Uma entre as criações de Luke Haines (que depois formaria os Black Box Recorder), os Auteurs precederam a movimentação depois arrumada em rótulo ‘brit pop’ e nunca entraram nesse comboio. Mas nos 90s criaram discos que vale a pena não esquecer.

Em inícios dos anos 90 as duas grandes esperanças apontadas em finais dos oitentas a ocupar o lugar deixado vago pelos Smiths no patamar de uma certa tradição pop britânica mais clássica (com guitarras) davam sinais de não corresponder às expectativas. Os The La’s editavam um álbum e ponto final. E os House of Love, apesar dos feitos notáveis somados entre 1988 e 89, perdiam viço e admiradores a cada novo disco que iam lançando depois de terem saído da independente Creation Records que os vira nascer. Ao mesmo tempo os focos de agitação de Manchester e arredores, onde estas heranças se cruzavam com ecos da nova cultura de dança, iam esmorecendo… É então que entram em cena nomes que em breve mudariam o panorama britânico, construindo uma realidade de protagonismo partilhado (sem repetir contudo nunca o estatuto quase transversal e profundamente influente da banda que nos revelou a figura e voz de Morrissey). Os Blur iam já talhando um caminho que, a seu tempo, deles faria um dos nomes centrais da sua geração, mas estavam ainda longe de merecer o justo reconhecimento maior que teriam pouco depois. E é por volta de 1992 e 93 que começamos a ouvir falar em bandas como os Radiohead (que lançam Pablo Honey em 1993), Suede (que editam o seu belíssimo álbum de estreia no mesmo ano) e os Auteurs que, entre os seus contemporâneos são talvez os autores de um dos mais interessantes (e curiosamente mais esquecido) dos álbuns que reativaram o foco de interesse pela pop talhada a guitarras que, de certa maneira, abriu caminho para a manifestação maior de euforia mediática que pouco depois ganharia forma sob rótulo brit pop (há quem discuta a relação da banda e do seu disco de estreia com o movimento, mas o relacionamento possível parece mais coincidência de tempo, lugar e contexto que outra coisa, seguindo depois o brit pop por caminhos com uma relação popular que nada teve de comum com o percurso mais discreto e feito de marcas autorais dos Auteurs).
Quem eram, então, os Auteurs? Acima de tudo, o veículo para dar corpo às canções e histórias cantadas por Luke Haines. Nascido em 1967, tinha já assinado um passo com relevância histórica ao ver a sua banda anterior, os The Servants, ser incluída no alinhamento da mítica cassete C86, lançada pelo NME, que tantas ideias semeou no mapa futuro da cena pop/rock alternativa. Em 1991 juntou uma série de músicos, alguns vindos da banda anterior, e formou os Auteurs, que chamaram atenções a tocar à volta de Londres no ano seguinte, chegando a disco em 1993 com New Wave, um álbum que deixava não só evidentes as heranças clássicas que os definem – Kinks, Beatles, Bowie – como também um impressionante conjunto de canções de brilhante alma narrativa, contando sobretudo histórias desencantadas, muitas delas vividas entre o mundo do espetáculo e da fama e suas periferias. Juntando temas como Show Girl, Bailed Out ou Starstruck, o disco cativou mais atenções junto da crítica do que do público. Mas ajudou a abrir caminho a um recentrar de atenções do panorama pop britânico junto de heranças mais clássicas, a Luke Haines (sem dúvida um dos grandes escritores de canções da sua geração) tendo faltado talvez a imagem e capacidade de comunicar o carisma (e talvez o valor acrescentado de aposta da sua editora) que fez de Jarvis Cocker (Pulp) ou Brett Anderson (Suede) os rostos dos tempos que se seguiriam. Mesmo sem a mesma exposição mediática, Haines foi desenvolvendo notável obra em disco, quer através dos Auteurs (que se separam em 1999) ou projetos subsequentes, entre os quais os Black Box Recorder, a melhor das bandas pop mais esquecidas da década dos zeros.
Editado um ano depois do álbum de estreia, o sucessor Now I’m A Cowboy procurou uma lógica de continuidade na música e acentuou um desejo de retratar as realidades sociais do seu tempo nas palavras. De recorte clássico, a música doseava aqui uma mais evidente presença da eletricidade (contudo bem distinta dos caminhos shoegazer então vigentes, mas com alma vigorosa bem marcada em Lenny Valentino, que foi cartão de visita do álbum) e uma ordem acústica bem evidente, servindo uma escrita que confirmava em pleno a expressão de uma personalidade que, com o tempo, se afirmaria como uma das forças maiores da geração inglesa dos noventas.
Um acidente, que votou Luke Haines a uma longa recuperação, foi um dos motivos do hiato de dois anos que separou o segundo do terceiro álbum, After Murder Park, produzido por Steve Albini, assimilando, sem resultados maiores, ecos de um novo rock que entretanto conquistaram atenções numa nova cena alternativa americana que tinha alcançado patamares de visibilidade maior nos noventas. O percurso dos Auteurs inclui ainda um quarto álbum de inéditos, How I Learned To Love The Bootboys (1999), pelo qual se sentem já ecos de um sentido de elegância pop que entretanto Luke Haines começara a desenhar com os Black Box Recorder.
A caixa de seis CD People ‘Round Here Don’t Like To Talk About It, que agora agrupa a obra que Luke Haines criou com os Auteurs, com um título que jocosamente explora o esquecimento a que o grupo quase foi remetido inclui ainda o álbum mais desafiante nos timbres que, em 1996, Luke Haines criou a solo com Baader Meinhof e ainda Das Capital, um disco de 2003 que apresenta novos arranjos orquestrais para canções de discos dos Auteurs, do álbum Baader Meinhof e ainda alguns inéditos. A caixa junta a cada CD uma série de temas extra que incluem lados B, versões acústicas, takes alternativos e remisturas (aqui assegurando a representação do álbum electrónico The Auteurs Vs M-ziq, de 1994).
“People ‘Round Here Don’t Like To Talk About It” é uma caixa de 6CD dos Auteurs com 125 faixas exclusivamente lançado neste formato.
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