trabalhar enquanto lhe for possível. Outras mais composições poderão, em outras ocasiões, chegar talvez aos nossos ouvidos. Para já, e juntamente com Async, 12 sublinha um gosto por uma escrita mais íntima, progressivamente menos adornada, tranquila, como que procurando, na linha do horizonte, diluir-se com o silêncio. Silêncio que, depois, caberá a nós que nunca se imponha sobre a obra de um dos mais fascinantes criadores do nosso tempo.

“12”, de Ryuichi Sakamoto, está disponível nas plataformas de streaming pela KAB America Inc./Milan Records.


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