domingo, 6 de abril de 2025

Bob Dylan “Fragments – Time Out of Mind Sessions (1996-1997)”

 Memórias das gravações do marcante “Time Out Of Mind”, o álbum de 1997 que devolveu Dylan a caminhos de renovado fulgor criativo e a um patamar de reencontro com o grande público, surgem agora no Volume 17 das suas “Bootleg Series”. 

O tempo não estava a ser generoso para Bob Dylan e a erosão tinha dissipado muita da atenção que outrora vivera. Depois do reconhecimento crítico lançado sorbre Oh Mercy, disco de 1989, que tinha assinalado um primeiro encontro com o produtor Daniel Lanois, os discos seguintes ficaram longe dos passos de outrora, quer quando viveram de canções suas (como em Under a Red Sky, de 1990), quer quando se voltou para velhos cancioneiros da folk e dos blues entre Good as I Been To You (1992) e Gone Wrong (1993), sendo mais feliz no momento em que criou um Unplugged para a MTV (editado em disco em 1994). Convulsões pessoais e as marcas do passar do tempo, que se cruzam com estes dias, habitavam assim o clima em que passou um período de escrita que viveu num inverno passado no seu rancho no Minnesota. Daí chegou com palavras e música que traduziam precisamente reflexões sobre a passagem do tempo e as marcas que deixa, o envelhecimento, o sentido de mortalidade (aqui num certo contraste com uma noção de permanência face aos demais que uma vez lhe fora sugerida por Sinatra). 

Foi com essas canções, em particular as palavras, que, meses depois, se encontrou num hotel com Daniel Lanois, a quem pediu uma opinião. A resposta foi imediata. Havia ali um álbum muito diferente e urgente a criar. E assim deram ambos os primeiros passos rumo a um processo de gravação que começou a ganhar forma mais minimalista no estúdio do próprio Lanois e, depois, entre mais músicos, nos célebres Criteria, em Miami. Palco de mitificados desentendimentos entre músico e produtor, os estúdios assistiram à criação de um álbum de facto diferente, que assinalava ao mesmo tempo uma relação com os alicerces da identidade de Dylan mas que, tanto pela força narrativa e reflexiva das palavras e pela abordagem cenográfica moldada por Lanois, resultou num momento de viragem, vincado pelos triunfos nos Grammys de 1998 (vencendo entre outros o prémio de Álbum do Ano), que amplificaram ainda mais o “momento” que Time out of Mind estava a criar. E assim, em meses, o veterano respeitado mas quase encarado como referência dele panteão, estava de volta, encetando uma nova etapa de grande fulgor e criatividade que ainda recentemente deu exemplos de não ter perdido fôlego no brilhante Rough and Rowdy Ways (2020).

Agora, pouco mais de um quarto de século depois, o Volume 17 da Bootleg Series regressa às sessões de gravação de Time Out Of Mind, recuperando takes alternativos que abrem caminho à descoberta das possibilidades que então iam sendo experimentadas para as diversas canções, juntando a bordo não penas duas canções que acabaram por não entrar no alinhamento e surgir mais adiante (Mississippi, que foi foco de algum conflito criativo, e Red River Shore, esta revelada no volume 8 desta mesma série), estreando uma versão de Water Is Wide, uma velha balada escocesa que em tempos chegara a cantar, nos dias da Rolling Thunder Revue, então em dueto com Joan Baez. O prato principal é, todavia, uma nova abordagem a Time out of Mind, numa remistura de todo o álbum por Michael H Brauer, que certamente segue mais perto a visão de Dylan do que a de Lanois. De resto, entre os ecos desse conflito terá surgido, daí em diante, uma vontade de Dylan assumir o leme absoluto da criação dos seus discos, passando a assinar ele mesmo a produção, se bem que através do pseudónimo Jack Frost. Com mais ou menos material de arquivo as várias versões deste Volume 17 abrem luz sobre a criação de um álbum histórico, juntando às gravações bons textos de contextualização e imagens que complementam a pequena viagem no tempo que aqui podemos fazer.

“Fragments – Time Out Of Mind Sessions (1996-1997)”, de Bob Dylan, está disponível em 2CD e caixas com 4LP ou 5CD, em edições da Columbia/Sony Music.


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